Ao restaurar laços com palestinos, gestão Biden corre risco de causar a ira de Israel

Governo americano rompe com políticas de Trump e tenta se reposicionar como mediador do conflito no Oriente Médio

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Lara Jakes Isabel Kirshner
Ramallah (Cisjordânia) | The New York Times

O chefe da diplomacia dos EUA chegou à sede do governo palestino na terça-feira (25) com promessas de fornecer uma assistência adicional, de reabrir um consulado americano em Jerusalém e de reconstruir os laços que foram rompidos pela administração anterior para favorecer Israel.

Com a lembrança dolorosa das mortes e da destruição geradas por 11 dias de guerra entre Israel e militantes do Hamas ainda recentes na cabeça de israelenses e palestinos, as ações do secretário de Estado, Antony Blinken, representaram, pelo menos no tom adotado, um esforço para reativar o antigo papel desempenhado por Washington de um mediador mais neutro no conflito do Oriente Médio.

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken (esq.), e o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, conversam durante o encontro em Ramallah, na Cisjordânia
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken (esq.), e o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, conversam durante o encontro em Ramallah, na Cisjordânia - Majdi Mohammed - 25.mai.21/Reuters

Os atos indicaram também uma reviravolta marcante em relação à política seguida pelo ex-presidente Donald Trump, que não escondia o fato de tomar o lado de Israel, fechando um canal de comunicação com a Autoridade Palestina e cortando a ajuda humanitária antes enviada a milhões de palestinos.

Mas a nova política também encerra grandes riscos. A administração de Joe Biden diz que ajudará a financiar um esforço enorme de reconstrução na Faixa de Gaza, controlada pelo Hamas, grupo militante classificado de organização terrorista pelos Estados Unidos, Israel e muitos outros países.

Reconstruir os laços com os palestinos também corre o risco de provocar a ira de Israel, o aliado americano mais confiável no Oriente Médio, região cujos líderes já estão nervosos com as tentativas feitas pela administração Biden de voltar para o acordo nuclear com o Irã. Israel se opõe há anos ao pacto e vem trabalhando para enfraquecê-lo.

Em quase todas as escalas que fez ao longo de um dia cheio de reuniões em Jerusalém e Ramallah, Blinken enfatizou as mortes trágicas de civis, incluindo crianças, nas hostilidades entre Hamas e Israel que terminaram com um cessar-fogo frágil na semana passada.

“As aspirações do povo palestino são como as de pessoas em qualquer lugar do mundo”, comentou Blinken depois de se reunir com o líder palestino Mahmoud Abbas em seu gabinete presidencial na Cisjordânia ocupada. Ele disse que os EUA estão engajados em “trabalhar com o povo palestino para realizar essas aspirações”.

Blinken então anunciou que o Departamento de Estado vai reabrir um consulado americano em Jerusalém para tratar de questões palestinas —a missão diplomática foi fechada pela administração Trump em 2019— e que vai enviar à Cisjordânia e a Gaza US$ 112 milhões (R$ 595 milhões) adicionais em verbas de assistência e desenvolvimento. Blinken explicou que isso elevará para mais de US$ 360 milhões (R$ 1,9 bilhão) o volume de assistência prometido pelo presidente Biden desde o mês passado, anulando os cortes na ajuda efetuados pela administração Trump.

Abbas agradeceu Blinken pelo papel mais ativo adotado pelos EUA para acalmar as disputas recentes, especialmente em Jerusalém, e que em alguns casos colocou Washington em desacordo com Israel. “Esperamos que o futuro seja repleto de esforços diplomáticos e políticos”, disse Abbas.

Ao mesmo tempo em que pede calma, a administração Biden vem tomando o cuidado de evitar uma ruptura em suas relações com Israel. Os EUA foram a única voz contrária no Conselho de Segurança da ONU, bloqueando qualquer tentativa de culpar Israel pela guerra recente com o Hamas. E Biden também destacou publicamente o direito de Israel de se defender no conflito.

Na realidade, apenas algumas horas antes de se reunir com Abbas, Blinken teve um encontro com o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, que também agradeceu a administração Biden por seu apoio na luta contra o Hamas. Mas Netanyahu lembrou abertamente a Blinken do apoio dado por Israel a políticas que foram promovidas por Trump: o fim do acordo nuclear com o Irã e o aquecimento das relações diplomáticas com quatro governos árabes que historicamente foram hostis a Israel.

Lá Fora

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Nos últimos dias, enquanto diplomatas dos EUA e iranianos se reuniram separadamente com diversas potências mundiais em Viena, foi notado algum progresso nas negociações para levar as duas partes a voltar a aderir aos termos do acordo nuclear de 2015.

Esse fato preocupa Netanyahu e outros líderes israelenses, que querem que os EUA exijam limites mais restritivos ao programa nuclear e militar iraniano antes que qualquer novo acordo seja firmado.

O pacto original, disse Netanyahu, “abre o caminho para o Irã ter um arsenal de armas nucleares”. Ele disse ainda: “Aconteça o que acontecer, Israel sempre se reservará o direito de se defender contra um regime comprometido com a nossa destruição”.

Ao mesmo tempo em que concordou que é preciso impedir Teerã de construir uma arma nuclear, Blinken não reagiu às farpas de Netanyahu, limitando-se a dizer em tom calmo que a administração Biden vai continuar a realizar consultas com Israel sobre um retorno ao acordo nuclear com o Irã.

E, embora o objetivo maior da viagem de Blinken —a primeira que fez ao Oriente Médio como secretário de Estado— tenha sido assegurar um cessar-fogo duradouro de uma guerra curta, mas muito mortífera, Netanyahu deixou claro que Israel está preparado para lançar uma resposta “muito poderosa” a quaisquer novos ataques do Hamas.

Pelo menos 77 mil pessoas foram forçadas a abandonar suas casas durante as quase duas semanas de ataques aéreos israelenses, lançados para punir o Hamas por disparar foguetes de longo alcance capazes de atingir Tel Aviv e Jerusalém. Centenas de milhares de pessoas em Gaza ficaram sem luz e água limpa.

Blinken falou da “assistência humanitária urgente para a reconstrução de Gaza” e pediu apoio internacional para prevenir um sofrimento maior. Ele propôs que os EUA trabalhem com a Autoridade Palestina —que não exerce influência ampla em Gaza— nesses esforços, como uma forma de enfraquecer o Hamas e ajudar a garantir que a entidade não se beneficie de uma infusão de ajuda humanitária.

Exigindo anonimato para compartilhar discussões delicadas, um funcionário da chancelaria de Israel disse que Blinken havia sugerido que Israel preparasse um pacote de assistência para ajudar a Autoridade Palestina, e, como benefício indireto, fortalecer sua coordenação de segurança.

Mas Israel resistiu à proposta, disse o funcionário, a não ser que a Autoridade Palestina deixe de cooperar com a investigação realizada pelo Tribunal Penal Internacional sobre os crimes de guerra em territórios ocupados por Israel desde a Guerra dos Seis Dias, de 1967. A ênfase de Blinken sobre ajudar os palestinos também levantou a dúvida sobre se a política dos EUA no Oriente Médio poderá voltar a mudar de rumo se Trump ou outro republicano chegar à Presidência dentro de três anos.

Como que para sublinhar o contraste, o predecessor de Blinken na administração Trump, o ex-secretário de Estado Mike Pompeo, visitou Israel nesta semana como cidadão particular para assistir a um evento em homenagem a aposentadoria de Yossi Cohen, diretor do Mossad, o serviço de inteligência israelense.

Crítico declarado da política externa de Biden, Pompeo é visto como um candidato presidencial no futuro.

Tradução de Clara Allain

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