Após negociação delicada com Israel e Hamas, Biden enfrenta novos desafios no Oriente Médio

Governo estuda formas de recalibrar política na região sem negligenciar prioridades como China, Rússia e Irã

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Michael Crowley Anne Karni
Washington | The New York Times

Quando, no final da tarde da quinta-feira (20), foi acordado um cessar-fogo entre Israel e Hamas, funcionários da Casa Branca que ajudaram a mediar o pacto estavam divididos em relação ao crucial passo seguinte: o presidente Joe Biden deveria ou não fazer um anúncio público?

O problema era que o fim previsto dos combates, marcado para entrar em vigor às 19h pelo horário de Washington, poderia cair por terra, prejudicando a imagem do presidente.

O lado positivo de se fazer o anúncio seria duplo: Biden seria visto como pacificador, e as duas partes no conflito se veriam tendo assumido um compromisso publicamente, o que reduziria as chances de um ou outro lado detonar o plano com um ataque no último minuto.

Biden seguiu adiante e fez um anúncio breve cerca de uma hora antes de o cessar-fogo entrar em vigor. Na fala, rebateu implicitamente os críticos que o acusaram de fazer muito pouco para levar os combates a uma conclusão mais rápida, falando do “intenso engajamento diplomático” de sua gestão nos bastidores. A aposta foi ganha, na medida em que o acordo se manteve e o cessar-fogo entrou em vigor naquela noite.

Mas agora, tendo se tornado o mais recente presidente dos EUA a percorrer a corda bamba de mediar o eterno conflito entre israelenses e palestinos, Biden terá que encarar mais desafios e riscos pela frente.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, durante cerimônia na Casa Branca - Brendan Smialowski - 21.mai.21/AFP

Assessores da Casa Branca estão debatendo como recalibrar a abordagem, na esperança de evitar outra crise que possa desviar a atenção de Biden de suas principais prioridades de política externa: China, Rússia e a restauração do acordo nuclear com o Irã. Evidenciando a agenda mais ampla de Biden, ele se reuniu na Casa Branca na sexta-feira com o presidente sul-coreano, Moon Jae-in, para discutir questões que incluíram o poder crescente de Pequim e o programa nuclear norte-coreano.

No curto prazo, Biden está tomando medidas para aumentar o engajamento dos EUA. O secretário de Estado Antony Blinken vai visitar a região no início da próxima semana, e o Departamento de Estado despachou outro diplomata veterano, Michael Ratney, para comandar a embaixada dos EUA em Jerusalém até que Biden decida quem escolher para ocupar o cargo vago de embaixador americano em Israel.

Lá Fora

Receba toda quinta um resumo das principais notícias internacionais no seu email

Não está claro quando Biden poderá selecionar seu embaixador, algo que vários especialistas regionais consideram que precisa ser feito com urgência. Duas pessoas em contato com a Casa Branca sobre questões relativas a Israel previram que Biden escolha Thomas R. Nides, vice-secretário de Estado na gestão Obama (2009-2017). Mas o processo de nomear e confirmar alguém pode levar meses.

Funcionários também pretendem reabrir um consulado em Jerusalém que era o principal ponto de contato com os palestinos até ser fundido com a embaixada americana, transferida para Jerusalém sob Donald Trump, levando representantes palestinos a se recusarem a ter discussões no local.

“Antigamente, o consulado era o nosso ponto de contato em campo com os palestinos em momentos de crise. Quando eliminou o consulado, a administração Trump cegou o governo americano, e isso prejudicou a resposta no período que antecedeu a crise atual”, comentou Ilan Goldenberg, ex-funcionário da gestão Obama e hoje diretor do programa de Segurança no Oriente Médio do think tank Center for a New American Security. “A administração Biden vem trabalhando para reabri-lo. Prevejo que agora esse esforço será acelerado e terá prioridade muito mais alta.”

Ex-vice-secretário-assistente de Estado para assuntos israelenses e palestinos, Michael Ratney foi cônsul-geral em Jerusalém durante a administração Obama e pode atuar como canal de comunicação entre Washington e os palestinos enquanto o consulado não for reaberto.

Mais amplamente, assessores de Biden estão estudando as abordagens a seguir para desescalar o conflito entre Israel e os palestinos. Eles chegaram a um consenso inicial sobre liderar um esforço humanitário internacional para Gaza, algo que Biden disse na quinta-feira que será feito pela Autoridade Palestina, e não pelos militantes do Hamas, que hoje governam o território palestino da Faixa de Gaza.

Em uma entrevista coletiva na sexta ao lado de Moon, Biden acrescentou que a ajuda será prestada “sem dar ao Hamas a oportunidade de reconstruir seus sistemas de armas”. Funcionários da administração esperam empoderar a mais moderada Autoridade Palestina, que veem como a única parceira plausível em uma paz com os israelenses. Os EUA consideram o Hamas uma organização terrorista.

A Casa Branca também se prepara para uma nova prova do relacionamento com o premiê de Israel, Binyamin Netanyahu, em relação aos esforços para restaurar o acordo nuclear de 2015 com o Irã. Netanyahu e muitas outras lideranças israelenses são fortemente contra o acordo, que enxergam como ameaça à segurança de Israel. “Israel e os EUA terão grandes coisas a discutir e resolver, em especial o Irã”, disse Richard N. Haass, presidente do think tank Council on Foreign Relations.

“Biden e Netanyahu precisam conservar um relacionamento de trabalho, para que se e quando a situação do Irã ganhar primeira prioridade eles possam trabalhar juntos.”

A Casa Branca alardeou o papel da administração em mediar o cessar-fogo e o cuidado com que Biden teria administrado a relação com Netanyahu, cuja permanência em seu cargo continua incerta em meio ao impasse político partidário atual em Israel. Ao longo do esforço diplomático, Biden reconheceu o direito de Israel de retaliar ataques de foguetes do Hamas depois dos choques mais recentes entre judeus e árabes no interior de Israel. Biden só elevou a pressão depois de mais de uma semana de combates, momento no qual, segundo analistas, as forças israelenses já estavam perto de completar seus objetivos militares.

“Mais ou menos 90% da razão do cessar-fogo é que tanto o Hamas quanto o governo de Israel determinaram que prolongar o conflito não atenderia a seus interesses”, disse Haass. “Este é um cessar-fogo que, essencialmente, estava esperando para acontecer.”

Segundo algumas versões, Biden foi mais influente. Ele teria no mínimo evitado ações politicamente tentadoras que poderiam ter agravado a situação. Sua tática foi evitar condenar publicamente o bombardeio israelense de Gaza e sequer lançar um chamado público por um cessar-fogo, para aumentar seu capital junto a Netanyahu e então exercer pressão reservadamente no momento certo, disseram duas pessoas familiarizadas com as discussões internas da administração.

“Como isso vai terminar?”, Biden teria perguntado a Netanyahu para pressioná-lo. Não há dúvida de que, quando os esforços diplomáticos chegaram a um momento-chave, a equipe de Biden desempenhou um papel importante na mediação da trégua.

Em dado momento na tarde de quinta-feira, nas salas do Conselho de Segurança Nacional, o chefe da área, Jake Sullivan, estava ao telefone com seu colega israelense Meir Ben-Shabbat. Ao mesmo tempo, Brett H. McGurk, chefe de assuntos do Oriente Médio no Conselho de Segurança Nacional, conversava com um funcionário sênior do governo do Egito, que atuou como intermediário dos EUA junto ao Hamas.

Tanto Israel quanto o Hamas queriam garantias do outro lado de que nenhum dos dois lançaria um ataque de último minuto antes do cessar-fogo, para tentar declarar uma vitória tardia. Sullivan e McGirk, ambos ainda ao telefone, transmitiram mensagens entre Jerusalém e Cairo em tempo real.

Esses esforços pintam um quadro de os EUA estarem voltando a se engajar em diplomacia pacificadora multilateral, mas também desviaram a atenção das muitas outras prioridades de Biden.

Em análise escrita para o Brookings Institution e publicada na sexta-feira, Tamara Cofman Wittes, membro sênior da organização, avisou que os membros da administração precisarão passar mais tempo debruçados sobre o conflito israelo-palestino.

A Casa Branca, escreveu Wittes, “precisa admitir que, embora preferisse que a discussão EUA-Israel focasse principalmente o Irã e a cooperação de segurança, o presidente, o assessor de Segurança Nacional e outros líderes de segurança nacional também precisarão dedicar tempo e atenção a esta questão se quiserem evitar a deterioração contínua que prejudica outros objetivos regionais prioritários”.

Funcionários da administração não deram qualquer indicação de que vão mudar de direção e nomear um enviado encarregado de reiniciar o processo de paz entre israelenses e palestinos com vistas a uma solução de dois Estados, um resultado amplamente visto como quase impossível de alcançar no momento. Mas Biden reafirmou na sexta-feira que essa é sua meta de longo prazo, dizendo: “Precisamos de uma solução de dois Estados. É a única resposta. A única resposta”.

Tradução de Clara Allain

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.