Descrição de chapéu The New York Times indígenas

Canadá encontra vala comum com restos mortais de 215 crianças indígenas

Elas eram tiradas de suas famílias e levadas à força para escolas internas, das quais nunca voltavam

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Ian Austen
Ottawa | The New York Times

Durante décadas, a maioria das crianças indígenas do Canadá foram tiradas de suas casas e levadas à força para escolas internas. Muitas delas nunca voltaram, e suas famílias recebiam apenas explicações vagas ou nenhuma.

Agora, uma comunidade indígena da Colúmbia Britânica diz que encontrou evidências do que aconteceu com algumas de suas crianças desaparecidas: foram parar numa vala comum no terreno de uma antiga escola residencial que contém os restos mortais de 215 crianças.

A chefe Rosanne Casimir, da nação indígena Tk’emlups te Secwepemc, uma das chamadas Primeiras Nações indígenas do Canadá, anunciou na sexta-feira (28) que radares de penetração do solo descobriram os restos mortais perto da antiga Escola Residencial Indígena Kamloops, que funcionou de 1890 até o final dos anos 1970.

“É uma realidade dolorosa e é nossa verdade, nossa história”, disse Casimir em entrevista coletiva para a imprensa. “É algo que sempre tivemos que lutar para provar. Para mim, sempre foi uma história horrível, tenebrosa.”

Prédios da escola Kamloops, na Colúmbia Britânica, na década de 1970 - Library and Archives Canada/Handout via Reuters

Os restos mortais, que a chefe descreveu como sendo de “muitos, muitos anos atrás, décadas até”, incluem os de crianças de apenas 3 anos de idade.

A partir do século 19 o Canadá teve um sistema de escolas residenciais, ou internas, em sua maioria dirigidas por igrejas, nas quais as crianças indígenas eram obrigadas a estudar. O sistema entrou em declínio na década de 1970. A última escola desse tipo foi fechada em 1996.

Uma Comissão Nacional de Verdade e Reconciliação criada como parte de um esforço do governo para pedir desculpas e pagar indenizações pelas escolas concluiu que pelo menos 4.100 alunos morreram enquanto estudavam nas escolas.

Muitos morreram de maus-tratos ou falta de cuidados, outros de doenças ou por acidentes. A comissão descobriu que em muitos casos as famílias nunca souberam o que aconteceu com seus filhos, que hoje são conhecidos como as crianças desaparecidas.

Não é de hoje que circulam boatos sobre sepulturas não identificadas nas escolas. Mas, se forem confirmadas as conclusões de um relatório preliminar apresentado esta semana à Primeira Nação Tk’emlups te Secwepemc, será a primeira vez que é descoberto um cemitério grande.

A escola de Kamloops foi em certa época a maior escola residencial do Canadá, tendo em seu auge 500 alunos. Ela foi operada pela Igreja Católica até 1969, quando seu controle passou para o governo federal.

“A dor que essa notícia nos provoca nos recorda a necessidade de esclarecer todas as situações trágicas que ocorreram nas escolas residenciais dirigidas pela Igreja”, disse em comunicado o arcebispo P. Michael Miller, da arquidiocese de Vancouver. “O passar do tempo não apaga o sofrimento.”

Diferentemente de outros grupos religiosos que dirigiram as escolas residenciais, a Igreja Católica se negou a pedir desculpas formalmente pelos abusos que ocorreram nos colégios. Em 2018 o papa Francisco rejeitou um apelo direto feito pelo primeiro-ministro Justin Trudeau nesse sentido.

A Comissão de Verdade e Reconciliação concluiu em 2015 que as escolas residenciais foram um programa de genocídio cultural. O uso dos idiomas indígenas foi vetado nesses locais, sendo a proibição às vezes implementada com violência. O mesmo se aplicava às práticas culturais indígenas.

Construção onde ficavam salas de aula da escola residencial para crianças indígenas Kamloops, no Canadá, por volta da década de 1950 - Library and Archives Canada/Handout via Reuters

Rosanne Casimir disse que a busca pelos restos mortais em Kamloops começou no início dos anos 2000, em parte porque as explicações oficiais —incluindo sugestões de que as crianças desaparecidas teriam simplesmente fugido— não correspondiam aos relatos feitos por antigos alunos.

“Tinha que haver mais do que isso”, ela disse. “Foi preciso lançar mão da tecnologia avançada disponível hoje para olhar debaixo da superfície do solo e confirmar alguns dos relatos que foram feitos no passado.”

Ela disse que a varredura com radares ainda não foi concluída. “Ainda não examinamos todos os terrenos. Sabemos que ainda há mais a ser descoberto”, disse a chefe.

John Horgan, o premiê da Colúmbia Britânica, se disse “chocado e entristecido” e afirmou que apoia os esforços da nação Tk’emlúps te Secwépemc para “trazer à tona a totalidade dessa perda”.

Segundo Casimir, comunidades indígenas em todo o Canadá tiveram filhos que foram levados à força a escolas residenciais e então desapareceram.

“Muitas outras Primeiras Nações que tinham escolas residenciais em suas comunidades também querem descobrir o que aconteceu e usar novas tecnologias para poder localizar seus entes queridos”, ela disse. “É uma honra cuidar destas crianças.”

Tradução de Clara Allain

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