Com maioria governista, novo Congresso de El Salvador remove juízes da Suprema Corte

Magistrados foram acusados de 'converter Corte num superpoder' ao impedirem ações do presidente Nayib Bukele

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Buenos Aires

A nova Assembleia Legislativa de El Salvador, que tem maioria governista, aprovou na noite deste sábado (1º) a destituição de cinco juízes da Suprema Corte —todos os magistrados afastados tomaram decisões recentes que desagradaram ao presidente Nayib Bukele.

Além deles, o procurador-geral também foi removido do cargo. A medida recebeu críticas dos Estados Unidos e de entidades internacionais e aumenta o temor de que Bukele, eleito em 2019 com um discurso populista de direita, promova uma escalada autoritária no país.

Representantes do Congresso durante votação que removeu membros da Suprema Corte do país
Representantes do Congresso durante votação que removeu membros da Suprema Corte do país - Jose Cabezas/Reuters

Os juízes removidos pelo Congresso foram acusados de "converter a Corte num superpoder" ao invalidar medidas que o governo planejava colocar em prática para combater a pandemia de coronavírus.

"O povo salvadorenho, por meio de seus representantes, disse: destituídos!", escreveu o presidente em uma rede social logo após a medida ser aprovada com o voto de 64 dos 84 deputados da Casa. Oposicionistas tanto à direita quanto à esquerda chamaram a manobra de golpe de Estado.

Em resposta, os magistrados disseram que a medida era inconstitucional. "É uma destituição que não está precedida pelas garantias de processo necessárias e trata-se de uma medida de pressão do Executivo", afirmaram.

Os congressistas, porém, ignoraram a posição dos juízes e, ainda durante a madrugada, definiram o novo procurador-geral e os novos integrantes do tribunal —nomes alinhados com Bukele, inclusive Óscar López Jeréz, escolhido como o novo presidente da Suprema Corte. Com proteção policial, eles foram até a sede do Judiciário na capital, San Salvador, neste domingo (2), para tomar posse.

Formada por cinco juízes, a Câmara Constitucional é uma das quatro que compõem a Suprema Corte, sendo a responsável por julgar ações de inconstitucionalidade, habeas corpus e casos em que há controvérsias entre o Legislativo e o Executivo.

Os magistrados removidos tinham sido escolhidos pelo Parlamento anterior, de maioria opositora. Os mandatos dos juízes da Suprema Corte são de nove anos, mas a Constituição permite ao Congresso destituir os integrantes do tribunal por "causas específicas, previamente estabelecidas pela lei".

Organismos internacionais acusam Bukele de violar os direitos humanos da população com suas medidas de combate à pandemia. Entre outras ações, o governo utilizou o Exército para garantir o cumprimento das regras e implementou centros de confinamento nos quais os cidadãos eram obrigados a permanecer por tempo indeterminado e sem receber os cuidados necessários.

A imprensa independente do país havia relatado ainda que a quarentena estava sendo usada para calar protestos contra o governo —que move ações judiciais contra o diário digital El Faro e outros meios de comunicação críticos a Bukele.

Esta não é a primeira vez que o atual presidente tenta avançar sobre os outros Poderes. Em fevereiro de 2020, Bukele invadiu o Congresso e se sentou na cadeira do chefe da Casa, em um ato simbólico para intimidar opositores —o caso gerou demonstrações de repúdio internas e externas. Apesar das polêmicas, o partido de Bukele, o Nuevas Ideas, conseguiu maioria na Casa na eleição legislativa de fevereiro.

O presidente é extremamente popular, pois surgiu em um momento de vácuo e de cansaço em relação à política tradicional, simbolizada principalmente pela esquerdista Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional e pela conservadora Arena (Aliança Republicana Nacionalista) —partidos que representam os dois lados da guerra civil que durou de 1979 a 1992.

Em um pronunciamento em cadeia nacional recente, Bukele afirmou que, se fosse um ditador, "mandaria fuzilar todos", mas que isso não iria ocorrer em sua gestão, pois ele respeita a Constituição. No mesmo discurso, porém, ele também disse que os obstáculos que a Justiça colocava contra suas propostas de combate ao coronavírus transformava os juízes em "assassinos de milhares de salvadorenhos".

Após a decisão, o governo americano condenou o afastamento dos magistrados. “Um órgão judicial independente é a base da democracia, nenhuma democracia pode viver sem isso", afirmou em um comunicado a subsecretária interina do Escritório de Assuntos do Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado, Julie Chang. "Uma relação forte entre os EUA e El Salvador dependerá de o governo de El Salvador apoiar a separação de Poderes e manter as regras democráticas", completou.

Neste domingo, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, conversou por telefone com Bukele para expressar o descontentamento de Washington com a decisão, também criticada pela Organização dos Estados Americanos (OEA). Para o diretor para as Américas da ONG Human Rights Watch, José Miguel Vivanco, "Bukele rompe com o Estado de Direito e busca concentrar todo o poder em suas mãos".

Apesar das críticas, o presidente salvadorenho afirmou que está disposto a seguir trabalhando com a comunidade internacional, mas pediu que ninguém tente interferir nos assuntos internos do país. "Estamos limpando nossa casa, e isto não é de sua incumbência", afirmou.

No Brasil, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) indicou que apoia a decisão de Bukele. "Juízes julgam casos. Se quiserem ditar políticas que saiam às ruas para se elegerem", escreveu o filho do presidente Jair Bolsonaro em uma rede social.

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