Descrição de chapéu oriente médio

Direita, centro e esquerda entram em acordo para tirar Netanyahu do poder em Israel

Nova coalizão ainda precisa de apoio do Parlamento para assumir governo; premiê está no cargo há 12 anos

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Jerusalém | AFP e Reuters

Depois de 12 anos no comando de Israel, o premiê Binyamin Netanyahu pode estar em seus últimos dias no cargo. Após semanas de negociação, a oposição anunciou neste domingo (30) que conseguiu chegar a um acordo para formar um governo e indicar um novo primeiro-ministro para o país.

A nova coalizão é bastante heterogênea, formada por forças de direita, centro e esquerda que têm pouco em comum além da repulsa a Netanyahu —o mais longevo premiê da história israelense e que atualmente enfrenta acusações de corrupção, suborno e fraude na Justiça.

A confirmação do acordo da oposição aconteceu após o líder do partido de ultradireita Yamina, Naftali Bennett, anunciar em pronunciamento na TV que faria parte do novo governo. Assim, o bloco teria apoio suficiente para ser aprovado no Parlamento, acabando com a crise política que já dura dois anos.

O atual primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, chega ao Parlamento para discursar após o anúncio da oposição 
O atual primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, chega ao Parlamento para discursar após o anúncio da oposição  - Yonatan Sindel/AFP

“Nós podemos ir para uma quinta eleição, uma sexta eleição, até que a casa desabe nas nossas cabeças, ou podemos parar com essa loucura e assumir responsabilidades”, disse Bennett, um antigo aliado e protegido de Netanyahu. A decisão permite que o chefe da oposição, Yair Lapid, reúna uma coalizão de sete siglas para governar: Yamina, Israel Nossa Casa, Nova Esperança (as três de direita), Yash Atid, Azul e Branco (ambas de centro), Trabalhista e Meretz (dupla de esquerda).

“Chegou o momento para um novo governo. É uma oportunidade histórica para romper as barreiras que dividem a sociedade israelense, para unir os religiosos e os laicos, a esquerda, a direita e o centro”, declarou Lapid há alguns dias, enquanto conduzia as negociações.

No total, o bloco terá 57 das 120 cadeiras do Knesset, o Parlamento israelense. Para conquistar a maioria e definir o novo premiê, a coalizão irá depender dos 4 votos da sigla islâmica conservadora Ra’am —que indicou que apoiará a iniciativa, mas sem fazer parte oficialmente do governo.

Lapid, líder do Yash Atid (há futuro), tem até quarta (2) para apresentar ao presidente Reuven Rivlin o novo governo, mas a expectativa é a de que ele faça isso já nesta segunda (31). Na sequência, a coalizão precisa do apoio da maioria do Parlamento —só quando isso acontecer Netanyahu deixará o cargo.

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Embora Lapid e Bennett afirmem ter apoio suficiente dos deputados, a margem de manobra é apertada, e uma reviravolta, possível. Segundo a imprensa israelense, Netanyahu tem tentado convencer individualmente alguns parlamentares da oposição a votarem contra o acordo, o que o inviabilizaria.

O centrista recebeu a tarefa de costurar o acordo por um novo governo depois do fracasso na tentativa de estabelecer maioria no Parlamento por parte do próprio Netanyahu. Isso aconteceu depois que a eleição de março, a quarta em dois anos, terminou outra vez com resultado inconclusivo.

Na votação, o partido de direita Likud, do atual premiê, ficou em primeiro lugar, com 30 cadeiras, seguido pelo Yash Atid, com 17 —nenhum bloco conquistou maioria clara no pleito. Por isso, os partidos deram início às negociações atuais. As conversas, porém, tiveram que parar por quase duas semanas devido aos confrontos entre o grupo radical Hamas, que controla a Faixa de Gaza, e o Exército israelense.

A guerra, o maior conflito entre os dois lados nos últimos anos, terminou com um cessar-fogo após 11 dias e mais de 240 mortos, a grande maioria palestinos. Assim, a ideia de um governo de união nacional retornou com força ao debate público. Pelo arranjo, quem deve substituir Netanyahu como premiê é o próprio Bennett, um milionário de 49 anos do setor de tecnologia e filho de imigrantes dos EUA.

Apesar do partido dele, o Yamina, ter apenas seis deputados, Lapid ofereceu a Bennett o cargo principal como forma de atraí-lo para a nova coalizão. Daqui a 18 meses, porém, eles devem trocar de papéis, com Lapid se tornando primeiro-ministro, e Bennett assumindo o Ministério da Fazenda.

Como os diversos membros da nova coalizão têm pouco em comum além de um plano para encerrar o mandato de Netanyahu, a aliança será frágil e exigirá o apoio dos deputados árabes do Ra’am, que se opõem a grande parte da agenda de Bennett. O direitista quer construir mais assentamentos na Cisjordânia, por exemplo, algo que os árabes e parte da esquerda se opõem veementemente.

Em troca do apoio, a sigla islâmica deve pedir que o novo premiê garanta o direito de os muçulmanos acessarem a Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém Oriental, tema que foi o estopim dos conflitos recentes. No geral, porém, a nova coalizão deve se concentrar na recuperação econômica da pandemia e em outros temas de consenso, deixando de lado questões sobre as quais os membros discordam, como o papel da religião na sociedade e as aspirações palestinas por um Estado próprio na região.

Após o anúncio deste domingo, a Organização para a Libertação da Palestina afirmou que a nova administração difere em nada dos governos de Netanyahu. Já o atual premiê disse que a coligação proposta pela oposição enfraquecerá o país e que a formação de um governo de direita ainda é possível.

"O que [o novo governo] fará pela proteção de Israel? Como vamos olhar nos olhos de nossos inimigos? O que eles farão sobre o Irã e em Gaza? O que eles dirão nos corredores do governo em Washington?", afirmou o premiê em um discurso no Parlamento.

Israel realizou quatro eleições desde abril de 2019 sem chegar a um vencedor claro, deixando, assim, o líder veterano no cargo como chefe de um governo interino. Mais do que escolher os parlamentares, esses pleitos funcionaram como uma espécie de referendo pessoal de Netanyahu, uma das figuras mais controversas da história israelense. Seu legado inclui o envolvimento direto na compra antecipada de vacinas contra a Covid-19, o que permitiu ao país vacinar totalmente —com as duas doses— quase 60% de sua população e praticamente voltar à vida normal.

Netanyahu também exibe como trunfo a assinatura dos Acordos de Abraão de normalização diplomática com Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Sudão e Marrocos, na prática uma aliança anti-Irã que contou com mediação do ex-líder americano Donald Trump. Por outro lado, também é acusado de ter diminuído os direitos da minoria árabe em Israel e de uma série de violações de direitos humanos contra os palestinos.

Quem é o provável próximo primeiro-ministro de Israel

Bennett, o provável próximo premiê de Israel, é um milionário do setor de tecnologia que sonha em anexar a maior parte da Cisjordânia ocupada. Já disse, por exemplo, que a criação de um estado palestino seria um suicídio para Israel. Filho de imigrantes americanos, Bennett, 49, é de uma geração mais jovem do que Netanyahu, 71.

Naftali Bennett, líder da sigla de ultradireita Yamina, anuncia que fará parte da nova coalizão
Naftali Bennett, líder da sigla de ultradireita Yamina, anuncia que fará parte da nova coalizão - Yonatan Sindel/AFP

Ele teve uma relação longa e muitas vezes difícil com o atual premiê, trabalhando entre 2006 e 2008 como assessor sênior do então líder da oposição antes de sair em condições supostamente ruins.

Bennett voltou à política nacional em 2013, renovando um partido pró-colônias na Cisjordânia e servindo como ministro da Defesa, da Educação e da Economia em diferentes governos de Netanyahu.

Ex-líder do Yesha, o principal movimento de colonos na Cisjordânia, ele fez da anexação de partes do território que Israel capturou na guerra de 1967 uma característica importante de sua plataforma política.

Mas, como chefe de um chamado governo de mudança, que incluirá partidos de esquerda e de centro, embora contando com o apoio de legisladores árabes no Parlamento, prosseguir com a anexação seria politicamente inviável. Bennett disse no domingo que tanto a direita quanto a esquerda teriam que se comprometer em tais questões ideológicas.

Nascido na cidade israelense de Haifa, filho de imigrantes de San Francisco, Bennett é um judeu religioso ortodoxo moderno. Ele mora com sua esposa, Gilat, uma chef de sobremesa, e seus quatro filhos em um subúrbio de Tel Aviv. Como Netanyahu, fala fluentemente um inglês com sotaque americano e passou parte de sua infância nos EUA, onde seus pais passaram um período sabático.

Enquanto trabalhava no setor de alta tecnologia, Bennett estudou direito na Universidade Hebraica de Jerusalém. Em 1999, formou uma startup e depois se mudou para Nova York, vendendo a empresa de software antifraude Cyota para a companhia de segurança americana RSA por US$ 145 milhões em 2005.


Entenda o imbróglio da formação de governo em Israel

2019

Abril

Apuração coloca partido de Netanyahu, o direitista Likud, como maior força do Parlamento israelense

Maio
Após Netanyahu não conseguir construir uma coalizão no Knesset, a segunda eleição em menos de cinco meses é convocada para setembro

Setembro
Segunda eleição geral do ano; assim como na anterior, nenhum partido conseguiu a maioria no Parlamento

2020

Março
Terceiro pleito em 11 meses ocorre no início da pandemia e dá maioria de cadeiras ao partido de Netanyahu; semanas depois, ele acerta um governo em conjunto com Benny Gantz, do partido centrista Azul e Branco

Dezembro
O governo de coalizão fracassa e novas eleições são convocadas para o ano seguinte

2021

23 de março
Quarta eleição inconclusiva em dois anos. O Likud emerge como o maior partido. O centrista Yesh Atid vem em segundo. O partido Yamina, de Bennett, ganha apenas seis assentos, mas eles são essenciais para o desempate num eventual governo de coalizão

6 de abril
O presidente Reuven Rivlin dá a Netanyahu 28 dias para formar um novo governo. Ele atrai partidos religiosos e de direita menores, incluindo o Yamina, mas falha

5 de maio
O presidente então dá a incumbência para Lapid, que tenta formar uma coalizão improvável de partidos de direita, de centro e de esquerda; tal coalizão seria frágil e exigiria apoio externo de membros árabes do parlamento de Israel, que se opõem a grande parte da agenda de direita de alguns membros do grupo

10 de maio
Começa a guerra entre Israel e o Hamas em Gaza; as negociações da coalizão são interrompidas

21 de maio
Declarado cessar-fogo; as negociações da coalizão são retomadas

30 de maio
Bennett anuncia que se juntará a rivais centristas para destituir Netanyahu

2 de junho
Prazo final para Lapid anunciar se formou uma coalizão majoritária. Se ele falhar, o presidente passa o controle para qualquer um no Parlamento que achar que possa formar governo; caso contrário, uma quinta eleição será convocada

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