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Hong Kong aprova reforma de sistema eleitoral e consolida domínio da China sobre território

Novas leis garantem maioria legislativa alinhada a Pequim e criam órgão com poder para barrar candidaturas de opositores

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Hong Kong | Reuters

O Conselho Legislativo de Hong Kong aprovou, nesta quinta-feira (27), um conjunto de leis que configura a maior reforma de seu sistema político desde que a ex-colônia britânica foi devolvida à China, em 1997, e representa um passo significativo da influência de Pequim sobre a cidade semiautônoma.

As mudanças incluem a redução da proporção de assentos na legislatura preenchidos por eleições diretas —o total de vagas no Conselho aumentará de 70 para 90, e as vagas destinadas a nomes escolhidos via voto popular diminuirão de 35 para 20. Ou seja, se antes metade dos assentos era ocupada por políticos eleitos pelos cidadãos de Hong Kong, agora esse número será menor do que um quarto do Conselho.

E mesmo essas 20 vagas não poderão ser disputadas de maneira democrática. Isso porque outra mudança aprovada cria um novo órgão que terá poderes para examinar os aspirantes ao Conselho e impedir a candidatura daqueles que forem considerados "insuficientemente patrióticos" em relação à China —na prática, qualquer um que não estiver alinhado a Pequim pode ser impedido de concorrer.

O dirigente chinês, Xi Jinping, durante Congresso Nacional do Povo, em Pequim, em que foram anunciadas as propostas de mudanças eleitorais em Hong Kong - Nicolas Asfouri - 11.mar.21/AFP

"Essas cerca de 600 páginas de legislação se resumem a apenas algumas palavras: patriotas governando Hong Kong", disse, após a aprovação, Peter Shiu, membro do Conselho aliado do regime de Xi Jinping. A frase ecoa uma espécie de slogan cunhado em 1984 pelo então dirigente chinês, Deng Xiaoping, e repetido em 2020 pelo atual e poderoso líder do país asiático.

A maioria das mudanças já havia sido anunciada em março, na apresentação do plano de trabalho anual do premiê chinês, Li Keqiang, ao Congresso Nacional do Povo, órgão que, junto com a Conferência Consultiva Política do Povo Chinês e o Partido Comunista, compõe a tríade que forma o Estado chinês.

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Os legisladores de Hong Kong, porém, acrescentaram alguns pontos, como o redesenho dos limites do eleitorado e a criminalização de eventuais campanhas para que as cédulas de votação sejam deixadas em branco —mais uma forma de cercear a livre expressão política em um cenário já bem pouco democrático.

A aprovação das novas leis também pode ser interpretada como um prenúncio das votações no Conselho Legislativo sob a nova configuração: os projetos foram aprovados com 40 votos favoráveis e 2 contra.

Os legisladores pró-Pequim já não têm oposição na Casa desde que, em novembro do ano passado, as autoridades honconguesas expulsaram quatro membros que defendem a independência do território em relação ao regime central por considerarem que as promessas deles de lealdade a Hong Kong não eram sinceras. Em protesto, todo o bloco pró-democracia anunciou renúncia coletiva.

Para as autoridades chinesas, a reviravolta eleitoral tem como objetivo livrar-se das "brechas e deficiências" que, sob a perspectiva de Pequim, ameaçaram a segurança nacional durante a onda de manifestações que levou multidões às ruas em 2019.

O novo comitê de verificação com poderes para desqualificar candidaturas será formado por uma eleição marcada para ocorrer em 19 de setembro. Já a eleição para a legislatura, que estava agendada para setembro de 2020 e foi adiada para este ano tendo a pandemia de coronavírus como pretexto, deve ocorrer em dezembro. Em março de 2022, o comitê escolherá ainda um chefe-executivo para Hong Kong. A atual detentora do cargo, Carrie Lam, não deixou claro se buscará a reeleição.

No mês passado, Lam afirmou que o alto grau de autonomia de que Hong Kong gozava sob o princípio de "um país, dois sistemas" não era "abrangente e absoluto", acrescentando que a cidade deve respeitar as leis de Pequim e o Partido Comunista chinês, que completa cem anos em julho.

Na ocasião, a governante se referia à proibição das tradicionais vigílias anuais em homenagem às vítimas do massacre da Praça da Paz Celestial (Tiananmen), no qual a ditadura chinesa reprimiu estudantes que pediam mais democracia em Pequim em 4 de junho de 1989. Pelo segundo ano consecutivo, a polícia de Hong Kong —único lugar da China onde, em tese, as vigílias que recordam o massacre ainda eram permitidas— proibiu os atos, alegando risco de contaminação por coronavírus.

A China nunca forneceu um relato completo da violência em 1989. Oficialmente, o regime reconhece a morte de 300 pessoas, em sua maioria soldados, mas grupos de direitos humanos e testemunhas estimam o número de vítimas na casa dos milhares. O tema é um tabu, de modo que, na China continental, qualquer ato em memória dos mortos ou em apoio à demanda dos estudantes à época, ainda atual hoje, é reprimido pelas autoridades.

Em 2019, a vigília do 30º aniversário do massacre na Praça da Paz Celestial ocorreu em um contexto político já bastante tenso em Hong Kong. Uma semana depois, teve início o maior movimento de protestos contra Pequim, com manifestações quase diárias em que a violência das forças de segurança chamou a atenção da comunidade internacional para os excessos da ditadura comunista.

No ano passado, o ato ocorreu uma semana depois de o Congresso da China aprovar a nova lei de segurança nacional para Hong Kong, que seria sancionada no mês seguinte. A legislação permite a repressão de quatro tipos de crime contra a segurança do Estado: atividades subversivas, secessão, terrorismo e conluio com forças estrangeiras, com sentenças que podem chegar a prisão perpétua.

Ainda que a vigília tenha sido outra vez proibida devido à Covid, a crise sanitária em Hong Kong está controlada —a cidade de 7,5 milhões de habitantes registra média móvel de apenas um caso confirmado por dia. Nesta quinta, pela primeira vez em sete meses, o número de novas infecções foi zero.

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