Independência da Escócia entra em jogo em eleição nesta quinta

Primeira-ministra de partido nacionalista lidera com folga, mas precisa de vitória expressiva para contornar oposição do governo britânico a novo plebiscito

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Bruxelas

Não há dúvidas sobre quem vai ganhar as eleições para o Parlamento escocês nesta quinta (6), mas a pergunta crucial ainda está em aberto: a vitória da primeira-ministra Nicola Sturgeon será esmagadora o suficiente para que ela consiga cumprir sua principal promessa?

Líder do Partido Nacional Escocês (SNP) desde 2014, Nicola, 50, ganhou projeção ainda maior nas eleições nacionais de 2019, quando ampliou o espaço do SNP no Parlamento britânico após defesa enfática de uma segunda consulta sobre a independência da Escócia.

Na primeira, realizada há sete anos, a maioria dos escoceses votou pela permanência no Reino Unido.

Mas dois anos depois o clima mudou, após o plebiscito que aprovou o brexit. Mais de 6 em cada 10 eleitores da Escócia queriam continuar integrando a União Europeia em 2016, e a “traição” britânica agravou um sentimento mais antigo —o de que o governo central privilegia a Inglaterra em detrimento das outras três nações que formam o Reino Unido (que inclui também Gales e Irlanda do Norte).

Quando a reeleição de Boris Johnson enterrou de vez as esperanças de que o brexit fosse revisto, no final de 2019, a parcela dos escoceses pró-independência ultrapassou a dos contra e manteve-se acima de 50% durante todo o ano passado. Desde o último mês, ela recuou, e pesquisas recentes mostram um empate técnico: 51% contra e 49% a favor, excluídos os que não sabem ou não responderam.

Levantamentos também mostram uma preferência segura por Nicola entre os cerca de 4 milhões de escoceses com mais de 16 anos aptos a ir às urnas. Dados mais recentes indicam que ela pode levar 65 das 129 cadeiras do Parlamento —uma maioria estreita—, às quais se juntariam 8 dos Verdes e um número imprevisível —de 0 a 6, de acordo com as sondagens— do recém-criado Alba.

Somada, a potencial bancada pró-independência chegaria a 79 assentos no Parlamento, 61% do total. Maioria inegável, mas Nicola precisa de uma resposta forte das urnas para se contrapor à oposição reiterada do premiê britânico à nova consulta popular.

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Além disso, a pandemia de Covid-19 atrapalhou a campanha corpo a corpo e elevou o risco de abstenções, levando a própria líder do SNP a declarar que está andando “sobre o fio da navalha”, apesar de sua vantagem. Outro temor é que o histórico do partido —à frente do governo por 14 anos— faça seus eleitores contarem com uma vitória que parece certa e ficarem em casa, derrubando a margem de liderança e complicando a tarefa de Nicola.

O plebiscito, que ela prometeu realizar até 2023 “se a pandemia de Covid-19 permitir”, só acontece com autorização do governo do Reino Unido, e Boris já repetiu várias vezes que votações como a de 2014 só acontecem “uma vez em cada geração". Em março, ele chamou a hipótese de uma nova consulta de "completamente inadequada, irrelevante e desnecessária”.

Boris argumenta que a crise de Covid mostra a importância de Escócia e Inglaterra permanecerem juntas, e seu bom desempenho recente na campanha de vacinação pode explicar parte da redução do ânimo independentista nas últimas semanas.

Mas Nicola também teve uma gestão da pandemia elogiada: a Escócia implantou medidas de controle de contágio antes da Inglaterra e manteve restrições por mais tempo. Não que isso seja motivo de alívio, afirmou ela em entrevista recente.

“A experiência foi horrível para todos. Fez com que eu reavaliasse toda minha abordagem de liderança e política. Ficou claro que nem sempre é possível ver o futuro e medir o impacto de cada decisão que você toma, e isso requer muito mais transparência”, afirmou.

Entre as coisas que teria feito diferente, citou a proteção dos asilos de idosos: “Enquanto eu viver, não apenas enquanto for a primeira-ministra, levarei o peso dessas decisões e seus efeitos”.

Se o tema do combate à Covid-19 produz um equilíbrio entre partidários de Nicola e de Boris, outros fatores, como medo de fuga de empresas ou de uma fronteira dura com a Inglaterra são aventados por analistas para explicar a redução dos que apoiam a independência.

Há também barreiras práticas importantes. Num nível mais próximo do cotidiano, por exemplo, estabelecer uma moeda própria não será trivial, mas um problema bem mais complexo é o alto déficit público. Em média, o custo de cada escocês em serviços públicos supera os impostos arrecadados em mais de 2.000 libras por ano —um rombo de cerca de R$ 15 mil por habitante—, segundo o Institute for Government.

Além disso, a reintrodução na União Europeia —um dos motivos de maior frustração dos escoceses anti-Conservadores— não é automática nem unilateral. Dependeria de condições negociadas com o bloco europeu e poderia levar vários anos.

A independência enfrenta forte oposição também dos militares britânicos, já que só a Escócia tem condições de abrigar a frota de submarinos nucleares do Reino Unido em suas bases da Otan (aliança de defesa entre países da Europa e da América do Norte).

O SNP se opõe a armas nucleares na Escócia, mas, por outro lado, terá dificuldades para financiar sua própria defesa ao se tornar independente —uma das sugestões de analistas tem sido justamente a de levantar recursos alugando a base de Falsane para os equipamentos nucleares ingleses.

Antes de enfrentar essas discussões, porém, Nicola terá que lidar com o impacto da pandemia na economia e na desigualdade. “Todos vivemos a pandemia, mas os efeitos não foram iguais”, afirmou.

Ela também se disse preocupada em impedir que o debate sobre a independência provoque fraturas sérias entre os escoceses. “Temos que trabalhar mais para não permitir que desentendimentos se tornem divisões tóxicas. E acho que é uma responsabilidade de todos nós”, afirmou em entrevista à mídia escocesa, na semana passada.


Entenda a "superquinta" britânica

Como funciona a eleição para o Parlamento da Escócia?

O voto é facultativo. Eleitores registrados, a partir dos 16 anos de idade, têm dois votos: um para parlamentar constituinte, em que vencem os candidatos mais votados, e outro para um representante regional. Há 73 vagas para constituintes e 56 para os eleitos nas oito regiões, o que soma 129 vagas no Parlamento.

Quais as atribuições do Parlamento escocês?

Os eleitos aprovam leis sobre aspectos da vida na Escócia, como saúde, educação e transporte, e têm alguns poderes sobre benefícios fiscais e sociais.

O que a eleição tem a ver com a independência?

Se mantiverem a maioria no Parlamento escocês, partidos pró-independência devem impulsionar a campanha por um novo plebiscito sobre o assunto. Mais que a simples vitória, importa o tamanho da vantagem obtida, já que a consulta popular só acontece com autorização do governo do Reino Unido, e o premiê Boris Johnson tem dito que ela só acontecerá “uma vez em cada geração".

O que implica não ser independente?

O país continua sujeito ao Parlamento Britânico nas áreas de negócios estrangeiros, comércio exterior, defesa, função pública nacional, política econômica e monetária, seguridade social, emprego, regulamentação de energia, a maioria dos aspectos de tributação e alguns aspectos de transporte. O chefe de governo da Escócia é o primeiro-ministro britânico (atualmente, Boris Johnson) e o chefe de Estado é o monarca britânico (atualmente, Elizabeth 2ª). A Escócia elege 59 membros do Parlamento na Câmara dos Comuns e nomeia membros para a Câmara dos Lordes.

Os escoceses já não disseram não à independência?

Em 2014, 55,3% votaram contra a independência em relação ao Reino Unido e 44,7%, a favor. Uma fatia muito maior de escoceses, porém, opunha-se ao brexit: em 2016, 62% deles eram contrários a uma saída da União Europeia. Com a vitória do brexit no conjunto do Reino Unido, o debate sobre a independência recobrou força. Os defensores de uma nova consulta chegaram a 55% no ano passado. Pesquisas mais recentes mostram um empate técnico, com 47% contra e 45% a favor.

O que mais está em jogo nesta quinta?

No total, estão em disputa um número recorde de assentos: mais de 5.000. Além de 129 assentos no Parlamento escocês, estão em jogo:

  • 60 assentos na Assembleia galesa
  • 25 membros da Assembleia de Londres
  • 13 prefeitos eleitos diretamente —incluindo o de Londres
  • vagas em 145 conselhos municipais (semelhantes a Câmaras de Vereadores e responsáveis por áreas como educação, coleta de lixo, habitação e urbanismo)
  • 39 cargos de comissários de polícia
  • uma eleição suplementar para o representante de Hartlepool (no norte inglês) no Parlamento do Reino Unido

Em Gales também está em questão a independência?

O movimento independentista galês é muito mais fraco que o escocês, embora tenha crescido a fatia dos que defendem a separação e caído a de seus opositores. Pesquisas recentes dão 27% para os pró e 55% para os contra, com 14% dizendo não saber ou não respondendo.

O assunto poderia entrar na pauta se os trabalhistas não conseguirem consolidar uma maioria e se virem forçados a pedir o apoio do nacionalista Plaid Cymru. Em Gales, pela primeira vez o voto foi aberto a jovens de 16 e 17 anos. Resultados são esperados para a tarde de sexta.

Como está a disputa em Londres?

A reeleição do trabalhista Sadiq Khan está garantida, e o principal interesse é saber o tamanho do tombo do Partido Conservador, cujo fracasso tem sido crescente na capital britânica nos últimos anos. Resultados são esperados para o sábado.

Qual a importância da eleição em Hartlepool?

A disputa para essa cadeira do Parlamento britânico foi aberta porque seu ocupante, o trabalhista Mike Hill, renunciou ao ser acusado de assédio sexual. As pesquisas mostram uma eleição apertada e, para o Partido Trabalhista, perder mais uma cadeira para os Conservadores na região norte da Inglaterra —onde costumava vencer com folga— será um golpe duro. O resultado deve sair na madrugada de sexta.

Qual o interesse das eleições locais?

Analistas apostam que os Verdes podem obter bons resultados, trazendo novidade a um panorama político dominado por Trabalhistas e Conservadores. Pesquisas mostram que, para eleitores mais jovens, mudanças climáticas são prioridade.

Encontros e desencontros de Escócia e Inglaterra

século 5 d.C - povos celtas da Irlanda se fixam na costa oeste da Grã-Bretanha, e região passa a ser conhecida como Scotia (terra dos escoceses, em latim). Pesquisas indicam fusão de quatro povos (pictos, escoceses, bretões e anglos)

séculos 2 e 3 a.C - Império Romano constrói barreiras, como a Muralha de Adriano, isolando os escoceses de seus domínios ingleses

século 8 a 12 - invasões vikings

séculos 13 a 16 - começam conflitos anglo-escoceses e a Escócia passa a buscar autossuficiência e alianças com a Europa continental

1502 - O rei escocês James 4º faz "tratado de paz perpétua" com Henrique 7º, da Inglaterra

1572 - Rainha Elizabeth 1ª prende na Inglaterra a rainha católica Maria, da Escócia, garantindo estabilidade para o reformista James 6º

1603 - James 6º se torna James 1º da Inglaterra

1652 - Inglaterra impõe à Escócia união parlamentar plena, rompida poucos anos depois; cresce a assimilação política e cultural da Escócia pela Inglaterra

1707 - Escócia se funde com a Inglaterra para integrar o Reino Unido da Grã-Bretanha

1934 - É criado o Partido Nacional Escocês (SNP)

1949 - Pacto Escocês exigindo governo doméstico na Escócia recebe 2 milhões de assinaturas, mas nacionalismo é abafado

1979 - Fracassa tentativa de criar assembleia escocesa com poderes legislativos e executivos limitados

1999 - É eleito o novo Parlamento escocês —o primeiro desde 1707

2007 - SNP conquista maioria dos assentos (47) no Parlamento escocês

2012 - SNP consegue aprovação britânica para votação sobre independência da Escócia

2014 - Em plebiscito, independência escocesa é rejeitada

2016 - Brexit é aprovado pela maioria dos britânicos, com oposição de 62% dos escoceses

2019 - SNP conquista mais 13 assentos no Parlamento britânico, chegando a 48, 7 deles obtidos dos Conservadores; Sturgeon promete convocar novo plebiscito sobre independência se for reeleita no Parlamento da Escócia

Fonte: Encyclopedia Britannica

Erramos: o texto foi alterado

A primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, não tem 42 anos, mas 50. O texto foi corrigido.

 

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