Israel concentra tropas na fronteira com Gaza em meio a foguetes do Hamas e conflitos internos

'Nada justifica linchamento de árabes por judeus e de judeus por árabes', diz premiê

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Gaza e Jerusalém | AFP e Reuters

Tropas israelenses se concentraram na fronteira da Faixa de Gaza nesta quinta (13), e militantes do grupo islâmico Hamas mantiveram disparos de foguetes contra Israel, em conflitos que causam preocupação internacional e acirram hostilidades entre judeus e a minoria árabe em várias cidades do país.

Desde o início desta nova fase do conflito, que já dura quase uma semana, ao menos 110 pessoas morreram —103 em Gaza, incluindo 27 crianças, segundo o Ministério da Saúde local, e 7 em Israel, de acordo com autoridades médicas israelenses— e mais de 500 ficaram feridas. Apenas nesta quinta-feira, o dia mais sangrento do confronto até agora, houve 49 mortes, todas do lado palestino.

O deslocamento dos militares para a divisa aumentou os temores de que Israel realize uma operação terrestre em Gaza. Da última vez que tal movimento aconteceu, em 2014, mais de 2.000 pessoas morreram em um intervalo de sete semanas, a maior parte formada por palestinos.

"Estamos em uma situação de emergência, e agora é necessário reforçar massivamente as forças no terreno", afirmou o ministro da Defesa israelense, Benny Gantz, ao anunciar a convocação de oficiais militares da reserva para reforçar a segurança e o deslocamento para a região de Gaza de tropas que normalmente ficam na fronteira com a Cisjordânia.

O porta-voz do braço armado do Hamas, Abu Ubaida, respondeu ao agrupamento das tropas em tom de desafio, pedindo aos palestinos que se levantassem. "Juntem-se como quiserem, do mar, da terra e do céu. Nós nos preparamos para tipos de morte que fariam vocês amaldiçoarem a si mesmos", disse.

Soldados israelenses assumem posição em região próxima à fronteira com a Faixa de Gaza - Menahem Kahana - 13.mai.21/AFP

De acordo com as Forças Armadas de Israel, as operações militares do país estão focadas em atingir membros do alto escalão do Hamas. Nesta quarta, a ofensiva matou ao menos 16 líderes de inteligência e membros da ala militar da facção. As baixas, no entanto, foram consideradas pelo Hamas como martírios e servirão de "combustível para nosso projeto de libertar nossa terra”. Na noite desta quinta, foguetes foram disparados do Líbano em direção a Israel e caíram no mar, em uma sinalização de que o atual conflito pode causar instabilidade em todo o Oriente Médio. Nenhum grupo assumiu a autoria do ataque.

O aumento do conflito entre os militares israelenses e o Hamas nos últimos dias tem sido acompanhado internamente em Israel pelo crescimento dos confrontos entre árabes israelenses e judeus.

Apesar do histórico de guerras entre o Estado israelense e grupos palestinos na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, tradicionalmente as duas comunidades convivem de maneira relativamente pacífica dentro de Israel, sem grandes episódios de violência nas últimas décadas.

Desta vez, porém, a situação é diferente. Diversas cidades israelenses como Haifa, Jafa, Beersheva e Lod —que ordenou, nesta quinta, toque de recolher das 20h às 3h— têm sido palco de atos da população árabe em apoio à causa palestina. Sinagogas foram atacadas, e conflitos eclodiram nas ruas de algumas comunidades, levando prefeitos e até o presidente a alertar sobre o perigo de uma guerra civil.

"No momento, não há ameaça maior [a Israel] do que esses confrontos, e é essencial que restauremos a lei e a ordem", disse o premiê Binyamin Netanyahu. "O que está acontecendo nos últimos dias nas cidades de Israel é insuportável. Nada justifica esse linchamento de árabes por judeus e o linchamento de judeus por árabes", disse ele, acrescentando que o país vive um "combate em duas frentes".

Ativistas palestinos em Israel afirmam ser vítimas de perseguição policial e que as forças de segurança reprimem com violência as manifestações árabes, embora permitam protestos de grupos judeus.

Grupos judeus e árabes atacaram pessoas e danificaram lojas, hotéis e carros durante a noite de quarta. Em Bat Yam, ao sul de Tel Aviv, extremistas judeus realizaram uma marcha na qual, segundo imagens da TV israelense, uma multidão atacou um palestino —de acordo com a CNN, ele não está em estado grave.

"A violência dentro de Israel atingiu um nível inédito em décadas", disse o porta-voz da polícia israelense, Micky Rosenfeld, à agência de notícias AFP. Segundo ele, mais de 400 pessoas foram presas e quase mil agentes da guarda de fronteira foram mobilizados para conter a violência em cidades que antes eram vistas como símbolos da convivência entre árabes e judeus.

Em meio a essa situação, diversas lideranças mundiais pediram o fim da escalada de violência. Os pedidos desacompanhados de ações práticas, porém, não surtiram efeito sobre o maior pico de hostilidades dos últimos sete anos. Tentativas do Egito, do Qatar e da ONU de negociar um cessar-fogo provisório não surtiram efeito até o momento.

Lá Fora

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Em novos ataques aéreos contra Gaza, Israel atingiu um prédio residencial de seis andares que, segundo os militares israelenses, pertence ao Hamas. O grupo islâmico, que comanda a Faixa de Gaza desde 2007, é considerado uma facção terrorista por EUA, União Europeia e, claro, Israel.

"Estamos enfrentando Israel e a Covid-19. Estamos entre dois inimigos", disse Asad Karam, 20, um trabalhador da construção civil à agência de notícias Reuters, referindo-se à sobrecarga dos hospitais em Gaza devido às centenas de feridos que agora dividem espaço com os contaminados pelo coronavírus.

Autoridades de saúde de Gaza disseram ainda que estão analisando amostras para investigar a morte de várias pessoas durante a noite desta quarta-feira devido a uma suposta inalação de gás venenoso.

O Hamas já lançou cerca de 1.800 foguetes contra cidades israelenses, segundo Israel, que afirma ter bombardeado Gaza em mais de 600 ocasiões desde segunda-feira. A maior parte dos foguetes do Hamas tem sido interceptada pelos sistemas de defesas antimísseis, que forçam a detonação dos projéteis inimigos a quilômetros de distância, muitas vezes ainda em território palestino. Um foguete, porém, atingiu um prédio perto de Tel Aviv, segunda maior cidade e capital econômica de Israel, e feriu cinco pessoas.

Principalmente na região sul do país, os moradores tiveram que voltar a conviver com as sirenes que alertam sobre os perigos dos disparos inimigos e iniciaram uma corrida para abrigos antiaéreos públicos e espaços de paredes reforçadas mantidos por grande parte da população para situações como essa.

Sem conseguir, até agora, frear a escalada de violência, o Conselho de Segurança da ONU negocia realizar na próxima semana a primeira reunião pública sobre o conflito. O plano inicial proposto por China, Tunísia e Noruega era realizar o encontro já nesta sexta (14), mas a ideia foi vetada pelos EUA.

Um dos principais aliados de Israel, o governo americano também se opôs ao longo da semana a uma proposta de declaração conjunta do Conselho que pedia o fim dos confrontos, por considerá-la "contraproducente" e "inoportuna" neste momento. A proposta de resolução pedia, entre outros pontos, que Israel respeitasse a lei internacional, interrompesse a construção de assentamentos em territórios ocupados e se comprometesse a não realizar despejos de palestinos que vivem em Jerusalém Oriental —tema que está no centro da atual onda de violência.

O embaixador de Israel na ONU, Gilad Erdan, enviou nesta quinta uma carta à entidade em que culpa o Hamas pelo conflito, mas diz que "Israel tem o direito e o dever de defender seu povo e sua soberania e continuará a fazê-lo vigorosamente”. “O Hamas está se apresentando como o 'defensor de Jerusalém e dos locais sagrados’. Isso é, obviamente, uma mentira. É claro que o Hamas premeditou esta escalada de violência e terrorismo e está feliz em pagar o preço das baixas de ambos os lados para se fortalecer politicamente”, afirma Erdan, no documento.

Nesta quinta, Hua Chunying, porta-voz da diplomacia da China, país que neste mês chefia o Conselho de Segurança da ONU, lamentou que "alguns países" —sem citar quais— estejam obstruindo o texto. Ela reiterou a preocupação de Pequim com a crise na região e a posição chinesa na defesa da solução de dois Estados, um israelense e um palestino, para encerrar o conflito.

O presidente russo, Vladimir Putin, e o secretário-geral da ONU, António Guterres, também reforçaram seus pedidos de paz. "Dada a escalada do conflito israelense-palestino, [ambos os líderes] determinaram que a principal tarefa é o fim da violência entre as duas partes e a garantia da segurança da população civil", anunciou o Kremlin após uma videoconferência entre as duas lideranças.

Em uma das poucas medidas concretas anunciadas pela comunidade internacional, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, enviou seu principal diplomata para a região, Hady Amr, para negociar com os dois lados uma solução que ponha fim à violência. A declaração aconteceu depois de as principais companhias aéreas americanas cancelarem todos os voos para Tel Aviv devido aos confrontos, movimento que foi seguido nesta quinta por empresas de aviação europeias.

Militantes do Hamas disseram ter lançado foguetes sobre o aeroporto internacional de Ramon, um dos principais de Israel, mas as autoridades portuárias do país disseram que o local, que recebe cerca de 2 milhões de pessoas por ano, não foi atingido e segue operando normalmente.

Blinken também falou por telefone com o presidente da ANP (Autoridade Nacional Palestina), Mahmoud Abbas —que atualmente controla a Cisjordânia, mas não tem ingerência sobre o Hamas e a Faixa de Gaza. Na ligação, ele condenou os ataques aéreos e enfatizou a necessidade de diminuir a tensão.

Durante o início da noite de quarta, o presidente Joe Biden conversou por telefone com Netanyahu. O líder americano apoiou o direito de Israel de se defender dos foguetes do Hamas, mas pediu calma para que a situação fosse resolvida rapidamente, de acordo com comunicado da Casa Branca. O governo israelense respondeu em nota que vai manter seus ataques contra alvos do Hamas.

A nova fase de hostilidades, que inclui os bombardeios mais significativos desde a guerra de 2014 no enclave, foi desencadeada por confrontos entre palestinos e forças de segurança israelenses na mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém. A cidade, sagrada para judeus, palestinos, cristãos e muçulmanos, vive um estado de tensão desde o início do ramadã, mês mais importante para a tradição religiosa islâmica.

Em circunstâncias normais, as ruas de Gaza estariam cheias de palestinos, nesta quinta-feira, celebrando o feriado do Eid al-Fitr, que marca o fim do ramadã. Mas o medo tomou o lugar da festa.

"Este Eid é diferente. Vem com bombardeios, medo e horror", disse Fahd Ramadan, 44, morador de um campo de refugiados em Gaza, à Reuters. As celebrações também foram ofuscadas em Jerusalém Oriental e na Cisjordânia, além de em outras cidades de Israel, já que parte dos muçulmanos que vivem no país também preferiu não sair de casa para se proteger dos foguetes.

O Hamas, grupo radical islâmico que comanda desde 2007 a região da Faixa de Gaza, rivaliza com o Fatah, que controla a Cisjordânia e a ANP —tradicionalmente reconhecida pela comunidade internacional como representante oficial dos palestinos. Entre a década de 1960 e o início dos anos 1990, o Fatah era considerado o principal grupo palestino e entrou diversas vezes em confrontos contra Israel. Nos últimos 30 anos, porém, a correlação de forças mudou, e o Hamas passou a liderar as ofensivas contra o país vizinho, com a ANP diminuindo a participação em ações violentas.

No centro dos atuais conflitos estão a liberdade de culto em pontos da região de Jerusalém conhecida como Cidade Antiga —que os palestinos dizem estar sendo tolhida— e uma decisão judicial que prevê o despejo de famílias palestinas do bairro de Sheikh Jarrah que, por veredito de um tribunal regional, devem devolver os terrenos a judeus.


COMO FORAM OS ÚLTIMOS CONFRONTOS ENTRE ISRAEL E GRUPOS PALESTINOS

23 e 24.fev.20 Soldados israelenses acusaram um grupo de palestinos de tentar instalar um explosivo na cerca que separa Israel da Faixa de Gaza, o que gerou um conflito entre os dois lados. Em resposta, o grupo radical Jihad Islâmica disparou em um intervalo de 48 horas cerca de cem foguetes contra a região sul de Israel —que respondeu com bombardeios que deixaram quatro palestinos feridos.

3 a 6.mai.19 Depois de dois soldados israelenses que estavam próximos da divisa ficarem feridos por tiros disparados de Gaza, Israel fez um ataque contra alvos do Hamas na região. Em resposta, foram disparados 690 foguetes de Gaza contra Israel, sendo que 240 foram interceptados pelo sistema de defesa antiaérea. O confronto terminou com 25 mortos do lado palestino —incluindo duas mulheres grávidas e duas crianças— e 4 do lado israelense.

25 a 27.mar.19 Um foguete disparado da Faixa de Gaza destruiu uma casa na vila de Mishmeret, que fica ao norte de Tel Aviv, deixando sete israelenses feridos. O premiê Binyamin Netanyahu ordenou, então, o bombardeio de áreas do Hamas, que disparou foguetes contra a cidade de Ashkelon, no sul de Israel. A violência acabou depois de quase uma semana de confronto.

11 a 13.nov.18 Um homem de 40 anos morreu depois que um foguete atingiu sua casa em Ashkelon. Em resposta, equipes das Forças Especiais de Israel realizaram ações na Faixa de Gaza —sete palestinos e um agente israelense foram mortos. Na sequência, grupos de Gaza dispararam foguetes contra Israel que deixaram 53 feridos. As Forças Armadas israelenses, então, bombardearam Gaza, causando três mortos.

8 e 9.ago.18 O governo israelense chegou a cogitar uma ação terrestre em Gaza depois que o lançamento de quase 180 foguetes da região deixou mais de uma dezena de feridos. No fim, porém, Israel optou por um bombardeio contra 150 alvos, que deixou três palestinos mortos, incluindo um bebê.

jul. e ago.14 Integrantes do Hamas sequestraram e mataram três adolescentes israelenses em junho, em ação que deu início ao maior conflito dos últimos sete anos. Em resposta, Israel lançou uma ação contra alvos do grupo na Cisjordânia. Na sequência, tropas do Exército israelense entraram na Faixa de Gaza, em uma escalada do conflito, que se estendeu por sete semanas. Durante esse período, o Hamas e outros grupos lançaram 4.562 foguetes contra Israel, que revidou com ataques contra 5.262 alvos palestinos. Quando enfim os dois lados chegaram a um cessar-fogo, no fim de agosto, mais de 70 israelenses e 2.100 palestinos tinham morrido.

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