Marcada, mas resiliente, Nova York reabre as portas com cautela

Comerciantes estão em dúvida sobre manter exigência de uso de máscaras

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Michael Wilson
The New York Times

Do Bronx até Staten Island, de Chinatown à Quinta Avenida, em restaurantes com estrelas Michelin e humildes lanchonetes de esquina, lojas de ferragens e casas funerárias, Nova York avançou cautelosamente para voltar ao habitual nesta quarta-feira (19). Cenas da normalidade da qual as pessoas se recordam se misturaram com outras caracterizadas pela prudência.

Foi o momento pelo qual tantas pessoas ansiavam quando conversavam em incontáveis chamadas por Zoom ou faziam fila em clima de silêncio frustrado para entrar em alguma loja. Não foi uma grande festa, mas uma reabertura discreta —uma linha de chegada ao término de uma corrida longa.

E ninguém queria ser o primeiro a atravessar essa linha.

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Mulher coloca máscara ao passar por loja em Staten Island, Nova York - Stephanie Keith - 19.mai.21/The New York Times

Nova York fechou há 423 dias, numa noite de domingo em março de 2020, um momento em que a cidade era responsável pela metade dos casos de coronavírus do país. O governador Andrew Cuomo determinou que todos os trabalhadores não essenciais ficassem em casa, a portas fechadas. A cidade viveu uma reabertura parcial nos últimos meses, mas a quarta-feira foi o primeiro dia em que os estabelecimentos comerciais e outros puderam operar com menos restrições e em quase sua capacidade normal.

As novas regras que afrouxaram a obrigatoriedade da máscara e os limites de capacidade ficaram em segundo plano, em muitos casos, diante dos níveis de conforto pessoal de milhões de pessoas. A reabertura foi confusa e desigual –em suma, foi típica de Nova York.

Muitos comerciantes optaram por continuar a exigir que os consumidores usem máscara. Assim, a quarta-feira não teve aparência ou clima muito diferente da terça. Mas a reabertura também foi festejada. Na sombra do jardim do MoMA, o Museu de Arte Moderna, Julie Ross descreveu o dia com uma só palavra. “Fabuloso!”, disse ela. “Parece que as ruas estão um pouco mais vivas, não?”

O primeiro dia de reabertura hesitante foi marcado pelo afrouxamento de restrições na região. Com os casos de Covid continuando a cair no país e no exterior, Connecticut e Nova Jersey adotaram planos semelhantes ao de Nova York. De olho na temporada turística do verão no hemisfério norte, a União Europeia anunciou na quarta que vai reabrir suas fronteiras a visitantes plenamente vacinados ou vindos de uma lista de países considerados seguros do ponto de vista da Covid-19.

Ao mesmo tempo, porém, o vírus continua a devastar a Índia, que na terça-feira registrou 4.529 mortes por Covid-19 —o maior número de mortes em um só dia da pandemia em qualquer país até agora.

As manchetes dissonantes, em que boas notícias batem de frente com notícias sombrias, parecem ter deixado muitos nova-iorquinos hesitantes em baixar a guarda e tirar a máscara.

A proteção já deixou de ser uma exigência absoluta, mas muitas pessoas ainda a estão usando, tanto em grandes lojas de rede quanto nas pequenas butiques de Manhattan ou nos caminhos sombreados do Prospect Park, no Brooklyn. Muitas lojas, como a Victoria, no Bronx, ainda ostentam avisos sobre a obrigatoriedade do uso da máscara em seus recintos.

“Essa ainda é a política da loja”, disse Raj Lalbatchan, 23, gerente da loja de roupas. Perto dali, Elizabeth Ocasio, 51, garçonete no restaurante La Isla, disse que o restaurante não mudou suas normas. “Não sabemos quem está vacinado e quem não está”, explicou. “Continuamos a fazer tudo igual.”

No Upper West Side, o dono da lavanderia DuPont, Byong Min, 64, estava atrás do balcão como em outro dia qualquer. Ele é sobrevivente da Covid: passou 90 dias hospitalizado no ano passado, 36 dos quais com ventilador. A cicatriz da traqueostomia ainda é visível acima da gola da roupa.

Min contou que uma freguesa chegou na manhã da quarta e perguntou se podia entrar sem máscara. Disse que sim. Mas reavaliou a questão mais tarde. “Ela me disse que era vacinada. Eu já tomei a vacina. Mas quem sabe eu não devesse tomar mais cuidado? Não parei para pensar antes de dizer ‘tudo bem’.”

A partir de quarta-feira a maioria das empresas e estabelecimentos comerciais foi autorizada a voltar a funcionar a 100% de sua capacidade, desde que os fregueses mantenham distância de 2 metros um do outro. Na maioria dos casos, as pessoas vacinadas não têm mais a obrigação de usar máscaras em espaços fechados ou abertos, exceto quando as lojas o exigem.

Teatros e outros grandes espaços, incluindo estádios, podem voltar a funcionar com capacidade plena, em vez de apenas um terço, mas os frequentadores precisam mostrar comprovante de vacinação. Festas residenciais podem voltar a acontecer; até 50 pessoas podem se reunir em casas particulares.

Em Red Hook, no Brooklyn, a loja de jardinagem Chelsea Garden Center analisou a possibilidade de revogar seu limite de dois fregueses apenas a cada momento em seu espaço interno, mas resolveu mantê-lo por enquanto. “Dá um pouco de medo mudar o jeito como as coisas estão”, explicou a Bethany Perkins. “A gente já se acostumou com as regras.”

Robert Newell Jr., presidente do sindicato United Food and Commercial Workers Local 1500, que representa trabalhadores em supermercados e produção alimentícia, pediu que as empresas mantenham a obrigatoriedade da máscara por enquanto. “Já faz mais de um ano que está assim. Mais duas semanas não vão atrapalhar ninguém”, disse. “Mantenham os cartazes dizendo que a máscara é obrigatória.”

Lá Fora

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Algo que vai desaparecer em breve, mas ainda está presente, são elementos que serão lembrados como os artefatos da Covid-19: as pistolas para medir a temperatura, os formulários para preencher para o rastreamento de contatos, as setas no chão dos supermercados. Algum dia uma criança vai se deparar com um adesivo no chão impondo distância social de 2 metros e não entenderá para que serve.

Foi um dia carregado de significado. Mas vale notar que foi também apenas uma quarta-feira como outra qualquer, o dia que marca o meio da semana de trabalho de muitas pessoas. As multidões de pessoas que alguns imaginaram que lotariam lojas ou restaurantes não se concretizaram. Uma multidão pequena foi ao MoMA para ver uma exposição do escultor Alexander Calder e curtir o dia ensolarado.

“Já fomos a outros museus durante a pandemia, mas hoje o ambiente está mais descontraído”, disse Ross. “Mas talvez estejamos apenas projetando. Estamos relaxados.”

Na catedral de St. Patrick, a missa do meio-dia atraiu uma pequena congregação de fiéis mascarados e distanciados. Um porta-voz da arquidiocese de Nova York, Joseph Zwilling, disse que os líderes da igreja trabalharam até tarde na noite de terça-feira para definir as regras de reabertura, que incluíam o retorno dos corais sem máscara, hinários e boletins da paróquia, que foram removidos quando a pandemia chegou. Mas as mudanças a serem adotadas de fato serão definidas por bispos e padres locais.

“Alguns pastores e diretores de corais vão pedir que os cantores apresentem comprovantes de vacinação, mas outros vão se fiar na palavra deles”, disse Zwilling.

Algumas pessoas encararam a quarta-feira com preocupação. Nick Kamoutsas, que opera um quiosque de comida que ficou fechado no ano passado, voltou na semana passada para vender crepes num ponto perto do Lincoln Center. Ele contou que a maioria das pessoas chega sem máscara para fazer seus pedidos. Ele ainda não tem certeza se isso é seguro. “Estou confuso”, disse. “Não quero ter medo, não quero entrar em pânico. Estou tentando seguir as regras, mas ao mesmo tempo quero continuar vivo.”

No Madison Cafe, no Bronx, o gerente Gavino Hernandez, 40, disse que aplaude a reabertura da cidade, mas ainda não vai tirar o cartaz de “sem máscara não há atendimento” fixado na entrada. “Vou esperar até todo o mundo tomar uma atitude”, explicou. “Vou esperar para ver o que está acontecendo.”

A única coisa que se aproximava de uma atitude uniforme nas ruas de Nova York na quarta foi a de esperar para ver —não esperar para saber quais são as diretrizes divulgadas pelo estado, mas ver quais mudanças seus pares do bairro estão adotando. Um comerciante após outro, todos pareciam estar esperando para seu vizinho dar o primeiro passo.

Tradução de Clara Allain

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