Descrição de chapéu The New York Times

Mentiras nas redes sociais inflamam conflito israelense-palestino

Vídeos e mensagens falsas são usadas para gerar medo e revolta entre árabes e judeus

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Sheera Frenkel
The New York Times

Em um vídeo de 28 segundos postado no Twitter nesta semana por um porta-voz do primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, militantes palestinos na Faixa de Gaza pareciam lançar ataques de foguetes contra israelenses a partir de áreas civis densamente povoadas.

Pelo menos foi isso o que o porta-voz de Netanyahu, Ofir Gendelman, disse que o vídeo mostrava. Mas seu post com a gravação, compartilhado centenas de vezes enquanto o conflito entre palestinos e israelenses crescia, não era de Gaza. Nem desta semana.

Palestino e militar israelense no bairro de Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental, neste sábado (15) - Emmanuel Dunand/AFP

O vídeo que ele divulgou, que pode ser encontrado em muitos canais no YouTube e em outros sites de hospedagem de vídeos, era de 2018. E, segundo legendas em versões anteriores da gravação, mostra militantes disparando foguetes não de Gaza, mas da Síria ou da Líbia.

O vídeo foi apenas uma peça de desinformação que circulou no Twitter, TikTok, Facebook, WhatsApp e outras redes sociais nesta semana sobre o aumento da violência entre israelenses e palestinos, enquanto forças militares de Israel atacavam Gaza na manhã de sexta-feira (14).

A informação falsa incluía vídeos, fotos e recortes de texto supostamente de autoridades da região. Postagens no início desta semana afirmavam, sem fundamento, que soldados israelenses tinham invadido Gaza, ou que grupos de palestinos estavam saqueando bairros residenciais tranquilos em Israel.

As mentiras foram amplificadas ao serem repassadas milhares de vezes no Twitter e no Facebook, espalhando-se para grupos do WhatsApp e do Telegram que têm milhares de membros, segundo uma análise feita pelo New York Times. O efeito da desinformação é potencialmente mortal, segundo especialistas no assunto, inflamando as tensões entre israelenses e palestinos quando as suspeitas e a desconfiança já estão exacerbadas.

"Muito disso é boato e falta de comunicação direta, mas está sendo compartilhado agora porque as pessoas estão muito necessitadas de informação sobre como a situação se desenrola", disse Arieh Kovler, analista político e pesquisador independente em Jerusalém que estuda o fenômeno da desinformação.

"O que torna a coisa mais confusa é que é uma mistura de falsas afirmações com coisas verdadeiras, atribuídas a um lugar ou momento errados."

O Twitter e o Facebook, que controla o Instagram e o WhatsApp, não responderam a pedidos de comentários. Christina LoNigro, porta-voz do WhatsApp, disse que a empresa impôs limites a quantas vezes uma pessoa pode encaminhar uma mensagem, como forma de reprimir a desinformação.

O TikTok disse em um comunicado: "Nossas equipes estão trabalhando agilmente para retirar desinformação, tentativas de incitação à violência e outros conteúdos que violam nossas diretrizes comunitárias, e continuaremos fazendo isso". O New York Times encontrou várias peças de desinformação espalhadas por grupos de bairros e ativistas israelenses e palestinos no WhatsApp nesta semana. Uma delas, que apareceu como um bloco de texto em hebraico ou um arquivo de áudio, continha uma advertência de que bandos palestinos se preparavam para atacar cidadãos israelenses.

"Os palestinos estão chegando; pais, protejam seus filhos", dizia a mensagem, que indicava especificamente subúrbios residenciais ao norte de Tel Aviv. Milhares de pessoas estavam em um dos grupos do Telegram no qual o post foi compartilhado; a mensagem apareceu depois em vários grupos do WhatsApp, que tinham de dezenas a centenas de membros. A polícia israelense não respondeu a um pedido de comentários. Não houve relatos de violência nos bairros mencionados na mensagem.

Outra postagem no início desta semana, que foi escrita em árabe e enviada para um grupo do WhatsApp com mais de 200 membros, avisava que soldados israelenses iam invadir a Faixa de Gaza.

"A invasão está próxima", dizia o texto, pedindo que as pessoas rezassem por suas famílias.

Fontes de notícias em árabe e hebraico também pareciam amplificar parte da desinformação. Vários canais de notícias israelenses discutiram recentemente um vídeo que mostrava uma família caminhando para um funeral com um corpo numa mortalha, mas deixa cair o corpo quando toca uma sirene da polícia. O vídeo foi citado pelas organizações noticiosas como evidência de que famílias palestinas estavam realizando enterros falsos e exagerando o número de pessoas mortas no conflito.

Na verdade, o vídeo apareceu no YouTube há mais de um ano e poderia mostrar uma família jordaniana fazendo um funeral falso, segundo uma legenda deixada no vídeo original.

Clipes de outro vídeo mostrando religiosos judeus rasgando suas roupas em sinal de devoção também circularam em sites de notícias em árabe nesta semana. Os clipes foram citados como evidência de que os judeus estavam falsificando seus próprios ferimentos nos choques em Jerusalém.

Isso era falso. O vídeo tinha sido postado no WhatsApp e no Facebook várias vezes no início deste ano. Há uma longa história de desinformação transmitida em grupos israelenses e palestinos, com afirmações falsas e conspirações aumentando durante os momentos de maior violência na região.

Lá Fora

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Nos últimos anos, o Facebook removeu várias campanhas de desinformação do Irã destinadas a aguçar as tensões entre israelenses e palestinos. O Twitter também eliminou em 2019 uma rede de contas falsas que difamava adversários de Netanyahu. O vídeo granulado que Gendelman compartilhou no Twitter na quarta-feira, que supostamente mostrava militantes palestinos lançando foguetes contra israelenses, foi retirado na quinta depois que o Twitter o rotulou como "conteúdo enganoso".

O gabinete de Gendelman não respondeu a um pedido de comentários.

Gendelman parece ter caracterizado erroneamente o conteúdo de outros vídeos. Na terça-feira (11), ele postou no Twitter um vídeo em que três homens adultos são instruídos a se deitar no chão, com seus corpos sendo posicionados por um grupo de pessoas. Gendelman disse que o vídeo mostrava palestinos criando uma cena para fotos de propaganda.

Kovler, o analista político e pesquisador independente em Jerusalém, que localizou a origem dessa gravação, disse que ela foi postada em março no TikTok. O texto que a acompanhava dizia que eram pessoas treinando em uma simulação de bombardeio.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

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