Descrição de chapéu The New York Times

Na Flórida, fotos de meninas em anuário escolar são alteradas para esconder peito

Imagens de pelo menos 80 alunas da Bartram Trail High School foram digitalmente editadas

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Maria Cramer Michael Levenson
Flórida | The New York Times

Circularam boatos o dia todo de que as fotos do anuário haviam sido alteradas, disse Riley O’Keefe, aluna da nona série da Bartram Trail High School, no condado de St. Johns, na Flórida. E quando ela finalmente recebeu sua cópia, O’Keefe abriu a publicação na página que trazia sua foto e começou a rir, incrédula.

Uma barra preta havia sido acrescentada para cobrir uma área maior de seu peito, disse ela. O’Keefe folheou o restante do anuário. Dezenas de outras alunas haviam passado por alterações semelhantes em suas fotos, muitas das quais de maneira tosca, a fim de encobrir mais a região do peito.

O’Keefe disse que inicialmente ficou confusa e, depois, furiosa. Outras meninas a abordaram para dizer que as alterações haviam feito com que se sentissem sexualizadas e expostas. Agora, muitas alunas e pais exigem um pedido de desculpas.

Riley O'Keefe, estudante da Bartram Trail High School, que teve sua foto do anuário alterada pela escola para esconder seus seios
Riley O'Keefe, estudante da Bartram Trail High School, que teve sua foto do anuário alterada pela escola para esconder seus seios - Bartram Trail High School Yearbook via The New York Times

Eles afirmam que as fotos alteradas representam a mais recente em uma série de intervenções dos administradores da escola, que vêm recorrendo a um código de vestimenta antiquado para policiar como as meninas se vestem. “Eles precisam reconhecer que isso faz com que as meninas sintam vergonha de seus corpos”, disse O’Keefe sobre as fotos alteradas.

Ao menos 80 fotos de alunas foram alteradas. Nenhuma foto de alunos homens foi editada digitalmente, nem mesmo uma da equipe de natação na qual os rapazes apareciam de sunga, disseram O’Keefe e alguns pais que viram o anuário. Os administradores da escola e representantes do distrito escolar não responderam a pedidos de comentário, feitos no sábado.

A Bartram Trail, uma escola pública de segundo grau com cerca de 2.500 alunos, afirma em seu site que as fotos do anuário “precisam ser compatíveis com o código de conduta do distrito escolar do condado de St. Johns, ou serão digitalmente ajustadas”.

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Christina Langston, porta-voz do distrito escolar, disse ao jornal The St. Augustine Record que um professor que serve como coordenador do anuário havia realizado as alterações.

“O procedimento anterior da escola era não incluir no anuário fotos de estudantes que violassem o código de conduta de alunos, e por isso as alterações digitais foram uma solução para garantir que todos os estudantes fossem incluídos no anuário”, disse Langston ao jornal. Ela declarou ainda que a escola restituiria aos insatisfeitos o valor que pagaram pelo anuário e que “estamos recebendo comentários dos pais, guardiões e alunos que nos ajudarão a tornar esse processo melhor no ano que vem”.

Stephanie Fabre, mãe de O’Keefe, e Taryn O’Keefe, sua madrasta, dizem que planejam participar de uma reunião do conselho escolar na semana que vem e pedir mudanças no código de vestimenta, que proíbe meninas de usar tops ou blusas que não cubram “os ombros inteiros” ou de usar saias ou shorts que terminem mais de 10 centímetros acima do joelho. As blusas devem ser “modestas e não podem ser reveladoras ou causar distração”, o código de vestimenta afirma. “São todas boas alunas, e o foco é se elas estão mostrando demais os ombros?”, disse Taryn O’Keefe. “Isso é um absurdo.”

Em março, os estudantes se indignaram quando administradores da escola se posicionaram nos corredores e chamaram a atenção de dezenas de alunas, removendo algumas de suas classes, por violações do código de vestimenta. Um professor repreendeu uma aluna que vestia um agasalho com zíper por sobre um sutiã esportivo, disse Riley O’Keefe, que afirma ter conversado com a menina.

Ela foi obrigada a tirar o casaco e vestir uma camiseta branca que lhe foi dada pela escola, disse O’Keefe. A menina também descreveu o acontecido ao site News4Jax. No dia seguinte, alguns meninos protestaram para demonstrar solidariedade às colegas, indo à escola de vestido ou saia. Um menino colocou um calção de banho por sobre as calças e uma peruca cor de rosa, disse O’Keefe.

Ela acrescenta que, até onde sabe, nenhum dos meninos foi repreendido.

Depois do incidente de março, que estudantes descreveram como uma “batida”, O’Keefe criou uma petição online pela mudança do código de vestimenta e já reuniu mais de 5.000 assinaturas.

Adrian Bartlett, cuja filha, Brooke, 15, é aluna de nona série na escola, disse que queria também que a escola reimprimisse os anuários, mas com as fotos originais, sem alterações. Ela disse que quando sua filha recebeu o anuário, na semana passada, a impressão era de que um pedaço da imagem de sua camisa xadrez havia sido recortado e colado na área de seu peito.

Isso é especialmente irritante, disse Bartlett, porque sua filha vinha lutando, nos últimos 12 meses, contra o estresse da pandemia e outros problemas de saúde. “A escola fez um péssimo trabalho de proteção da saúde mental de nossas crianças ao fazer com que sintam vergonha de seus corpos”, disse Bartlett.

“A atitude deles leva as meninas a pensarem que precisam cobrir seus corpos, ter vergonha deles, o que é humilhante para muitas delas.”

Nancy Tray, 44, cuja filha está na quinta série, disse que o código de vestimenta só começa a ser aplicado no ginásio. Ela diz que o texto está redigido de uma maneira que confere ampla autoridade aos dirigentes das escolas. Mesmo que uma aluna esteja cumprindo o código, um administrador pode decidir que o vestido ou o short de uma menina ainda assim é curto demais, disse Tray.

É comum que meninas usem calças de moletom ou calças compridas, apesar do calor da Flórida, para evitar o risco de serem expulsas da classe e repreendidas.

Tray disse que seu filho, aluno de oitava série, jamais precisou se preocupar com sua roupa.

“Quando ele chegou à quinta série, ele saía da cama e vestia qualquer coisa que encontrasse pela frente”, disse ela. “Eu brigo contra esse código todos os dias para que minha filha tenha a mesma oportunidade.”

Tray diz que se preocupa com o efeito que as regras possam ter sobre a autoestima de sua filha e lembrou quando seu filho relatou o caso de uma aluna de sexta série que foi com um vestido de verão à escola no primeiro dia de aula, e um professor a repreendeu na frente dos demais alunos.

“Trabalhamos duro nos últimos dez anos para criar uma menina forte, confiante e audaz”, disse Tray. “Se a direção de sua escola tentar tirar isso dela no ensino médio, eu e meu marido com certeza vamos encarar essa situação como um enorme problema.”

Tradução de Paulo Migliacci

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