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Polícia invade jornal de oposição e prende jornalistas na Nicarágua

El Confidencial pertence ao principal grupo de imprensa contrário ao ditador Daniel Ortega

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Buenos Aires

O escritório onde funciona o site de notícias El Confidencial, que faz oposição à ditadura de Daniel Ortega, na Nicarágua, foi cercado e invadido pela polícia na tarde desta quinta-feira (20) na capital, Manágua.

Pelo menos três jornalistas foram presos —o fotógrafo e cinegrafista Lionel Gutiérrez, do próprio jornal, e funcionários das agências AFP e EFE que estavam cobrindo o cerco ao prédio.

"O que temos hoje na Nicarágua é um Estado policial que vigia para que não exista direito de reunião nem liberdade de expressão", disse à Folha o diretor do veículo, Carlos Fernando Chamorro, principal jornalista nicaraguense e voz mais importante contra a ditadura no país.

Chamorro havia denunciado a invasão pelo Twitter e pediu "a solidariedade da imprensa internacional para ajudar a abrir os olhos das pessoas ao que ocorre na Nicarágua".

Nos últimos anos, o Confidencial (que também tem programas de TV e uma emissora de rádio) e outros meios de comunicação de oposição têm sofrido perseguição e ameaças de prisão. A imprensa local relata ainda pressão para não veicular reportagens com os números de infectados e mortos pelo coronavírus.

Segundo epidemiologistas, a pandemia tem afetado mais pessoas do que o governo divulga oficialmente.

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Jornalista é preso durante invasão a escritório do Confidencial, em Manágua - @NicaraguaActual no Twitter/Reprodução

A antiga Redação do Confidencial já havia sido confiscada em 2018, quando foram levados praticamente todos os equipamentos de áudio e vídeo, e Chamorro chegou a se refugiar por um tempo na Costa Rica.

Meses depois de tomar o prédio, o regime inaugurou o que seria uma entidade para assistência a grávidas, mas, segundo o jornalista, o que funciona ali é um quartel. Alguns dos jornalistas que permaneceram no país nessa época foram presos, como Miguel Mora, diretor da emissora 100% Notícias, detido por mais de um ano sob acusação de "fomentar e incitar o ódio e a violência".

Aos policiais que entraram no edifício depois de mantê-lo cercado na manhã desta quinta Chamorro pediu que preservassem o material de trabalho e a integridade dos jornalistas. Ele não estava no prédio no momento da ação —o único funcionário era o fotógrafo preso, que estava colocando no ar um programa de rádio e avisou o chefe sobre a movimentação policial.

"Era algo totalmente desproporcional", conta Chamorro. "Havia dez carros de patrulha rodeando o prédio."

Equipes de jornalistas no local para cobrir a operação que se iniciava foram perseguidas por policiais, e pelo menos dois profissionais estrangeiros foram detidos. Um repórter do Confidencial que estava do lado de fora conseguiu escapar correndo. Gutiérrez, por sua vez, está preso sem direito a um advogado —segundo Chamorro, os agentes dizem que ele pode receber apenas visitas de um familiar.

"O que temos na Nicarágua hoje é puro Kafka."

Enquanto o jornalista conversava com a Folha, a irmã dele, Cristiana Chamorro, prestava depoimento ao Ministério de Governo, sob ameaça de ser processada numa acusação de lavagem de dinheiro, por meio da Fundação Violeta Barrios de Chamorro, caso não apresentasse documentos até esta sexta.

Cristiana, que também é jornalista, havia se proposto a disputar as eleições de novembro, embora o regime busque inibir sua candidatura. "O objetivo é claramente acabar com a candidatura dela", afirma Chamorro. "E acabar comigo porque eu e os outros veículos independentes da Nicarágua seremos os únicos a vigiar essa eleição, que será irregular e sem observadores internacionais."

Os novos avanços contra a imprensa ocorrem a seis meses da eleição presidencial que pode decidir um sucessor para Ortega. Os partidos de oposição, no entanto, não estão habilitados para participar do pleito. Se o próprio Ortega não for candidato —a reeleição indefinida está aprovada em seu mandato—, quem deve concorrer é sua mulher e número 2 do regime, Rosario Murillo. Para Miguel Mora, diretor da emissora 100% Notícias, o regime de Ortega vai "tentar de tudo" para impedir a postulação presidencial de Cristiana Chamorro. "Até lá, cada episódio será usado para fazer esse show de intimidação", disse.

A 100% Notícias também teve sua sede confiscada em meio aos ataques a meios de comunicação, que incluíram a expropriação do canal 12, o fechamento do Nuevo Diario e a morte do jornalista Ángel Gahona, atingido com um tiro na cabeça enquanto acompanhava os protestos de abril de 2018.

Os atos, contrários a um pacote de corte de pensões apresentado pelo governo, foram reprimidos de forma violenta e marcaram a escalada de autoritarismo do regime de Ortega. A estimativa é a de que mais de 300 pessoas tenham morrido, e 500 permanecem presas, segundo o Centro Nicaraguense de Direitos Humanos. Em entrevistas recentes, Chamorro havia chamado a atenção para a necessidade de a imprensa internacional observar o processo eleitoral nicaraguense. "Se não for assim, a única observação independente dessas eleições será feita pela imprensa, se é que nos deixam atuar até lá."

A presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Antonia Urrejola, afirmou que os ataques a jornalistas "estão se intensificando, o que preocupa frente o processo eleitoral que o país atravessará".

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Chamorro, 65, é figura pública de importância no país centro-americano pela história de sua família e suas trajetórias política e jornalística. Seu pai, Pedro Joaquín Chamorro (1924-1978), trabalhou como editor do La Prensa, único jornal de oposição durante a ditadura dos Somoza, e foi assassinado. Sua mãe, Violeta Chamorro, participou do movimento para derrotar o último dos Somoza e foi presidente entre 1990 e 1997.

Durante o governo de sua mãe, Chamorro dirigia o Barricada, o órgão de apoio do partido oficial do sandinismo, que havia tomado as rédeas da Revolução Sandinista (1979). Naquela época, era próximo de Ortega, um dos líderes da revolução, de quem se afastou mais tarde.

“O sandinismo era algo defensável, mas traiu todas as suas bandeiras. Fez alianças com a direita, caminhou para a direção antidemocrática de almejar ser um país de partido único, não avança em termos de direitos civis e reprime opositores. Virou uma ditadura”, afirmou em entrevista à Folha em 2019.

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