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Sergio Duarte e Luiz Felipe Macedo Soares

Por que o Brasil ainda não participa do tratado de proibição de armas nucleares?

País até agora não ratificou o acordo, que se encontra em exame no Congresso Nacional

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Sergio Duarte

Embaixador, é presidente da ONG Conferências Pugwash sobre Ciência e Assuntos Mundiais. Foi alto representante das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento.

Luiz Filipe Macedo Soares

Embaixador, foi secretário-geral do Organismo para a Proscrição das Armas Nucleares na América Latina e Representante Permanente do Brasil na Conferência do Desarmamento.

O mundo está abismado com o massacre provocado pela pandemia que em menos de um ano e meio já cobrou mais de 3 milhões de mortes no mundo e mais de 400 mil no Brasil. Em agosto de 1945, uma só bomba atômica matou instantaneamente cerca de 80 mil pessoas em Hiroshima. Três dias depois, a única outra então existente ceifou 40 mil vidas em Nagasaki. Em poucos dias morreram mais de 200 mil.

Hoje existem aproximadamente 13.400 dessas bombas, cada uma cerca de 3.000 vezes mais potente do que as primeiras. Seus alvos são cidades densamente povoadas. No entanto, estranhamente, não pensamos nessas coisas. Fora a pandemia, a prioridade é a mudança do clima, que, sem esforços internacionais combinados, poderá acarretar catástrofes imensas em futuro não longínquo.

O uso de armas nucleares, por sua vez, causaria uma hecatombe humanitária e ambiental imediata e extinguiria a vida tal como a conhecemos. Como não foram usadas nos últimos 76 anos, não nos preocupamos com elas.

Essa é uma atitude inconsciente. Basta notar que os nove países que têm essas armas não descartam a possibilidade de usá-las, ao menos como ameaça; mas, para que seja crível, a ameaça supõe disposição de uso. Os 185 países que não as possuem aceitarão viver permanentemente sob esse risco?

Resolver o problema do clima é tarefa de enorme complexidade. No caso das armas nucleares a solução é mais simples. A mudança do clima decorre de causas econômicas, já a posse de armas nucleares é apenas uma afirmação distorcida de Poder, com P maiúsculo.

A Rússia e os EUA possuem 95% do total de armas atômicas. Se ambos chegassem a acordo para eliminá-las, a China e os demais seis países possuidores os acompanhariam. Todos eles protestam querer acabar com as armas nucleares, mas até o momento não parecem dispostos a abrir mão desse porrete ameaçador.

Todos os outros países, inclusive o Brasil, já se comprometeram a não adquirir armas nucleares ao aceitarem o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), em vigor desde 1970. Cento e treze países dobraram esse compromisso criando zonas livres de armas nucleares, como é o caso da América Latina e Caribe.

As demais armas de destruição em massa —biológicas e químicas— já estão banidas. Na ausência de movimento da parte dos Estados nucleares que, ao contrário, embarcaram em programas de modernização de seus arsenais, 122 Estados-membros das Nações Unidas propuseram em 2015 um tratado para proibir as armas nucleares.

O Brasil participou ativamente da negociação do Tratado de Proibição das Armas Nucleares (TPAN), concluída em 2017, e foi o primeiro país a assiná-lo. Já assinado por 86 países e ratificado por 54, entrou em vigor em janeiro deste ano.

Curiosamente, o Brasil até agora não ratificou o TPAN, que se encontra em exame no Congresso Nacional. O tratado confirma e reforça a obrigação de não possuir armas atômicas, já assumida pelo Brasil no TNP e na zona livre latino-americana e caribenha.

Mais ainda, o artigo 21 da Constituição Federal estatui que “toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional”.

Se o Estado brasileiro —Congresso Nacional e governo— não ratifica o Tratado de Proibição, isso só pode significar que há dúvidas quanto à necessidade de eliminação das armas nucleares e quanto aos compromissos já assumidos internacionalmente, o que implicaria violação da citada cláusula pétrea da Constituição.

Com a palavra o Congresso Nacional.

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