Tribunal condena agentes de imigração por morte de ucraniano em aeroporto de Lisboa

Ihor Homenyuk morreu após ser algemado ao chegar a Portugal em março passado

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Joana Gorjão Henriques
Público

O Tribunal Criminal de Lisboa condenou três agentes do Serviço de Estrangeiros e Fronteira (SEF) a nove anos e sete anos de prisão pelo crime, em co-autoria, de ofensa à integridade física grave qualificada, agravada pelo resultado, devido à morte do ucraniano Ihor Homenyuk em 12 de março de 2020.

O juiz mandou ainda extrair certidão para investigação de seguranças, inspetores, chefes e coordenadores que nada fizeram para o auxiliar. Duarte Laja e Luís Silva foram condenados a nove anos de prisão, por terem mais anos de serviço, e Bruno Sousa a sete anos.

Foram ilibados do crime de posse de arma ilegal porque, apesar de as armas que transportaram serem pessoais, o SEF permite que os funcionários as usem. Os acusados vão recorrer da decisão.

Aeronave estacionada no aeroporto de Lisboa, em Portugal
Aeronave estacionada no aeroporto de Lisboa, em Portugal - Patricia de Melo Moreira - 9.abr.20/AFP

O advogado da família de Homenyuk, José Gaspar Schawlbach, diz que vai analisar o acórdão e que vai “apurar se existe fundamento de recurso". "Mas creio que a medida da pena poderá ter sido baixa para a gravidade dos factos dados como provados.”

O juiz Rui Coelho considerou que os acusados Duarte Laja, Luís Silva e Bruno Sousa provocaram lesões traumáticas em Ihor Homenyuk que, juntamente com a posição em que o deixaram algemado, atrás das costas, conduziu a asfixia mecânica, provocando-lhe a morte, tal como vinha descrito na acusação.

Sabiam, pela formação que tiveram, que o modo como colocaram as algemas iria causar dores físicas, psicológicas e dificuldades respiratórias e fizeram-no com o propósito de o sujeitar àquele tratamento desumano, disse o juiz.

Mas não ficou provado, segundo Coelho, que tinham conhecimento de que isso iria causar a morte. Por isso retirou a acusação de homicídio. Duas das frases que a acusação imputava aos acusados e que foram das mais citadas não ficaram provadas. “Agora ele está sossegado”, ao mesmo tempo que outro disse: “Isto hoje, já nem preciso de ir ao ginásio”.

No final da leitura da sentença, dirigindo-se aos acusados, o juiz afirmou: “Os senhores, ao agirem como agiram, tiraram a vida a uma pessoa e arruinaram as vossas”. Os acusados vão continuar aguardando em prisão domiciliar até que a decisão transite em julgado.

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Duarte Laja, Luís Silva e Bruno Sousa foram a julgamento acusados de homicídio qualificado de Ihor Homenyuk, mas a procuradora do Ministério Público que acompanhou o julgamento, Leonor Machado, pediu a condenação por ofensas à integridade física grave qualificada, por considerar que não se tinha provado a intenção dos agentes de matarem o cidadão ucraniano que fora barrado de entrar em Portugal em 10 de março, ficando detido no centro de instalação temporária do aeroporto de Lisboa.

Nessa altura, a procuradora deixou a intenção de extrair certidões contra outros intervenientes, nomeadamente chefias, antes da leitura da sentença. Em 7 de abril, antecipando a decisão, o presidente do colectivo de juízes já referira que iria ponderar a hipótese de condenar os agentes por crimes menos graves.

Essa foi a 13ª sessão do julgamento. Ao longo de 11 sessões, que começaram no início de fevereiro, foram ouvidas dezenas de testemunhas —inspetores, chefes, coordenadores, seguranças, médicos, enfermeiros e outros profissionais.

Rui Coelho disse ainda que se Ihor Homenyuk já tivesse sido agredido antes da sua entrada na sala, os próprios acusados teriam reportado às chefias o estado em que se encontrava e teriam feito queixa dos seguranças. O objetivo da sua intervenção, sustentou, foi evitar que causasse mais distúrbios e permitir que não fosse preciso mais ninguém se preocupar com ele até ao seu embarque.

Deixar as chaves das algemas com os seguranças não serviu para o aliviar porque não esperavam que ficasse sossegado, mas para o libertar apenas antes do embarque para ser deportado.

Em tribunal, o MP tinha proposto uma pena não inferior a 13 anos para Luís Silva e Duarte Laja, e de mínimo de oito anos para Bruno Sousa, por considerar que este tinha menos experiência e poderia ter sido influenciado pelos outros. Os magistrados consideraram que, embora os fatos imputados na acusação sustentem o crime de ofensas à integridade grave, a qualificação jurídica poderia ser alterada.

A grande diferença entre os dois crimes está naquilo que o tribunal entendeu ser a intenção dos arguidos relativamente à morte de Ihor Homenyuk.

No despacho de acusação de 30 de setembro, o procurador Óscar Ferreira considerou que houve dolo. Acusou os agentes de agredirem Ihor Homenyuk provocando-lhe lesões em zonas mortais e de o deixarem algemado numa posição que podia resultar na morte —refere que os inspetores sabiam disso e que se “conformaram” com esse fato.

O juiz e a procuradora entenderam que os arguidos não tiveram intenção direta de matar Homenyuk. Rui Coelho referiu, aliás, que se fosse essa a intenção o teriam feito no imediato.

Agentes sempre negaram

Os três agentes negaram a acusação de homicídio qualificado e afirmaram que nem sequer agrediram Ihor Homenyuk. Os seus advogados defenderam que os acusados estiveram apenas 30 minutos com Ihor quando foram vários os profissionais que com ele se cruzaram.

A estratégia de defesa implicou seguranças e outros inspetores, mas também alegaram que foram a ausência de assistência médica e as condições de detenção do SEF que levaram o ucraniano à morte. Ao tribunal, os seguranças contaram uma versão diferente da que relataram à investigação e foram processados pelos advogados dos três acusados, por falso testemunho.

A defesa de Luís Silva e de Bruno Sousa queria uma nova perícia à autópsia e queria também chamar a depor outros peritos em medicina legal, que defendiam falhas no trabalho do médico Carlos Durão, mas o juiz indeferiu o pedido, alegando que não era necessário. O corpo de Homenyuk foi cremado, e as cinzas, enviadas para a Ucrânia. Na sentença, o juiz referiu não haver motivo para questionar a autópsia do médico.

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