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Ameaça da variante delta nos EUA contrasta com otimismo da reabertura em Nova York

Mutação representa 20% dos casos do país e pode atingir em cheio regiões lentas na imunização

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Lúcia Guimarães
Nova York

Nova York lançou na quinta (24) a maior campanha de promoção de turismo da história da cidade, num esforço para atrair de volta mais da metade dos 66,6 milhões de visitantes que recebeu em 2019.

Além de promover seus cartões-postais, como a Times Square e a Estátua da Liberdade, a campanha “É Hora de Nova York" vai vender ao público de outros estados americanos, do Canadá, do México e de países latino-americanos uma nova atração: os nova-iorquinos vacinados.

O governador Andrew Cuomo anunciou na semana passada o fim do estado de emergência imposto no começo da pandemia, em março de 2020. A reabertura da cidade, simbolizada em eventos como o show da banda Foo Fighters num Madison Square Garden com 15 mil fãs, sugere uma volta à normalidade que pode ser desafiada, tanto em Nova York como no resto dos EUA, pelo ritmo de vacinação agora mais lento e pela chegada da variante delta, que pode atingir em cheio os bolsões de resistência aos imunizantes.

A estátua da Liberdade, à esq., e o skyline de Nova York com fogos de artifício para celebrar os 70% dos adultos vacinados com ao menos uma dose
A estátua da Liberdade, à esq., e o skyline de Nova York com fogos de artifício para celebrar os 70% dos adultos vacinados com ao menos uma dose - Angela Weiss - 15.jun.21/AFP

No fim da última semana, 49% dos nova-iorquinos estavam completamente vacinados, e 70% já haviam recebido ao menos a primeira dose de vacina —a média nacional é 66%. “Isto ainda não cria imunidade suficiente na população para enfrentar um surto da variante delta”, diz o imunologista brasileiro Gabriel Victora, professor da Universidade Rockefeller. Em todo o país, ainda há 140 milhões de pessoas com mais de 12 anos aptas a se vacinar que não estão completamente vacinadas.

A variante delta, mais contagiosa e identificada inicialmente na Índia em dezembro passado, avança com tanta velocidade que tende a se tornar a cepa dominante em todos os continentes. Uma de suas mutações, a delta plus, já foi detectada nos EUA e em outros nove países da Europa e da Ásia.

O Reino Unido parece oferecer uma prévia do cenário que estaria se desenhando para os americanos. Os britânicos têm alta taxa de vacinação completa, de 60,9% da população adulta, mas nas últimas três semanas a predominância da delta impulsionou recordes diários de casos e hospitalizações. Nos EUA, até o momento, a mutação é responsável por 20% dos casos, mas seu avanço dobrou em duas semanas.

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Nova York reabriu cedo demais? Para a imunologista Denise Garrett, da Fundação Sabin (EUA), um dos problemas é terem retirado a exigência do uso de máscaras em locais fechados para quem tomou a vacina. Agora, a utilização do item fica a critério de estabelecimentos e, embora as proteções sejam obrigatórias em hospitais e transportes públicos, é comum encontrar quem desafie a ordem nos metrôs.

E há também a falta de um sistema para conferir a imunização, num país em que a mera menção da criação de um passaporte nacional de vacina provoca horror entre governadores republicanos.

A falsificação de documentos também é um problema real. Durante o pior período da pandemia nos EUA, houve casos de testes de Covid com resultado negativo forjados. Agora, certificados falsos de vacinação se tornam outro obstáculo à recuperação das atividades. No começo de junho, um comerciante oferecia, no site da Amazon, dez comprovantes com o logotipo do Centro de Controle de Doenças por US$ 12,99 (R$ 64,14).

Grupos antivacina, que já militavam antes da pandemia e foram responsáveis por surtos de sarampo nos EUA na década passada, encorajam a distribuição dos documentos forjados.

Epidemiologistas começam a especular sobre um cenário pessimista quando as temperaturas voltarem a cair, em setembro, no começo do ano letivo americano. Garrett afirma acreditar que a resistência da população à volta de restrições será grande e que a mudança de orientação sobre medidas simples, como o uso de máscaras, foi prematura, “quando a cobertura vacinal ainda era baixa”.

A boa notícia, diz Victora, da Universidade Rockefeller, é que as duas principais vacinas administradas nos EUA, Pfizer e Moderna, têm se mostrado eficazes na contenção da delta. Dados do governo da Escócia relatados na revista médica The Lancet, ainda sem revisão por pares, indicam que a eficácia das duas doses do imunizante da Pfizer é de 79% para a variante. Anthony Fauci, chefe do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, disse que o fármaco da Moderna tem eficácia similar contra mutações.

Ainda assim, o pesquisador ressalta que quanto mais tempo parte da população fica desprotegida, mais criativo o vírus se torna no desenvolvimento de mutações, gerando novos desafios aos imunizantes existentes. E o avanço de variantes não é necessariamente retardado com o fechamento de fronteiras.

Victora relata que a variante beta, identificada primeiro na África do Sul, não se espalhou em Nova York, como temiam. Mas foi visto o surgimento de uma cepa local, a iota, com características semelhantes.

A aplicação dos imunizantes começou de maneira lenta nos EUA, com uma média de 900 mil vacinas aplicadas por dia entre dezembro e janeiro. Já entre março e abril, a campanha deu um salto, e 4,63 milhões de doses chegaram a ser aplicadas em 10 de abril, segundo o site Our World in Data.

Após esse pico, no entanto, o total vem em queda, e nesta quinta (24) 815 mil doses foram aplicadas. Ainda assim, desde 23 de fevereiro, um mês após a posse de Biden, apenas em 12 dias a quantidade de vacinas aplicadas ficou abaixo de 1 milhão, sendo o valor mais baixo o de 2 de junho (508,6 mil). As taxas de vacinação ainda estão elevadas em alguns estados das costas Leste e Oeste, como Nova York e Califórnia, mas seguem baixas no Sul e no Meio-Oeste, especialmente em áreas mais pobres e rurais.

Na quarta (24), o presidente Joe Biden publicou no Twitter sobre o perigo da variante delta e viajou para a Carolina do Norte, onde a vacinação desacelera e a população adulta vacinada praticamente não aumentou em mais de uma semana —o estado continua com 55% de adultos imunizados com a primeira dose. Biden suplicou aos habitantes que confiem na eficácia das vacinas para deter as mutações.

Se é difícil vencer a desconfiança e o negacionismo do público em geral, o que dizer dos trabalhadores da saúde, em Nova York, que enfrentaram a explosão que fez da cidade um dos primeiros epicentros mundiais de infecções e mortes na pandemia? No começo de junho, um dos cinco maiores hospitais privados de Nova York, o New York-Presbyterian, tornou-se o primeiro grupo médico a anunciar a exigência de vacina para seus funcionários, uma medida que começou a ser replicada em outros estados.

O maior sindicato de trabalhadores da saúde, com quase meio milhão de membros na Costa Leste americana e sede em Nova York, reagiu. Diz que vai à Justiça para garantir o direito de enfermeiros, cuidadores, técnicos de laboratório e outros profissionais de recusar a vacina. Se a variante delta fincar raízes deste lado do Atlântico, não será por falta de boas-vindas.

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