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Brasil reabre fronteira com Venezuela após mais de 1 ano, mas limita entrada

Somente 50 pessoas por dia poderão passar, segundo reunião da Operação Acolhida

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São Paulo

O Brasil reabriu a fronteira com a Venezuela pela primeira vez desde março do ano passado, mas limitou o acesso a 50 pessoas por dia. O bloqueio da entrada, segundo o governo, ocorria por razões sanitárias, mas era criticado por advogados e ONGs de direitos humanos —que defendiam a abertura, com medidas de controle como testes ou quarentena, por considerar a vulnerabilidade das pessoas que buscam refúgio.

A portaria 655, publicada nesta quarta-feira (23), substitui uma das dezenas que já foram feitas a respeito da entrada de estrangeiros no país e que, segundo as organizações, eram discriminatórias em relação aos venezuelanos. Desta vez, passou a ser permitida a entrada por terra de pessoas dessa nacionalidade.

Fronteira de Pacaraima com Santa Elena
Fronteira de Pacaraima com Santa Elena - Ricardo Moraes - 24.fev.19/Reuters

Segundo o texto, agora essas "pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária" poderão receber assistência emergencial de acolhimento e regularização migratória.

A portaria diz que isso se aplica também àqueles que entraram no país de 18 de março até agora, quando as fronteiras estavam fechadas, ou seja, por caminhos clandestinos. Até agora, esses imigrantes estavam em situação irregular, sem poder pedir refúgio e sujeitos à deportação —inclusive sumária, algo que contraria a lei brasileira de migração e tratados internacionais sobre refúgio.

Nesta quinta-feira (24), a Folha e outros veículos tiveram acesso a uma reunião interna da Operação Acolhida (força-tarefa humanitária de apoio a venezuelanos na fronteira) com parceiros, transmitida virtualmente, em que foi dado o aviso sobre o limite de entrada de 50 pessoas por dia, que é o que seria possível atender, de acordo com o militar que coordenava o encontro. Questionado se a restrição não levaria à formação de filas na fronteira, respondeu: "Isso não está nas nossas mãos". O objetivo, segundo ele, é “desestimular a entrada ilegal no país”. Haverá também, segundo discutido na reunião, reforço na repressão a coiotes —intermediários que cobram para levar migrantes de forma irregular.

Antes da pandemia, a quantidade diária de entradas e saídas na fronteira de Santa Elena com Pacaraima era de ao menos 300. “Haverá dificuldade para atender toda a demanda reprimida de migrantes em Roraima. O limite de 50 pessoas é insuficiente”, diz João Chaves, coordenador de Migrações e Refúgio da Defensoria Pública da União em São Paulo.

Para Chaves, a nova portaria tem o ponto positivo de reconhecer a necessidade de uma solução para o fluxo migratório venezuelano, mas deixa lacunas. Não tratou, por exemplo, das multas aplicadas às pessoas que entraram antes da mudança, que podem chegar a R$ 10 mil.

Segundo ele, também não está clara a garantia do direito de regularização para os migrantes que entraram de forma irregular e já estão em outros estados, fora do sistema da Operação Acolhida.

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A nova portaria ainda mantém as penas de inabilitação do pedido de refúgio e deportação imediata para quem ingressar por fronteiras terrestres e não se enquadrar nas exceções criadas.

As portarias anteriores determinavam que estrangeiros de todas as nacionalidades estavam proibidos de entrar por terra no Brasil, mas havia exceções: imigrantes com residência de caráter definitivo no país, aqueles com cônjuge, companheiro, filho ou pai brasileiro, e portadores do Registro Nacional Migratório.

Essas exceções, porém, não valiam para pessoas vindas da Venezuela, que não podiam entrar no Brasil por terra sob nenhuma hipótese. Questionado pela organização Conectas Direitos Humanos, que apresentou um parecer técnico da USP apontando que não havia base sanitária para barrar pessoas oriundas do país, o Ministério da Justiça respondeu que se tratava de uma determinação sanitária da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. A Anvisa, porém, informou que nunca orientou a pasta a proibir a entrada de pessoas vindas de território venezuelano em decorrência da pandemia de Covid-19.

A Conectas apresentou nesta quinta-feira uma denúncia ao Conselho de Direitos Humanos da ONU contra o Estado brasileiro, acusando-o de implementar políticas ilegais e discriminatórias contra os imigrantes.

Para Camila Asano, diretora de programas da Conectas Direitos Humanos, a portaria desta quarta-feira tem o problema de "condicionar o acolhimento e regularização migratória de venezuelanos aos ‘meios disponíveis’". "O governo cria uma enorme insegurança jurídica e abre brechas para criar cotas migratórias, o que viola os princípios da lei de migração. Quem vai decidir quais os meios disponíveis? E como isso será informado aos agentes de controle migratório e à população?”, questiona.

A Folha tentou esclarecer dúvidas sobre a portaria com o Ministério da Justiça e a Casa Civil, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

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