Existe toda uma indústria dedicada a decifrar a Rússia para ocidentais. Ela tem dois produtos premium. Um deles é a "putinologia", que alega que a visão de mundo do presidente Vladimir Putin, um ex-oficial da KGB, é a chave para entender a direção de cada passo dado pelo país que ele controla há mais de duas décadas. Em segundo lugar, há uma vasta biblioteca dedicada a demonstrar como o passado imperial da Rússia e suas tradições autoritárias moldam o presente.
O cientista político americano Timothy Frye acredita que essas duas abordagens têm méritos, mas não tão grandes quanto se imagina. Em "Weak Strongman" (ditador fraco), recém-lançado nos Estados Unidos, ele propõe outra estratégia. "Em vez de enxergar a política russa como sendo impulsionada por um homem excepcional, que governa um país excepcional, destaco os padrões que a Rússia compartilha com outros regimes autoritários, onde existe um indivíduo dominante", diz Frye.
Regimes autoritários vêm em alguns sabores. Podem ser comandados pelo Exército ou por um partido único. Quando o poder se concentra nas mãos de uma pessoa, eles se tornam "autocracias personalistas", no jargão de Frye. A Rússia de Putin serve de exemplo —assim como a Turquia de Recep Tayyip Erdogan, a Hungria de Viktor Orbán ou a Venezuela de Hugo Chávez.
Eis a ideia mestra: esses regimes são caracterizados pela necessidade permanente de equilibrar as demandas da massa e as demandas de um círculo interno de poder. A tentativa de conciliar essas forças contrárias resulta em distorções na economia, políticas sociais inconsistentes e burocracias corruptas e carcomidas pelo clientelismo. A situação se torna paradoxal. Ao mesmo tempo que pode muito, o autocrata está sempre entre as ameaças de um levante popular e de um golpe palaciano.
"Em vez de ser o governante onipotente das narrativas populares", diz Frye, "Putin é como muitos outros autocratas: um ditador fraco". Está explicado o nome do livro.
Pode parecer um enfoque abstrato, mas a necessidade de identificar os interesses e as forças em jogo a cada momento traz a análise para o chão da história. Além disso, Frye lança mão de um grande volume de informações pouco conhecidas sobre a Rússia. Diretor de um centro de pesquisas em Moscou, ele assegura que os estudos de opinião são muito mais confiáveis na Rússia que em outros países autoritários e que os dados produzidos em abundância pela administração pública permitem aos olhos treinados encontrar muitas coisas que as autoridades prefeririam deixar escondidas.
"Weak Strongman" mostra como cientistas políticos desenvolveram métodos engenhosos para medir a efetiva popularidade de Putin. Revela como o Kremlin utiliza combinações diferentes de fraude e "convencimento honesto" em cada processo eleitoral, uma vez que "pouca trapaça pode levar à derrota, mas trapaça em excesso pode causar rebelião". Explora a maneira como a gestão das empresas russas é condicionada pelo medo de intervenções surpresa do Estado. São dezenas de histórias e números sobre como a lógica do compromisso, típica das "autocracias personalistas", se reflete em vários setores da vida.
Nesta semana, Putin e o presidente americano Joe Biden tiveram seu primeiro encontro. Putin jurou que o Kremlin nunca lançou ciberataques contra os Estados Unidos. Frye tem um bom capítulo sobre esse tema. Putin, obviamente, contou uma mentira deslavada. Mas o investimento pesado nos recursos da guerra digital talvez denote mais fraqueza do que força: são armas de eficácia limitada, de uma Rússia que encontra dificuldades para angariar influência com os meios tradicionais da economia e do soft power. Armas de um ditador fraco.
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