O interesse crescente dos brasileiros por Portugal fez explodir a procura por livros, cursos, canais no YouTube e, claro, influenciadores digitais que ensinam o passo a passo para morar no país europeu.
De conteúdo gratuito a assessorias que cobram mais de R$ 1.000, há material para todos os perfis: de estudantes até os que têm 500 mil euros (R$ 3,1 milhões) para conseguir vistos especiais.
Após se mudar para Portugal com o marido e os filhos em busca de maior qualidade de vida e segurança, Patrícia Lemos começou a receber muitas perguntas de quem desejava seguir o mesmo caminho.
As dicas passaram a ser compartilhadas nas redes sociais —no Instagram, a publicitária carioca acumula hoje quase 190 mil seguidores– e acabaram virando a base de uma empresa especializada em ajudar nos trâmites da imigração. Em 2020, com a alta da demanda impulsionada pela pandemia de coronavírus, as orientações foram compiladas em um curso para quem deseja embarcar de vez para uma vida lusitana.
“Criei o curso porque eu não conseguia mais dar conta. Precisava criar um produto no qual eu pudesse dar informação para muita gente de uma vez só, já que a Covid aumentou a demanda significativamente”, conta. Batizado de Jornada Portugal, o curso, que custa R$ 1.297, caminha agora para sua sétima edição.
Além de aulas gravadas com o passo a passo sobre as informações essenciais para morar no país —desde o processo do visto até o funcionamento do sistema de saúde local—, o curso tem sessões de orientação profissional, instruções sobre aspectos culturais e sociais de Portugal. “A gente bate muito forte na tecla do planejamento. Dizemos que é melhor demorar dez, cinco anos, mas é para ir de maneira regular. Ou então você vai depender de ajuda do governo para uma série de coisas”, diz.
A empresária destaca ainda que tenta conscientizar os alunos sobre as mudanças inevitáveis na vida de quem opta por viver em outro país. “Você não vai replicar a sua vida no Brasil. Você pode ser a filha do dono do mundo no Brasil, mas aqui você é só mais uma pacata cidadã.”
Entre informações sobre vistos, serviços de saúde e mercado de trabalho, a influencer Patrícia posta nas redes sociais fotos da rotina com a família e aspectos práticos da vida em Portugal, como o preço das compras no supermercado. Vídeos de compras nos supermercados portugueses, aliás, são sucesso quase garantido entre os canais sobre imigração, geralmente atraindo milhares de visualizações.
Especializado em conteúdo voltado para brasileiros que desejam morar na Europa, o portal Eurodicas também lançou uma série de ebooks e videoaulas sobre como viver em Portugal. Ana Luiza Fernandes, responsável pelo conteúdo do site, diz que, embora o portal seja voltado para informações sobre todo o continente, cerca de 50% dos acessos são em busca de dados relativos ao país ibérico.
“A gente sabe que só uma parte muito privilegiada do Brasil fala inglês. Muita gente acaba querendo vir para Portugal devido a esse aspecto, além do custo de vida e da facilidade de integração”, diz ela.
Segundo Ana Luiza, ainda que o acesso às aulas e aos ebooks seja pago, os preços são propositalmente baixos –entre R$ 50 e R$ 150–, o que permite a mais pessoas ter acesso a conteúdo sobre imigração legal. Na verdade, grande parte do conteúdo disponibilizado no site, como reportagens, é grátis.
No material cobrado, a grande diferença é a organização, o que atrai um dos principais públicos do portal: aposentados, muitos dos quais com dificuldades para pesquisar informações espalhadas pelo site.
Um dos conteúdos que mais chamam a atenção desse grupo é a possibilidade de, graças a acordos bilaterais entre Brasil e Portugal, utilizar o Serviço Nacional de Saúde nas mesmas condições de um cidadão europeu. Assim, a chance de deixar de pagar os caros planos de saúde brasileiros é um chamariz.
Se a oferta de cursos, canais no YouTube e perfis no Instagram é robusta, a qualidade do conteúdo nem sempre é boa. Há desde informações incorretas até manuais para quem quer imigrar de modo irregular, inclusive com orientações sobre como mentir para agentes de imigração no momento da entrada no país.
Portugal permite a regularização de pessoas que tenham entrado para viver e trabalhar no país sem o visto adequado, mas o processo é demorado e burocrático. Muitas vezes, mesmo trabalhando e pagando impostos, leva-se mais de dois anos para conseguir a permissão de residência.
Viver sem a documentação apropriada significa em muitos casos estar em maior situação de vulnerabilidade social, trabalhista e ter a liberdade de movimentação bastante restringida. Mesmo assim, não faltam influencers a sugerir essa alternativa, o que já ligou o alerta de autoridades portuguesas.
Na semana passada, o SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, órgão responsável pela imigração no país) prendeu uma brasileira que oferecia auxílio para imigrar de maneira irregular para Portugal. Em nota, a entidade afirma que desde 2018, por meio das redes sociais, a suspeita persuadiu dezenas de brasileiras a ir ao país e orientou os imigrantes a entrar no território luso como turistas.
Com a ajuda do marido, acrescentou o SEF, ela levava as pessoas do aeroporto de Lisboa para a casa dela, cobrando-lhes quantias elevadas por transporte, alojamento e despesas alegadamente necessárias para conseguir contratos de trabalho, abertura de contas bancárias e viabilização dos trâmites para obter os documentos necessários para a legalização. Associações de apoio a imigrantes afirmam que casos de brasileiros iludidos com promessa de dinheiro e regularização fácil em Portugal são recorrentes.
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