Governo Trump acessou secretamente registros telefônicos de repórteres do NYT

Administração republicana tentava descobrir as fontes dos jornalistas após texto publicado em 2017

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Charlie Savage Katie Benner
Washington | The New York Times

O Departamento de Justiça do governo Trump acessou secretamente os registros telefônicos de quatro repórteres do New York Times relativos a quase quatro meses de 2017, como parte de uma investigação de vazamento de informações. A revelação foi feita na quarta-feira (2) pela administração Biden.

Foi o mais recente de uma série de casos revelados em que a administração Trump conseguiu acesso secreto a registros de comunicações de jornalistas, em um esforço para descobrir suas fontes. No mês passado o Departamento de Justiça do governo Biden trouxe à tona a espionagem dos registros telefônicos de jornalistas que trabalham para o Washington Post e dos registros telefônicos e de email de uma repórter da CNN, feita sob a administração Trump.

Fachada do prédio do New York Times, em Nova York - Jeenah Moon - 29.dez.17/NYT

Dean Baquet, o editor-executivo do NYT, condenou a ação da administração Trump.

“Tomar os registros telefônicos de jornalistas subverte profundamente a liberdade de imprensa”, disse em comunicado. “Ameaça silenciar as fontes das quais dependemos para oferecer ao público informação essencial sobre o que o governo está fazendo.”

No mês passado, quando vieram à tona os casos de tomada de registros de comunicações envolvendo jornalistas do Washington Post e da CNN, o presidente Joe Biden disse que não deixará o Departamento de Justiça sob sua administração tomar essa medida, que qualificou de “simplesmente errada”.

Fazendo referência a essa declaração, Baquet acrescentou: “O presidente Biden disse que esse tipo de interferência com a imprensa livre não será tolerada sob sua administração. Esperamos que o Departamento de Justiça explique por que essa ação foi adotada e que medidas estão sendo tomadas para assegurar que ela não volte a ocorrer”.

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Um porta-voz do Departamento de Justiça, Anthony Coley, disse que as autoridades legais obtiveram os registros em 2020 e que “membros da imprensa agora foram notificados de cada instância” das investigações sobre vazamentos do período de 2019-2020 nos quais o departamento buscou acessar seus registros.

O Departamento informou ao NYT que agentes apreenderam registros telefônicos relativos ao período de 14 de janeiro a 30 de abril de 2017 de quatro repórteres do jornal: Matt Apuzzo, Adam Goldman, Eric Lichtblau e Michael S. Schmidt. O governo também obteve um mandado judicial para apreender os registros de seus emails (não o conteúdo das mensagens), mas afirma que não chegou a acessar os registros.

O Departamento de Justiça não disse qual reportagem estava sendo investigada. Mas os nomes dos repórteres e as datas envolvidas sugerem que a investigação sobre vazamento era relativa a informações citadas em um texto de 22 de abril de 2017, assinado pelos quatro jornalistas, sobre o tratamento dado pelo então diretor do FBI, James Comey, a investigações politicamente carregadas durante a eleição presidencial de 2016.

Discutindo a decisão pouco ortodoxa de Comey de anunciar em julho de 2016 que o FBI estava recomendando que Hillary Clinton não fosse acusada criminalmente pelo uso de um servidor particular de emails para tratar de questões do governo enquanto foi secretária de Estado, a reportagem mencionou um documentado obtido da Rússia por hackers trabalhando para autoridades de inteligência holandesas. O documento, cuja existência era classificada, teria desempenhado um papel chave na decisão de Comey sobre o caso de Hillary Clinton.

O documento foi descrito como um memorando ou email escrito por um agente democrata que expressara confiança em que a secretária de Justiça da época, Loretta Lynch, não deixaria a investigação sobre Hillary ir longe demais. Hackers russos haviam conseguido acessar o documento, mas, concluíram autoridades de inteligência, ele aparentemente não fez parte dos documentos que a Rússia enviou ao WikiLeaks.

Comey teria receado que, se a decisão de não acusar Hillary criminalmente partisse de Lynch e então a Rússia levasse o documento a público, o texto fosse usado para semear dúvidas sobre a independência da investigação e a legitimidade de seu resultado.

Em janeiro de 2020 o NYT divulgou que agentes da era Trump investigaram se Comey teria sido a fonte da revelação não autorizada feita nesse artigo de 2017.

Comey estava sendo posto sob a lupa desde 2017, depois de Trump tê-lo demitido do cargo de diretor do FBI. Após sua demissão, Comey arquitetou —através de seu amigo Daniel Richman, professor de direito na Universidade Columbia— a revelação ao NYT dos relatos de várias de suas conversas com o presidente relativas à investigação sobre a Rússia.

Segundo três pessoas informadas sobre essa investigação sobre Comey, ela acabou recebendo o codinome de Arctic Haze (névoa ártica). O foco dela teria evoluído ao longo do tempo; depois de começar estudando se poderiam acusar Comey criminalmente por ter vazado suas conversas com Trump, os investigadores teriam passado a apurar se ele tivera algo a ver com a revelação da existência do documento.

Como parte desse esforço, o FBI também teria intimado o Google judicialmente em 2020, buscando informações relativas a quaisquer email trocados entre Daniel Richman e o New York Times.

Mas até novembro de 2020, alguns promotores concluíram que o FBI não encontrara evidências que pudessem fundamentar qualquer acusação criminal contra Comey. Eles discutiram a possibilidade de encerrar a investigação.

No início deste ano, promotores foram informados que o FBI não quer encerrar o caso —em parte porque agentes seus ainda querem interrogar Comey. Entrevistar o objeto de uma investigação frequentemente é visto como um passo final dado antes de ou encerrar o assunto ou apresentar uma acusação.

No mês passado o FBI perguntou ao advogado de Comey se ele se disporia a ser entrevistado —Comey teria recusado o pedido.

Desde meados da administração George W. Bush e chegando até as administrações de Barack Obama e de Donald Trump, o Departamento de Justiça passou a investigar vazamentos criminais de modo mais agressivo.

Eric Lichtblau —que não trabalha mais para o NYT— chamou a atenção de investigadores no início desse período porque co-escreveu um artigo do NYT de 2005 revelando o programa de vigilância sem mandado judicial autorizado secretamente por Bush após os ataques de 11 de setembro de 2001. A administração Bush criou uma força-tarefa especial para caçar as fontes desse artigo, e sua nova abordagem acabou sendo adotada também em casos não relacionados durante a administração Obama.

Em 2013, Matt Apuzzo e Adam Goldman —que na época trabalhavam para a agência de notícias Associated Press e tinham dado o furo sobre um atentado a bomba tramado por uma filiada à Al Qaeda no Iêmen— foram notificados de que o Departamento de Justiça da era Obama havia pedido acesso em segredo a dois meses de seus registros telefônicos.

No mesmo mês também emergiu que, em uma investigação de vazamento relativa a um artigo da Fox News sobre o programa nuclear norte-coreano, o Departamento de Justiça da era Obama usara um mandado de busca para acessar os emails de um repórter da Fox News —e havia caracterizado o repórter como conspirador criminoso.

As revelações provocaram indignação entre políticos de ambos os partidos, e Obama instruiu o então secretário de Justiça, Eric Holder, a rever as regras sobre investigações criminais que afetam a mídia noticiosa.

Holder endureceu as regras, reforçando a preferência por notificar uma organização noticiosa com antecedência sobre um mandado judicial planejado, para que ela possa negociar ou combater o escopo da investigação na justiça. Após as mudanças, a incidência de novos casos de vazamento diminuiu significativamente no segundo mandato de Obama.

Mas a prática ressurgiu sob o governo de Trump, que costumava tachar a imprensa de “inimiga do povo”.

Em agosto de 2017 o secretário de Justiça Jeff Sessions disse que o número de investigações sobre vazamentos havia triplicado. E ficou claro agora que sob seu sucessor, William Barr, o Departamento de Justiça escalou ainda mais sua abordagem agressiva às investigações sobre vazamentos de informações.

Tradução de Clara Allain

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