Imigrantes ficam de fora de vacinação na Itália, dizem médicos

Governo italiano diz que as pessoas têm direito de ser vacinadas independentemente de sua situação jurídica

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Roma | The New York Times

Toda semana, nos últimos três meses, um imigrante croata sem-teto de 63 anos caminha até uma clínica médica ao lado da estação ferroviária Termini, em Roma, buscando notícias sobre a vacinação contra o coronavírus. E cada vez os médicos lhe dizem que, apesar de ele apresentar várias comorbidades e já ter sofrido múltiplos ataques cardíacos, não podem marcar um dia para ele ser imunizado.

“Meu coração é tão fraco que se eu pegar Covid ela vai me levar embora, com certeza”, disse o imigrante, pedindo para ser identificado apenas por seu primeiro nome, Vlado, por medo de repercussões. “Estou assustado.”

O governo italiano diz que as pessoas têm direito de ser vacinadas independentemente de sua situação jurídica. Na prática, porém, muitos migrantes indocumentados e pessoas em situação de rua foram passadas por cima, fato que coloca não apenas a elas em risco, segundo médicos, mas o país como um todo.

Centro de vacinação contra a Covid-19 em Roma, na Itália
Centro de vacinação contra a Covid-19 em Roma, na Itália - Tiziana Fabi/AFP

A explicação oficial, em muitos casos, é de natureza burocrática. A maioria das regiões do país exige que as pessoas apresentem um número de previdência social em suas plataformas online para marcarem um dia para ser vacinadas. Mas apenas três das 20 regiões italianas aceita os números temporários entregues a centenas de milhares de migrantes.

E, em um país onde a imigração é uma questão altamente controversa, algumas pessoas perguntam se cidadãos italianos não devem continuar a ser priorizados, pelo menos enquanto não houver disponibilidade maior de vacinas.

“O sistema se esqueceu dos migrantes, mas são eles os mais fragilizados do país”, comentou o médico Marco Mazzetti, presidente da Sociedade Italiana de Medicina das Migrações.

A Itália foi o primeiro país do Ocidente a ser gravemente atingido pelo coronavírus. Mais de 125 mil pessoas no país já morreram do vírus, e a campanha de vacinação começou devagar, marcada pela escassez de doses e percalços estratégicos. Ela vem se intensificando nas últimas semanas, com cerca de meio milhão de doses de vacina distribuídas a cada dia. Na quinta-feira (3) o país eliminou as restrições de idade e ampliou os critérios que determinam quem tem direito à vacina. As autoridades dizem que o aumento da oferta significa que em breve migrantes e candidatos a asilo serão vacinados.

Mas pouca coisa vem acontecendo nesse sentido até agora, segundo defensores dos migrantes.

Vários médicos que trabalham com migrantes disseram que não creem que a inação seja fruto de discriminação intencional. Para eles, ela é mais um sintoma da inatenção habitual dada aos marginalizados.

Estrangeiros residentes na Itália sem número de previdência social, incluindo diplomatas e funcionários de organizações internacionais, também têm tido problemas para marcar sua vacinação. Esta semana o serviço postal italiano, cuja plataforma online para marcar vacinações é a mais utilizada nas regiões, começou a autorizar membros desses grupos a marcar sua vacinação. Mas ela ainda não tem data para quando fará o mesmo para os migrantes que estão no país de modo ilegal.

Alguns políticos incluem a questão da vacinação no debate sobre a imigração.

Quando as autoridades da Lombardia, no norte do país, disseram que pretendem incluir migrantes irregulares —sem status legal— e pessoas em situação de rua na campanha de vacinação este mês, os membros de conselhos regionais protestaram.

“Penso nos empresários exaustos depois de um ano de fechamento de seus estabelecimentos, nos caixas de supermercado sempre na linha de frente, nos jovens que perderam um ano de sua vida e convívio social —todos sendo passados por cima por imigrantes irregulares”, disse uma vereadora da Lombardia, Viviana Beccalossi, em uma reunião regional.

Ela qualificou a iniciativa de vacinar os migrantes como “um tapa na cara”. A Lombardia vai começar a vacinar pessoas sem-teto na próxima semana. Mas, citando uma “discussão em curso ao nível nacional”, disse que não tem certeza quando poderá vacinar estrangeiros munidos apenas de número de previdência social temporário.

Médicos e assistentes sociais que atendem migrantes dizem que, ao criar obstáculos burocráticos entre os migrantes e as vacinas, as autoridades italianas estão violando a lei, que garante assistência médica essencial a migrantes, e criando um problema grande de saúde pública.

Mazzetti destaca que muitos migrantes são empregados domésticos.

“Se não controlarmos a circulação do vírus entre essas pessoas que entram em nossas casas para nos ajudar, não vamos controlar a circulação do vírus no país”, ele explicou.

Um porta-voz do ministro da Saúde disse que o governo pretende vacinar em breve os moradores de abrigos e centros de migrantes e que até agora isso não ocorreu devido à falta de vacinas. Segundo ele, assim que o país receber doses suficientes, dará a vacina a todos que quiserem.

Diferentes tentativas têm sido feitas no país para encontrar soluções. O papa Francisco ofereceu centenas de doses aos moradores de rua de Roma. E autoridades sanitárias locais em Roma e algumas outras regiões disseram às organizações que atendem migrantes que elas podem telefonar e marcar a vacinação de pessoas que estão no país em situação ilegal.

Mas os médicos da clínica que atende Vlado, administrada pela entidade católica Caritas, contaram que telefonaram e mandaram e-mails, mas não conseguiram marcar uma hora para ele ser vacinado.

A diretora da clínica, Giulia Civitelli, disse: “O governo fala que quer vacinar todo mundo, mas precisa nos explicar como”.

Uma migrante de 48 anos de Moldova que trabalha como cuidadora em Verona, sem documentação, disse que tentou marcar hora por conta própria para receber a vacina, mas foi recusada por não ter número de previdência social. Ela ficou decepcionada, mas não se surpreendeu.

“Não tenho contrato”, disse a migrante, pedindo para não ser identificada por medo de perder seu emprego. “Não tenho número. Não tenho direito a nada.”

Tradução de Clara Allain

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