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Diplomacia Brasileira Itamaraty

Indicação de Crivella a embaixador visa salvar a pele dele e a da Universal na África

Aceno de Bolsonaro à igreja de Edir Macedo também mira apoio evangélico na eleição de 2022

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Guilherme Casarões

Cientista político e professor da FGV-Eaesp (Fundação Getulio Vargas - Escola de Administração de Empresas de São Paulo)

Se depender da vontade do governo Bolsonaro, o ex-prefeito do Rio, ex-senador e bispo licenciado Marcelo Crivella será o próximo embaixador do Brasil na África do Sul. A indicação gerou dois tipos de reações: os que se indignaram com uma suposta “evangelização” da diplomacia brasileira e os que acham que o sobrinho de Edir Macedo não é qualificado o suficiente para a função.

O primeiro ponto exige uma reflexão à parte, mas parece equivocado falar em aparelhamento religioso da diplomacia profissional, que sobreviveu até mesmo a Ernesto Araújo. Quanto ao segundo ponto, Crivella é político experiente, fala inglês e passou dez anos como missionário na África. É até mais tarimbado que vários outros nomes que, por conveniência, já assumiram ou foram cotados para postos diplomáticos.

O ex-prefeito Marcelo Crivella durante evento no Rio
O ex-prefeito Marcelo Crivella durante evento no Rio - Mauro Pimentel - 20.mai.19/AFP

Apesar de o Itamaraty buscar resguardar embaixadas para diplomatas de carreira, essa exigência não é formal. No limite, a indicação é política. Os problemas do bispo são de outra ordem. Crivella chegou a ser preso em dezembro e é réu no processo do QG da Propina. Como embaixador, ele teria direito a foro especial e seria julgado pelo Supremo Tribunal Federal, fazendo de seu cantinho em Pretória um reino dos céus particular. Isso, em si, já seria chocante para um governo que se diz impoluto.

Só que o cálculo político de Bolsonaro é mais complexo: não se trata de ajudar um aliado —a quem o presidente deu as costas nas eleições municipais—, mas de recuperar o relacionamento com a Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo, de quem Crivella é porta-voz na política mundana. Às vésperas da corrida presidencial, essa máquina político-espiritual é incontornável.

Lá Fora

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Além de milhões de fiéis espalhados por todo o país, a Universal possui a segunda maior rede de comunicação do país, a Record, e está ligada a um partido político, o Republicanos, com 33 deputados e um senador. O pragmatismo desse grupo religioso, que já apoiou Lula e Dilma, difere do sectarismo de outras lideranças evangélicas, mais preocupadas com pautas conservadoras no Congresso.

Com a Universal, o jogo é outro. Empreendimento monumental que é, demanda que governos assegurem seu bom funcionamento, inclusive fora do país. Foi-se o tempo em que bastava distribuir passaportes diplomáticos para impulsionar o trabalho missionário além-fronteiras.

Hoje, espera-se que o Itamaraty interceda pelos pastores brasileiros —e às vezes pela própria Universal— em disputas políticas ou até criminais. Foi o caso da crise em São Tomé e Príncipe, que levou à depredação de templos e à trágica morte de um adolescente. A embaixada teve que ser acionada para evitar a expulsão da igreja e de seus pastores.

Em Angola, não tiveram a mesma sorte. Após brigas com pastores angolanos, a cúpula brasileira no país foi removida do comando —no que chamaram de “golpe religioso”— em meio a acusações de crimes como evasão de divisas e racismo. Bolsonaro chegou a enviar uma carta ao presidente angolano pedindo proteção aos brasileiros, mas não conseguiu reverter a recente deportação de 34 membros da igreja. Foi a senha para que o grupo de Macedo ameaçasse publicamente romper com o governo.

A indicação de Crivella veio a público no mesmo momento em que autoridades angolanas afirmaram ter provas contundentes de que a chefes da Universal e da Record em Angola cometeram crimes como lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, o que reforça a tese de que a ida do bispo para a África do Sul, posto mais estratégico do continente, é uma jornada para salvar sua própria alma e expiar os pecados da igreja, cujas ramificações africanas estão enfraquecidas.

Os cínicos perguntarão se os governos anteriores não fizeram coisa pior. Afinal, não faltaram celeumas envolvendo mineradoras e empreiteiras em países africanos. No caso, é como se Dilma Rousseff tivesse resolvido nomear, digamos, Marcelo Odebrecht como embaixador para salvar o legado de sua empresa, em meio às investigações da Lava Jato e a um ano de sua campanha para reeleição.

E com a possível bênção dos senadores da base aliada.

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