Mulheres afegãs conquistam 27% do Parlamento após décadas de guerra

Constituição elaborada no país em 2005 garantiu cotas na Câmara e no Senado

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Haseeb Bahesh
Hasht e Subh Daily

As mulheres entraram pela primeira vez no Parlamento do Afeganistão há 50 anos, na chamada "década de democracia", que começou em 1964, durante o reinado de Mohammad Zahir Shah, e depositou as bases do regime moderno no país. Entre os 216 membros do Parlamento do ex-rei, só havia quatro mulheres, mas as perspectivas do país sobre igualdade de gênero e liberdade em geral eram promissoras.

No entanto, um golpe de Estado pacífico efetuado dez anos depois pelo primo de Zahir Shah, Mohammed Daoud Khan, e a posterior e sangrenta revolução Sowr, também chamada de Golpe de Abril, praticada pelo partido Popular Democrático do Afeganistão em 1978, levaram essa promessa a um fim abrupto, juntamente com a monarquia parlamentar.

Sessão do Parlamento do Afeganistão
Sessão do Parlamento do Afeganistão - Parlamento do Afeganistão/Divulgação

Durante cerca de 15 anos as portas do Parlamento estiveram fechadas para todos. Durante os governos seguintes, em meio a tumultos culturais e religiosos, guerra civil e um período de 15 anos de regime Taleban, elas continuaram fechadas, mas só para as mulheres.

Foi só depois da queda do grupo radical, em 2001, que um acordo foi assinado na Conferência de Bonn (Alemanha) para confiar a redação de uma nova Constituição —a oitava— à Comissão Constitucional, com 35 membros. O esboço afirmava, no artigo 22, que os cidadãos afegãos, homens e mulheres, tinham direitos e responsabilidades iguais sob a lei.

A proposta também pretendia garantir os direitos das mulheres, suprimidos pelo Taleban, muitas vezes privando-as do acesso aos cuidados básicos de saúde e à educação.

Mohammad Ashraf Rasoli, hoje assessor sênior do ministro da Justiça afegão, foi um membro da comissão à época. Ele lembra do acalorado debate em torno desse artigo durante a revisão do texto no Parlamento. "Ele provocou muita polêmica, porque há diferentes interpretações do islã a esse respeito", disse ele. A discussão durou vários dias. "Finalmente, ficou decidido que os cidadãos do Afeganistão, homens e mulheres, têm direitos e deveres básicos diante da lei. As mulheres deveriam ter os mesmos direitos porque são seres humanos."

A nova Constituição de 2005 incluiu uma cota de assentos parlamentares destinada a mulheres, tanto na Câmara de Deputados como no Senado. "Houve muita discussão sobre o assunto. Todo mundo achava que, como as mulheres em nossa sociedade sofreram muito, uma certa parcela dos assentos devia ser reservada a elas."

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A medida ajudou as mulheres afegãs a terem um papel na supervisão e nos processos legislativos, e, até certo ponto, está abrindo o caminho para a igualdade de gêneros no país. Hoje, a lei garante às mulheres dois assentos para cada província na Câmara —o que representa uma fatia de 27% do total, segundo o especialista jurídico Waheed Farzayi—, ou um lugar se a província só tiver direito a dois ou três assentos.

Independentemente dessa cota, que garante uma participação mínima das mulheres, elas podem ocupar todos os assentos de uma província se ganharem a eleição com 73% dos votos ou mais.

Nas últimas eleições parlamentares, em 2018, algumas mulheres tiveram mais votos do que os homens. Hoje elas detêm 69 assentos dos 249 na Câmara de Deputados —27,7%. Dos 102 assentos no Senado, 34 são indicados pelo presidente do país, e a metade deles é reservada para mulheres.

Isso significa uma parcela superior à da maioria dos países da região e até de outros mais desenvolvidos, segundo o Banco Mundial —6% no Irã, 20% no Paquistão, 25% na China, 24% no Tadjiquistão, 25% no Turcomenistão e 32% no Uzbequistão. Só o último tem uma porcentagem maior de mulheres parlamentares que o Afeganistão.

No entanto, alguns afirmam acreditar que, sem essas cotas, poucas mulheres disputariam a eleição para o Parlamento, devido à natureza conservadora da sociedade afegã e à falta de consciência das mulheres sobre seus direitos.

"Os assentos especiais têm prós e contras", diz a deputada Shinkai Karukhil. "O benefício é que trata-se de uma oportunidade para as mulheres participarem da política e ganharem experiência. A desvantagem é que, como é garantido, as mulheres que disputam podem não ser capazes de representar as ativistas dos direitos das mulheres e podem não se sentir responsáveis por esses direitos."

Várias ativistas também dizem acreditar que, embora dar um lugar especial para as mulheres no Parlamento seja uma das maiores conquistas das afegãs nas últimas duas décadas, ainda há muitos desafios para garantir a igualdade de gêneros e a representação apropriada.

Mulheres durante sessão do Parlamento do Afeganistão
Parlamentares durante sessão do Parlamento do Afeganistão - Parlamento do Afeganistão/Divulgação

"Infelizmente, ainda há questões sobre votar em candidatas mulheres", diz Mari Akrami, diretora da Rede de Mulheres Afegãs. "E o fato de que muitas pessoas não votam em mulheres tem um impacto em seus direitos em todo o país."

Direitos que levaram décadas para serem conquistados, como a participação feminina de 27% no Parlamento, que ela teme estar ameaçada pelo ritmo atual das negociações entre o governo afegão e o Taleban.

Esta reportagem está sendo publicada como parte do projeto "Towards Equality", uma iniciativa internacional e colaborativa que inclui 15 veículos de imprensa para apresentar os desafios e soluções para alcançar a igualdade de gênero.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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