Pedido de namorada salva brasileiro de desabamento de prédio na Flórida: 'Milagre'

Empresário foi convencido a não voltar para casa; ele perdeu tudo e conhecia vizinhos vítimas da tragédia

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São Paulo

Desde a última quinta-feira (24), Erick de Moura, 40, vai duas ou três vezes por dia ao Champlain Towers South, prédio que desabou em Surfside, cidade ao norte de Miami Beach, no estado americano da Flórida.

De longe, ele observa o lugar onde viveu desde que se mudou para a cidade americana, há três anos.

Um dia, viu o tapete do quarto de hóspedes pendurado no meio de escombros. No outro, a cabeceira da cama. “Não tem nada. Acabou tudo”, diz. Até agora, 12 mortes foram confirmadas, e 149 pessoas estão desaparecidas. O empresário brasileiro afirma ser o único sobrevivente da sua coluna de apartamentos, aqueles com final 04.

O brasileiro Erick de Moura com a namorada, Fernanda; ele morava no condomínio Champlain Towers South, em Miami, que desabou, e estava na casa dela no momento da tragédia
O brasileiro Erick de Moura com a namorada, Fernanda; ele morava no condomínio Champlain Towers South, em Miami, que desabou, e estava na casa dela no momento da tragédia - Arquivo pessoal

À Folha ele conta dos vizinhos que conhecia e que estão entre as vítimas, fora os muitos que continuam desaparecidos. Relembra em detalhes, também, cada momento das sete horas anteriores ao colapso, a partir do momento que saiu de casa. Era para Erick estar lá na madrugada do desabamento, mas uma sequência de acontecimentos não previstos acabou mantendo-o a salvo do desastre.

Primeiro, veio o convite de sua namorada, a consultora de imagem Fernanda Figueiredo, 45, para que ele assistisse ao jogo de futebol entre Brasil e Colômbia, pela Copa América, na casa dela, junto com os três filhos de Fernanda e alguns amigos colombianos. Depois, um dos filhos da namorada decidiu dormir na casa de um amigo, e não o contrário, como haviam combinado. O filho mais velho, que estava na casa de outro amigo, também acabou ficando por lá. Fernanda, então, chamou Erick para dormir no local.

“O Erick já estava na porta, se despedindo, e eu falei: você vai ficar comigo. Até estranhei minha reação, não sei por que falei assim. Ele tinha entrado na água e estava com o short molhado, queria ir embora porque no outro dia tinha um compromisso de manhã, mas eu peguei o short, sequei, e ele ficou. Foi o que acabou salvando a vida dele”, diz ela. “A gente não tem essa coisa de na quarta-feira à noite estarmos juntos”, completa Erick. “Geralmente eu janto com ela e os meninos e vou embora. Foi totalmente atípico.”

Quando acordou às 5h20 para ir ao banheiro, viu no celular telefonemas perdidos e mensagens da porteira de seu prédio. “Você está bem?”, perguntava. Sem entender, ligou para ela. “Ela disse: ‘Ah, meu Deus, ainda bem que você está vivo. O prédio caiu. Tem gente morta’”, lembra. “Meu corpo inteiro se arrepiou. Aquilo não foi nem um choque no estômago. Foi como se eu tivesse levado uma pancada na cabeça.”

Inicialmente ele achou que havia caído uma parede ou uma varanda somente. Ao ligar a televisão, viu o vídeo do desabamento. “Aí foi desespero total. A cabeça já começou a pensar nas pessoas, a pensar que eu poderia estar ali. Que era para eu estar ali."

Ele diz que outros brasileiros que moravam no prédio se salvaram, como uma família de cinco pessoas que está no Brasil atualmente. Há também uma brasileira que estava visitando a mãe na hora do desabamento e que espera notícias do marido e do filho de cinco anos, que estão desaparecidos.

Uma das vítimas já identificada era conhecida dele: uma mulher que foi resgatada junto com o filho, mas que acabou não sobrevivendo.

O que fez com que o prédio de 40 anos desabasse em segundos ainda é um mistério. As autoridades locais disseram que a torre de 12 andares passava por obras em alguns setores. Imagens capturadas por uma câmera de segurança nas proximidades mostraram um lado inteiro do prédio colapsando em duas seções, uma após a outra, levantando nuvens de poeira por volta de 1h30 (2h30, no horário de Brasília).

​Erick perdeu tudo o que tinha e está hospedado em um hotel junto com os demais sobreviventes. Eles costumam se reunir à noite para contar suas histórias e dividir a angústia da espera por notícias dos desaparecidos. Ele se diz ainda em choque. “Até agora acho que não entendi o que está acontecendo. Não sei o que foi que fez com que eu não estivesse lá, se foi o poder de Deus na vida da Fernanda. Foi um milagre. Um milagre salvou a minha vida.”

Carta alertava há 2 meses para deterioração no prédio

De acordo com uma carta divulgada nesta terça-feira (29) pela mídia americana, a presidente da associação dos coproprietários do complexo Champlain Towers South, Jean Wodnicki, alertou os moradores há dois meses de que o prédio estava sofrendo uma "deterioração" crescente.

No documento, de 9 de abril, ele estimou ser necessário o investimento de cerca de US$ 15 milhões nas avaliações necessárias para resolver problemas estruturais. Desde 2018, “a deterioração do concreto se acelerou, e a condição do telhado piorou consideravelmente”, alertou Wodnicki.

Naquele ano, um relatório sobre a construção já indicava "danos estruturais significativos", bem como rachaduras no porão do prédio, segundo documentos divulgados pelo governo de Surfside.

“A impermeabilização sob as bordas da piscina e a via de acesso para veículos (...) já ultrapassou sua vida útil e, portanto, deve ser removida e totalmente substituída”, escreveu o especialista Frank Morabito no relatório, no qual pedia reparos “dentro de um prazo razoável", embora sem indicar um risco de colapso.

A Casa Branca anunciou que o presidente Joe Biden visitará na quinta (1º) o local do desabamento, acompanhado da primeira-dama, Jill. “Eles querem agradecer aos heroicos socorristas, às equipes de busca e resgate e a todos que trabalham incansavelmente 24 horas por dia”, disse a porta-voz Jen Psaki.

O democrata e sua esposa também desejam "encontrar as famílias obrigadas a suportar esta terrível tragédia, esperando com angústia e desolação saber sobre seus entes queridos, para oferecer-lhes conforto enquanto os esforços de busca e resgate continuam", acrescentou.

A prefeita do condado de Miami-Dade, Daniella Levine Cava, disse que atualmente há 210 pessoas trabalhando no local, inclusive de outras cidades e países. Em meio ao calor sufocante e à chuva, as equipes nacionais, junto com especialistas de Israel e México, verificam as ruínas dia e noite em busca de sinais de vida, coletando evidências de possíveis falhas críticas pré-existentes na estrutura do edifício.

Mas, apesar de todos esperarem por um milagre, as perspectivas tornaram-se cada vez mais sombrias com o passar das horas. O presidente Biden declarou estado de emergência na sexta-feira, o que permite ajuda federal para operações de resgate e realocação para os sobreviventes, e disse no fim de semana que seu governo estava "pronto para fornecer qualquer apoio ou assistência necessária".

As autoridades locais prometeram uma investigação completa sobre as causas da tragédia.

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