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Peruanas criam grupo para nadar em mar aberto como escape da pandemia e da política

Para encarar situação do país, amigas formam Las Truchas, iniciativa na qual se exercitam nas águas do Pacífico

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Buenos Aires

Elas passaram cem dias confinadas em casa, na primeira fase da quarentena imposta pelo governo peruano, quando a pandemia do coronavírus chegou ao país, no ano passado.

No 101º, algumas restrições foram retiradas, e as duas amigas puderam voltar a se ver. Ao se reencontrarem, decidiram fazer algo para se sentirem melhor. Ambas são esportistas, mas, naquela altura, clubes e academias seguiam fechados, e o uso de carro na cidade, muito restrito.

Como moram próximas ao mar, em Lima, Patricia Woyke, 64, e Karen Scheuch, 55, chamaram algumas amigas para nadar em águas abertas, embora poucas delas tivessem experiência nesse estilo. Assim, Woyke, criadora da primeira escola de windsurfe do Peru, nos anos 1990, e Scheuch, professora de pilates, foram orientando as colegas —e o grupo, batizado de Las Truchas (as trutas), cresceu.

Nadar no mar exige técnicas específicas, como o controle da respiração por várias horas. Também é necessário dar braçadas que sejam mais eficientes para cortar as ondas e superar marés e correntezas e respirar menos vezes para evitar o desgaste da cervical.

Nada que não seja possível aprender com esforço e treinamento constante.

No caso da capital peruana, colada ao Pacífico, uma região muito fria, roupas feitas de neoprene são aconselháveis. E também é preciso aprender a usá-las, porque há técnicas específicas para nadar com essa vestimenta. "Hoje somos mais de 60 nadadoras. Nadar logo de manhã dá outro ânimo para encarar o dia, neste país em que tudo está tão difícil, em que temos tantas notícias tristes devido à pandemia, além das restrições ao trabalho, das coisas que não podemos fazer", diz Woyke à Folha, por telefone.

"E, como se não fosse suficiente, esta situação política que só traz desamparo, nenhuma esperança. E, de repente, quando entramos no mar, estamos renovadas e com positividade para enfrentar o resto do dia."

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O grupo cresceu à medida que a flexibilização da quarentena permitiu a inclusão de amigas de outras partes da cidade. Para Woyke e Scheuch, que vivem próximas ao mar, a caminhada até o local de encontro já é parte do exercício, diferentemente de quem vem de longe e precisa de permissão para circular.

Outro obstáculo é que as praias continuam fechadas. É possível entrar nelas, mas não se pode ficar na areia e é preciso ir direto para o mar. E esse trânsito é controlado. "Já tivemos de correr da polícia no começo. Eles não estavam tão acostumados com nadadores de águas abertas aqui, assim como estão com surfistas. Hoje somos muitos. Além de nós, surgiram outros grupos, e isso foi facilitando as coisas."

O Peru está no final de um mandato presidencial caótico que debilitou suas instituições —foram quatro presidentes em cinco anos. Agora, o segundo turno da eleição reuniu dois candidatos pouco votados, o esquerdista Pedro Castillo e a direitista Keiko Fujimori. Todo esse cenário se desenrola em meio a uma pandemia que levou o país a liderar a taxa de mortos por milhão de habitantes na América do Sul.

"No nosso grupo, temos gente de diferentes posições políticas e buscamos não falar do assunto. Já estamos vivendo um dia a dia marcado por esse debate e sobre como encarar a pandemia, então é um desgaste muito grande com familiares e amigos. Juntas, Las Truchas só falam de natação", diz Woyke.

Além dos treinos durante a semana, em que elas nadam, em geral, de 3 km a 5 km, há um mais longo, aos sábados, que pode chegar a 10 km. E é preciso escolher as rotas, observar o mar, a correnteza, escolher o equipamento e contatar o barqueiro que as leva, o pescador Superman, que ajuda a definir os trajetos a cada dia. Aos domingos, não se nada. As praias estão totalmente proibidas.

"Uma vez estava saindo para nadar, e uma vizinha mais idosa me disse: 'Puxa, gostaria de ter feito isso quando era mais jovem'. Neste mesmo dia, encontrei um treinador para ensiná-la a nadar no mar, e hoje ela vai todos os dias conosco", afirma. No grupo, há pessoas de 18 até 83 anos de idade.

Agora, Las Truchas têm páginas em redes sociais, uma bandeira e começam a registrar com mais rigor seus trajetos, em que não raro se encontram, por exemplo, com leões-marinhos e golfinhos.

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