O promotor José Domingo Pérez, que trabalha na equipe da Lava Jato peruana, solicitou nesta quinta (10) ao juiz Víctor Zúñiga Urday a revogação da medida que concede liberdade provisória para Keiko Fujimori. Agora, o promotor quer que uma nova prisão preventiva seja determinada à candidata à Presidência do Peru.
Keiko, que busca na Justiça reverter a pequena diferença pela qual vem sendo derrotada na disputa com o esquerdista Pedro Castillo —ainda que o vencedor não tenha sido oficialmente anunciado—, é acusada de lavagem de dinheiro e de ter recebido caixa dois e suborno em suas campanhas eleitorais. Ela ficou presa por mais de um ano enquanto a investigação se desenrolava.
Pérez diz ter feito o pedido porque Keiko "não cumpre a restrição determinada de não se comunicar com testemunhas de seu processo". O promotor afirma que há evidências "públicas e notórias" de contatos com o deputado Miguel Torres Morales, também acusado e com quem Keiko estava proibida de falar.
No começo da tarde, a candidata convocou uma entrevista coletiva —justamente ao lado de Morales— para chamar a medida de ato político e dizer que não deixaria de "dar a cara à Justiça como sempre fez".
"Estou surpresa com o pedido ter aparecido hoje, justamente quando estamos pedindo que se respeite a democracia, acatando os nossos pedidos de impugnação de atas", afirmou Keiko. "Não vou me deixar distrair por esse pedido de prisão, minha atenção está focada na revisão das atas suspeitas."
O revés chega no momento em que a contagem de votos foi concluída. Com 100% das urnas apuradas, Castillo ostenta 50,20% da preferência da população peruana, contra 49,79% de Keiko.
Os órgãos eleitorais, no entanto, seguem nesta quinta o processo de revisão dos votos contestados —comum nas eleições no Peru, o procedimento, que pode durar até dez dias, adquire especial importância numa eleição acirrada.
Os 60 Júris Eleitorais Especiais (JEE) devem decidir, em primeira instância, a validade de milhares de votos contestados pelos delegados dos partidos de cada candidato. Depois, o Júri Nacional Eleitoral (JNE) analisa as decisões dos JEE e proclama o vencedor.
Mesmo sem o resultado oficial, o presidente argentino, Alberto Fernández, parabenizou Castillo, a quem chamou de "presidente eleito".
"Celebro que o querido povo peruano enfrente o futuro em democracia e com solidez institucional", escreveu.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também celebrou "a importante vitória no Peru" pelo Twitter.
"O resultado das urnas peruanas é simbólico e representa mais um avanço na luta popular em nossa querida América Latina", disse.
Outra petista a parabenizar Castillo pela vitória foi a ex-presidente Dilma Rousseff. Em seu Twitter, ela escreveu que a "vitória sobre a extrema direita é um alento para as forças progressistas latinoamericanos". "Castillo representa a esperança dos camponeses, indígenas e trabalhadores peruanos."
Já o presidente Jair Bolsonaro pôs em dúvida o processo eleitoral no país vizinho, na linha do que tem feito em relação ao sistema brasileiro —ele defende a adoção do voto impresso no Brasil.
"Estamos acompanhando a eleição no Peru. Não pode. Uma coisa esquisita. Alguns países da América do Sul, a eleição é decidida no photo chart [dispositivo eletrônico que determina diferenças entre concorrentes]. Esquisito. Parece que nos computadores tem uma trava. Parece", afirmou Bolsonaro em cerimônia no Palácio do Planalto.
"Queremos uma eleição no ano que vem, onde quem, porventura, ganhar, o outro lado imediatamente reconheça: 'parabéns, você foi melhor, boa sorte'. E não que paire a dúvida entre nós", disse o presidente.
O Ministério de Relações Exteriores do Peru, por sua vez, entregou uma nota de protesto ao embaixador da Argentina, ressaltando que o resultado das eleições peruanas ainda não foi anunciado pelas autoridades eleitorais do país.
Na tarde de quarta-feira (9), Keiko Fujimori tinha feito um pronunciamento em que apontou supostas irregularidades cometidas por apoiadores de Castillo, o que, para ela, constituiria "fraude sistemática". Ela também apresentou pedidos de impugnação de diversas atas de votação ao Júri Nacional de Eleições.
Quando apareceu à frente de Castillo, nos primeiros relatórios divulgados pela Onpe, o órgão eleitoral peruano, com quase seis pontos percentuais de vantagem, Keiko reagiu com moderação e pediu prudência a seus eleitores, afirmando que não havia vencedores ou derrotados na eleição e defendendo a unidade dos peruanos.
Ainda no domingo (13), durante o café da manhã com eleitores —uma tradição dos candidatos presidenciais no dia da votação—, ela disse que aceitaria os resultados e assumiu o compromisso de respeitar a vontade popular. "Será a decisão que o nosso país definir, se tenho que servir como presidente ou como uma simples cidadã."
O discurso de Keiko, no entanto, foi mudando de tom conforme a apuração avançava e Castillo assumia a liderança. A candidata acusou a existência de fraude e foi contrariada por observadores internacionais.
Já Castillo se declarou vencedor na terça-feira (8), embora os órgãos eleitorais não tenham feito nenhum pronunciamento oficial confirmando o resultado. De acordo com os números oficiais, só duas das mais de 86 mil atas —uma espécie de resumo da votação em uma determinada seção— ainda não foram apuradas. O esquerdista tem pouco mais de 70 mil votos à frente da adversária.
A pesquisa de boca de urna do Instituto Ipsos, divulgada logo após o fim da votação, no domingo, dava vitória à direitista —50,3% dos votos contra 49,7% de Castillo. Mais tarde, porém, uma contagem rápida feita pelo mesmo instituto apontou resultado inverso, com 50,2% para o professor de escolas rurais e 49,8% para a ex-congressista.
Se a vitória de Castillo se concretizar, ele será o primeiro presidente peruano sem vínculos com as elites políticas, econômicas e culturais. Sindicalista e professor do ensino médio, ficou conhecido ao liderar greves de docentes, a mais famosa delas em 2017. Castillo defende maiores salários aos empregados do setor da educação, tem um discurso anticorrupção e propõe dissolver o Tribunal Constitucional e a Constituição de 1993 —segundo ele, os responsáveis por permitir práticas irregulares.
Um sucesso dele representa, também, a terceira derrota de Keiko nas urnas —ela já foi candidata em 2011 e em 2016, perdendo ambas as vezes no segundo turno. Como consequência, a política, que assumiu há 15 anos a tarefa de reconstruir quase das cinzas o movimento político de direita fundado por seu pai, o ex-ditador Alberto Fujimori, em 1990, teria que ir a julgamento sob risco de acabar na prisão.
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