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STJ decide soltar refugiada presa há 6 meses em megaoperação policial

Entidades e parlamentares defendem que togolesa está detida injustamente

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São Paulo

O STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu libertar a refugiada Falilatou Estelle Sarouna, presa preventivamente desde dezembro do ano passado no âmbito da Operação Anteros, que investigou um megaesquema transnacional de golpes e extorsões online.

Entidades de direitos humanos, acadêmicos e parlamentares vêm defendendo que a imigrante do Togo é inocente e teve seu nome usado indevidamente pela organização criminosa em contas bancárias nas quais movimentavam valores ilícitos, conforme mostrou reportagem da Folha publicada na quinta (10).

Segundo decisão que foi ao ar no portal do STJ às 20h30 de sexta, o ministro Sebastião Reis Júnior concedeu o habeas corpus pedido pela defesa da refugiada, que agora poderá aguardar o julgamento em liberdade. O conteúdo da decisão deve ser publicado na próxima terça (15), e ela deve ser solta depois dessa data. Seus advogados pediram, porém, que a liberação seja antecipada.

Falilatou Sarouna, refugiada do Togo, em foto que consta da denúncia do Ministério Público na Operação Anteros
Falilatou Sarouna, refugiada do Togo, em foto que consta da denúncia do Ministério Público na Operação Anteros - Ministério Público

A operação Anteros indiciou 210 pessoas acusadas de participar de um esquema de golpes pela internet que deixou ao menos 437 vítimas em 24 estados do Brasil, com prejuízo estimado em R$ 24 milhões.

Segundo a Polícia Civil, os criminosos, a maioria dos quais nigerianos, usavam perfis falsos em redes sociais ou sites de namoro para se relacionar virtualmente com as vítimas. Depois, as extorquiam, ameaçando divulgar fotos íntimas —é o que a polícia chama de estelionato emocional.

Natural do Togo, Falilatou, 43, mora no Brasil desde 2014 e trabalhava como vendedora ambulante, sustentando seu filho de 12 anos e parte da família, que seguem no país de origem.

Ela foi acusada de ser uma das “correntistas” da organização, ou seja, de emprestar sua conta bancária para movimentar os valores ilícitos. Como prova, o Ministério Público apresentou boletins de ocorrência de vítimas do golpe em que a togolesa aparecia como titular de quatro contas e um formulário de abertura de uma dessas contas.

Só que a assinatura do formulário é em letra cursiva, sendo que Falilatou é analfabeta, segundo familiares e advogados. Além disso, a letra é muito diferente da assinatura que consta em seu documento de identidade (que é basicamente um traço), assim como em seu contrato de locação e em outros documentos assinados por ela com reconhecimento em cartório.

No alto, assinatura de formulário de abertura de conta em banco usada pela organização criminosa; acima, as assinaturas dos documentos pessoais de Falilatou Sarouna - Reprodução

Por ser analfabeta, Fali precisava de auxílio para operações bancárias e questões burocráticas, conta seu único parente no Brasil, um padre católico que mora em Salvador. Segundo a defesa da togolesa, ela foi vítima de golpe e teve seus dados utilizados pelos criminosos para abrir a conta em seu nome, sem seu conhecimento.

Segundo os advogados, outros dois elementos sinalizariam sua inocência: o primeiro é que ela não levava uma vida compatível com alguém que ganha dinheiro com atividades fraudulentas. De acordo com testemunhas, Fali acordava de madrugada para comprar roupas para revender e trabalhava o dia todo em uma calçada no Brás.

O segundo elemento é que ela própria se apresentou à polícia no dia da operação. Ao chegar em casa e ver que a porta havia sido arrombada, foi a uma delegacia abrir boletim de ocorrência, achando que havia sido furtada. Chegando lá, descobriu que a própria polícia havia entrado em sua casa para cumprir o mandado de prisão. E foi detida ali.

“Qual criminoso se apresentaria numa delegacia espontaneamente?”, disse Vítor Bastos, um dos advogados que estão atendendo o caso pro bono. Segundo ele, enquanto há provas de que outros réus que emprestaram suas contas voluntariamente, em troca de dinheiro, eram próximos a criminosos da organização, não há na denúncia nada que vincule Falilatou à quadrilha.

Bastos já havia tentado diversos recursos para que Falilatou aguarde o julgamento em liberdade, mas foram todos negados. Para ele, por se tratar de um processo de quase 20 mil páginas e com centenas de acusados, o juiz da primeira instância não analisou cada situação individualmente, concedendo habeas corpus a grupos com base em critérios genéricos —por exemplo, mães de crianças de menos de 12 anos de idade.

O caso de Falilatou foi tema de uma reunião, em 31 de maio, na Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Câmara Municipal de São Paulo, presidida pelo vereador Eduardo Suplicy (PT), da qual participaram representantes da USP, do Conselho Municipal de Imigrantes e da Ouvidoria da Polícia do Estado. Na reunião, o ouvidor da polícia, Elizeu Soares Lopes, disse que há, no caso de Falilatou, “muitas arbitrariedades” e que iria trabalhar “para reverter essa injustiça”.

Uma campanha apoiada por ONGs, grupos acadêmicos e por deputadas como Natália Bonavides, Sâmia Bomfim e Érica Malunguinho buscava dar visibilidade ao caso e arrecadar dinheiro para que o filho de Falilatou no Togo volte a estudar —ele teve que deixar a escola por não receber mais recursos da mãe.

O irmão de Falilatou, Mossi Anoumou, que havia desistido de trazer o filho da refugiada para o Brasil em março deste ano por causa da prisão, disse que agora vai retomar esses planos. "Quero trazê-lo o mais rapidamente possível. Já quero dar continuidade ao processo na semana que vem."

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