Em uma reviravolta na guerra civil que há oito meses atinge o Tigré, na Etiópia, os combatentes da região anunciaram nesta segunda-feira (28) a retomada do controle da capital, Mekele, enquanto o governo central retirou suas tropas e declarou um cessar-fogo unilateral de início imediato.
O movimento é uma mudança dramática em um conflito que começou em novembro, quando o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed Ali, iniciou uma ofensiva militar contra a Frente de Libertação dos Povos do Tigré (FLPT), partido nacionalista que governa a região. Ele justificou a medida acusando as tropas adversárias de atacar uma base militar do governo para roubar armas e outros equipamentos.
Por trás do argumento estão, na verdade, disputas étnicas históricas no país, uma vez que o atual premiê —o primeiro da etnia omora a assumir o poder— vem sendo acusado de perseguir os tigrínios, que governaram a Etiópia por três décadas. Abiy assumiu o posto em 2018 com o discurso de privilegiar o sentimento nacional em detrimento das divisões, algo posto em xeque com o conflito no Tigré.
Desde então, a província é palco de uma série de enfrentamentos armados que, de acordo com estimativas da ONU (Organização das Nações Unidas), já levaram 350 mil pessoas à beira da fome e milhões a abandonarem suas casas rumo a outros países, em especial o Sudão.
“Essa declaração de cessar-fogo unilateral começa hoje, 28 de junho de 2021, e irá permanecer [em vigor] até o fim da temporada de cultivo [setembro]”, disse em comunicado divulgado nesta segunda o governo, segundo o qual a decisão foi a pedido da gestão interina no poder até a retomada da capital pela FLPT.
A agência de notícias Reuters não conseguiu determinar se a suspensão das hostilidades foi debatida com os tigrínios. Em publicação na página do Facebook da Tigré Media House, afiliada à Frente de Libertação, Liya Kassa, uma das porta-vozes do partido, disse que eles vão lutar "até a saída dos inimigos".
Descrevendo cenas de celebração nas ruas, moradores da capital disseram ter visto tropas rebeldes na cidade pela primeira vez desde a expulsão pelo governo central. Eles também relataram que as forças oficiais empacotaram seus pertences e deixaram suas bases na manhã desta segunda.
Horas depois, a autoridade máxima do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), Henrietta Fore, acusou o Exército nacional de entrar no escritório da organização na capital Mekele e desmontar um equipamento de satélite. Fore disse que a ação viola as regras do direito internacional e pediu que os dois lados do conflito respeitem o trabalho das agências humanitárias. "A prioridade do Unicef no Tigré e na Etiópia é ajudar as crianças vulneráveis, incluindo as 140 mil que estão em condições semelhantes à fome", disse em comunicado. "Nós não somos e nunca deveríamos ter sido um alvo."
O secretário-geral da ONU, o português António Guterres, afirmou ter conversado com o premiê Abiy e estar esperançoso com um fim definitivo dos confrontos na região. "É essencial que civis sejam protegidos, que a ajuda humanitária chegue às pessoas e que uma solução política seja encontrada."
A reconquista de Mekele vem após uma escalada de tensões no conflito. Na última semana, um ataque aéreo de forças do governo a um mercado deixou ao menos 64 civis mortos e 180 feridos em Togoga. Os números foram divulgados pela população e por líderes locais, que também acusam o Exército etíope de impedir o acesso de socorristas à região para transferir feridos a um hospital da capital.
Na última sexta (25), três colaboradores da ONG Médicos Sem Fronteiras foram assassinados no Tigré enquanto prestavam ajuda humanitária —somente entre novembro e abril, quando se intensificaram os conflitos, a organização realizou 86 mil atendimentos na área.
O anúncio desta segunda se dá em meio às eleições nacionais realizadas na maior parte do país em 21 de junho. Na primeira semana de setembro, participarão os moradores de 20% dos distritos eleitorais que ainda não puderam realizar a votação devido a fatores como violência ou problemas logísticos.
O pleito é o primeiro grande teste do primeiro-ministro Abiy, que se manterá no posto caso a sua legenda, o Partido da Prosperidade, conquiste a maioria das 547 cadeiras da Assembleia Nacional.
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