China cresceu sem levar em conta a mudança climática e agora precisa enfrentá-la

Desenvolvimento econômico acelerado criou cidades despreparadas para eventos extremos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Chris Buckley Keith Bradsher Steven Lee Myers
The New York Times

O crescimento vertiginoso da China nas últimas quatro décadas erigiu cidades enormes onde antes havia aldeias e plantações. As cidades atraíram fábricas, e estas atraíram trabalhadores. O êxito tirou centenas de milhões de pessoas da pobreza e das duras condições rurais que enfrentavam.

Agora essas cidades encaram o novo desafio de se adaptar ao clima extremo causado pela mudança climática, uma possibilidade que poucos levavam em conta quando o país iniciou sua extraordinária transformação econômica. A urbanização rápida e confusa da China de certa forma tornou mais difícil enfrentar o desafio.

Nenhum evento climático pode ser ligado diretamente à mudança climática, mas a tempestade que inundou Zhengzhou e outras cidades do centro da China na semana passada, matando pelo menos 69 pessoas até segunda-feira (26), reflete uma tendência global de clima extremo que teve enchentes mortais recentemente na Alemanha e na Bélgica e calor severo e incêndios florestais na Sibéria. A enchente na China, que submergiu linhas de metrô, arrasou estradas e isolou aldeias, também salienta as vulnerabilidades ambientais que acompanharam o sucesso econômico do país, mas poderão miná-lo.

Crianças caminham por ruas alagadas em Xinxiang, na província de Henan, na China - Aly Song - 24.jul.21/Reuters

A China sempre teve inundações, mas, como escreveu em 2019 Kong Feng, então professor de políticas públicas na Universidade Tsinghua em Pequim, as inundações em cidades de toda a China nos últimos anos são "uma manifestação geral dos problemas urbanos" do país.

A vasta expansão de estradas, metrôs e ferrovias em cidades que incharam quase da noite para o dia significam que há menos lugares onde a chuva pode ser absorvida com segurança —perturbando o que os cientistas chamam de ciclo hidrológico natural.

China, Terra do Meio

Receba toda sexta-feira um resumo das principais notícias da China no seu email

Faith Chan, professor de geologia na Universidade de Nottingham em Ningbo, no leste da China, disse que as cidades do país —e há 93 com populações de mais de 1 milhão— se modernizaram em uma época em que os líderes chineses davam menos prioridade à resiliência climática que ao crescimento econômico.

"Se tivessem a oportunidade de construir uma cidade de novo, ou de planejar uma, acho que eles concordariam em fazê-la mais equilibrada", disse Chan, que também é professor visitante no Instituto de Pesquisa Water@Leeds na Universidade de Leeds.

A China já deu alguns passos para começar a abordar a mudança climática. Xi Jinping é o primeiro líder chinês a fazer da questão uma prioridade nacional.

Já em 2013, Xi prometeu construir uma "civilização ecológica" na China. "Devemos manter a harmonia entre o homem e a natureza e buscar o desenvolvimento sustentável", disse ele em um discurso em Genebra em 2013.

O país quase quintuplicou a área de espaço verde em suas cidades nos últimos 20 anos. Adotou um programa piloto para criar "cidades esponjas", incluindo Zhengzhou, que absorvem melhor as precipitações. No ano passado, Xi prometeu acelerar a redução de emissões e alcançar a neutralidade de carbono até 2060. Foi uma mudança tectônica em políticas e poderá ser uma na prática também.

A questão é se é tarde demais. Mesmo que os países como a China e os Estados Unidos cortassem rapidamente os gases do efeito estufa, o aquecimento dos já emitidos provavelmente terá consequências duradouras.

A elevação do nível dos mares hoje ameaça as metrópoles costeiras da China, enquanto as tempestades cada vez mais severas golpeiam as cidades do interior como Zhengzhou, que estão afundando sob o peso do desenvolvimento planejado às pressas, com edifícios e infraestrutura às vezes construídos precariamente.

Mesmo Pequim, que foi atingida por uma inundação rápida e mortal em 2012, que deixou 79 mortos, ainda não tem o sistema de drenagem necessário para sugar a água de uma grande tempestade, apesar dos marcos arquitetônicos reluzentes da capital que representam a ascensão da China.

Em Zhengzhou, as autoridades descreveram as chuvas torrenciais que caíram na semana passada como uma tempestade inédita em um milênio, que nenhum planejamento poderia ter evitado.

Mesmo assim, as pessoas perguntaram por que o novo sistema de metrô da cidade inundou, prendendo os passageiros enquanto a água subia constantemente, e por que um "túnel inteligente" sob o terceiro anel da cidade inundou tão rapidamente que as pessoas nos carros tiveram pouco tempo para escapar.

O agravamento do impacto da mudança climática poderia representar um desafio ao Partido Comunista Chinês, já que o poder político na China há muito é associado à capacidade de dominar desastres naturais. Uma revolta pública vários anos atrás devido à tóxica poluição do ar em Pequim e em outras cidades acabou forçando o governo a agir.

A experiência em Zhengzhou, porém, salienta a extensão dos desafios que estão pela frente —e os limites das soluções fáceis.

Antes uma mera encruzilhada ao sul de uma curva do rio Amarelo, a cidade se expandiu exponencialmente desde que as reformas econômicas começaram na China há mais de 40 anos.

Hoje, arranha-céus e torres de apartamentos se estendem à distância. A população da cidade duplicou desde 2002, alcançando 12,6 milhões.

As enchentes em Zhengzhou são tão frequentes que os moradores brincam sobre isso. "Não precisa invejar as cidades onde você pode ver o mar", dizia um comentário online durante uma inundação em 2011, segundo uma reportagem em um jornal local. "Hoje você pode ver o mar em Zhengzhou."

Vista aérea de estrada alagada em Zhengzhou, na província de Henan, na China - Aly Song - 23.jul.21/Reuters

Em 2016, a cidade foi uma das 16 escolhidas para um programa piloto de ampliação do espaço verde para mitigar as enchentes —o conceito de "cidade esponja".

A ideia, semelhante às que os urbanistas dos Estados Unidos chamam de "desenvolvimento de baixo impacto", é canalizar a água para longe dos espaços urbanos densos para parques e lagos, onde pode ser absorvida ou mesmo reciclada.

Yu Kongjian, reitor da Escola de Paisagismo da Universidade de Pequim, leva crédito por popularizar a ideia na China. Ele disse em uma entrevista por telefone que em seu rápido desenvolvimento desde os anos 1980 a China recorreu a projetos ocidentais que eram inadequados para os extremos que o clima do país já experimentava. As cidades foram cobertas de cimento, "colonizadas", como ele diz, pela "infraestrutura cinza".

A China, na opinião dele, precisa "reviver a sabedoria antiga e aperfeiçoá-la", reservando espaços naturais para água e vegetação, como faziam os agricultores antigos.

Sob o programa, Zhengzhou construiu mais de 4.800 quilômetros de nova drenagem, eliminou 125 áreas com tendência a enchentes e criou centenas de hectares de novos espaços verdes, segundo um artigo no Diário de Zhengzhou, um jornal estatal.

Um desses espaços é o Parque Diehu, ou Parque do Lago da Borboleta, onde salgueiros e árvores de cânfora rodeiam um lago artificial. Inaugurado em outubro, ele também foi inundado na semana passada.

"As esponjas absorvem a água lentamente, não depressa", disse na sexta-feira Dai Chuanying, um funcionário da manutenção do parque. "Quando há água demais, a esponja não consegue absorver tudo."

Equipes de resgate usam escavadeira para resgatar moradores ilhados em ruas alagadas de Xinxiang, na província de Henan, na China - 26.jul.21/AFP

Mesmo antes da inundação da última semana, alguns questionavam o conceito. Depois que a cidade teve uma enchente em 2019, o Diário da Juventude Chinesa, também do partido, lamentou que os altos gastos no projeto não tivessem resultado em melhoras significativas.

Outros comentaram que as cidades esponjas não são uma panaceia. Elas nunca se destinaram a chuvas torrenciais como a de Zhengzhou em 20 de julho, quando caíram 200 milímetros de água em uma hora.

"Embora a iniciativa da cidade esponja seja uma abordagem de desenvolvimento sustentável excelente para a gestão de tempestades, ainda é discutível se pode ser considerada a solução completa para a gestão de riscos de enchentes em um clima em mudança", disse Konstantinos Papadikis, reitor da Escola de Design da Universidade Xi’an Jiaotong-Liverpool em Xi’an.

As fábricas que impeliram o crescimento da China também produziram cada vez mais gases que contribuem para a mudança climática, enquanto também poluem muito o ar. Como outros países, a China hoje enfrenta as tarefas de reduzir as emissões e preparar-se para os efeitos do aquecimento global que, cada vez mais, parece inevitável.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.