Com aumento do cerco, filósofo de Hong Kong deixa de escrever e visita alunos na prisão

Chow Po Chung incentivava alunos a se engajarem no debate público, mas hoje teme que isso custe a liberdade deles

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Li Yuan
The New York Times

Quando tirou uma foto de um grupo de universitários da China continental, de Hong Kong e de Taiwan, em 2012, Chow Po Chung, um importante filósofo político, brincou que esperava que nenhum deles acabasse na prisão dali a dez anos. O grupo deu uma gargalhada.

Chow, que leciona na Universidade Chinesa de Hong Kong, tinha em mente os estudantes do território continental. Ele nunca esperou que fossem os dois de Hong Kong que estariam na cadeia quase uma década depois.

Chow Po Chung, a prominent political philosopher who teaches at the Chinese University of Hong Kong, on May 13, 2021. Chow has been deeply involved in Hong KongÕs pro-democracy movement. (Lam Yik Fei/The New York Times)
Chow Po Chung, filósofo que dá aulas na Universidade Chinesa de Hong Kong e participa de movimentos pró-democracia - Lam Yik Fei/The New York Times

Um ano após Pequim impor uma abrangente lei de segurança nacional no território para esmagar a oposição ao Partido Comunista governante, visitar amigos e ex-alunos na prisão se tornou parte de sua rotina. Um autor campeão de vendas e um intelectual público cujos livros e discursos apaixonados influenciaram muitos jovens ativistas pró-democracia em Hong Kong, Chow disse que a lei de segurança virou sua vida de ponta-cabeça.

Ele diz que está triste, irritado, culpado, deprimido —e às vezes orgulhoso e esperançoso. Ele também diz ter dúvidas sobre se ainda deve encorajar seus alunos a participarem ativamente de assuntos públicos, já que isso pode levar à perda de emprego e à prisão. Afirma ainda que precisa se lembrar de não deixar o medo invadir sua vida, como praticar a autocensura em sala de aula. Ao mesmo tempo, precisa avaliar os riscos que está assumindo e os limites que poderia forçar.

Seu trauma psicológico e dilema moral fornecem uma janela para uma cidade de 7 milhões de pessoas que sofreu uma queda vertiginosa de uma comunidade relativamente livre e ousada a uma que, no último ano, foi governada pelo autoritarismo.

Hong Kong sofreu injustiças demais, diz ele, tornando a cidade cada vez menos familiar. "Os valores centrais de toda a cidade desmoronaram", afirmou Chow. "Foram destruídos."

Chow esteve profundamente envolvido no movimento pró-democracia da cidade. Como estudante secundarista, protestou contra a repressão na Praça da Paz Celestial, em Pequim, em 1989. Ensinou a "Teoria da Justiça" de John Rawls no local do "Movimento dos Guarda-Chuvas" de 2014 e foi detido brevemente no último dia do protesto pró-democracia. Ele foi a muitas manifestações em 2019 como observador, assistindo à repressão impiedosa de Pequim. Tudo isso falhou, e a lei de segurança foi o golpe final.

"Coisas que não deveriam ter acontecido em uma sociedade normal aconteceram", disse ele em entrevista em sua casa, no campus da Universidade Chinesa de Hong Kong. "Estou falando sobre as pessoas mais proeminentes, o tipo de gente que deveria servir de modelo. Estão sendo atacadas e condenadas à prisão."

Durante duas décadas, Chow incentivou seus alunos a examinar o significado da vida e a tornarem-se cidadãos atuantes e conscientes, que ajudam a construir sociedades com base em valores como justiça e liberdade. Questionado se continua a ensinar a mesma coisa hoje, Chow faz uma pausa prolongada e abre a boca várias vezes, antes de contar que parou de dizer a seus alunos para serem participantes ativos.

"É claro, ainda digo a eles para se importarem com a sociedade e serem responsáveis por suas vidas", explicou ele. "Mas não é mais fácil lhes dizer o que devem fazer, porque participar de assuntos políticos e públicos se tornou um ato de alto risco."

Chow desfrutou o tipo de oportunidade e liberdade que Hong Kong costumava oferecer a seus moradores. Nascido na província de Cantão, no sul da China, migrou para a antiga colônia britânica em 1985, com 12 anos. Sua família vivia em um bairro pobre em Kowloon, mas ele prosperou nos estudos e se matriculou na Universidade Chinesa de Hong Kong.

Começou a ensinar nessa instituição em 2002 e se tornou um dos professores mais populares, conhecido por suas aulas apaixonadas e altamente engajadas.

Chow se orgulha de que muitos moradores continuem protestando com suas carteiras, comprando em lojas de propriedade de ativistas pró-democracia e doando para um fundo humanitário para os manifestantes de 2019 que precisam de tratamento médico e representação jurídica.

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Mas é cada vez mais difícil manter a esperança. Muitos dias do último ano começaram com más notícias. Na véspera de receber a reportagem, no início de maio, quatro ativistas pró-democracia foram condenados à prisão por participarem de uma assembleia não autorizada no ano passado. Um deles é Lester Shum, um ex-aluno.

Para demonstrar seu apoio, Chow vai a audiências judiciais e visita pessoas como Shum na cadeia. Ele descobriu que as prisões podem ser muito diferentes. A prisão feminina onde Chow Koot-in (que não é sua parente), outra ex-aluna, ficou presa parece um prédio de escritórios. Outra, onde a ativista Gwyneth Ho aguarda sua sentença, parece rígida, com muros altos.

A mais surreal é a prisão masculina em Stanley, um bairro elegante na ponta sul da ilha de Hong Kong. Mais de 30 ativistas políticos, incluindo o magnata do jornal Apple Daily, Jimmy Lai, estão presos lá. Os visitantes passam por mansões antes de chegar ao prédio. Em certas manhãs, a sala de espera parece uma reunião social, com visitantes bebendo café da máquina automática e conversando durante horas.

"É ao mesmo tempo absurdo e triste", diz Chow. "Parece uma cena de filme."

Sua vida online também mudou muito. Seus 45 mil seguidores no Facebook costumavam postar fotos de viagens e refeições. Hoje não muito. "A cidade está sofrendo", diz ele. "As pessoas se sentem culpadas por apreciarem a vida."

Os perfis que ele segue no Facebook também são um termômetro do medo. Quando a lei de segurança entrou em vigor, um ano atrás, Chow viu que alguns de seus seguidores mudaram de nome, adotando pseudônimos, ou apagaram suas timelines, enquanto outros simplesmente fecharam suas contas no Facebook para que as autoridades não possam processá-los por suas postagens. Agora sua página está cheia de nomes que ele não reconhece.

O perfil do próprio Chow mudou. Ele principalmente reposta coisas de outras pessoas, em vez de escrever textos originais, porque, segundo ele, não sabe como falar sobre seus problemas.

Ele quase não tem escrito artigos, quanto menos um livro. Seu último, publicado em junho de 2019 em meio a um redemoinho de protestos, foi "Our Golden Times" (nossa época dourada). Quando questionado se usaria o mesmo título hoje, ele fez mais uma longa pausa. Provavelmente não, respondeu. "Provavelmente é o início de nossa pior era."

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