Descrição de chapéu África

Cúpula aprova acordo de circulação de pessoas entre Brasil, Portugal e mais 7 países

Medida ainda depende de aprovação dos países e de definição das regras

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Lisboa

Após três anos de debates e mais de duas décadas de expectativa, a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) aprovou neste sábado (17) um acordo para facilitar a circulação de cidadãos entre nove países falantes de português, o que pode trazer vantagens para o intercâmbio de estudantes e profissionais.

A aprovação formal na reunião de chefes de Estado e de Governo, neste sábado (17) em Luanda, em Angola, marca o fim de uma longa etapa de negociações. O prazo para a implementação do acordo e os tipos de circulação que efetivamente serão implementados, porém, ainda são incertos. O bloco inclui Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste.

Viajantes chegam em aeroporto de Faro, em Portugal - Pedro Nunes - 17.mai.21/Reuters

Antes de entrar em vigor, o acordo precisa ser aprovado nos parlamentos nacionais dos países da CPLP, que terão liberdade para definir suas próprias regras de circulação. Será possível ter arranjos mais gerais e outros acordos bilaterais específicos.

“É um acordo que não vai ser aplicado de forma automática. Numa primeira fase, deve contemplar uma determinada categoria de pessoas, como estudantes, pesquisadores, artistas, jornalistas. É uma porta que se abre para que haja uma maior liberdade de circulação”, disse à Folha o secretário-executivo da instituição, Francisco Ribeiro Telles.

Neste sábado, em Luanda, o primeiro-ministro António Costa afirmou que Portugal deve ratificar o acordo já em setembro, após o fim do recesso de verão. Ele disse a jornalistas que um dos objetivos do acordo é facilitar o intercâmbio de profissionais e “não voltarmos a ter a crise dos dentistas brasileiros em Portugal [na década de 1980], ou, mais recentemente, dos engenheiros portugueses no Brasil”.

Kamilla Rizzi, professora da Unipampa (Universidade Federal do Pampa), considera que o acordo gerará avanços palpáveis na área acadêmica e de negócios. "O setor de intercâmbio acadêmico será mais rapidamente afetado. Já ocorrem muitas trocas de pesquisadores entre instituições desses países, mas com esse acordo de mobilidade isso tende a avançar muito mais”, diz. “Também há o potencial de facilitar muito as trocas comerciais, sobretudo entre pequenos empresários e empreendedores que fazem muito essa ponte entre Brasil e África ou entre Brasil e Portugal”.

Lá Fora

Receba toda quinta um resumo das principais notícias internacionais no seu email

Um grande desafio no cenário brasileiro, segundo a pesquisadora, pode ser a validação de diplomas e a autorização para o exercício de atividades profissionais, muitas vezes sob controle de entidades de classe, e não dos governos.

A ideia de criar uma política de circulação dentro da CPLP é quase tão antiga quanto o bloco, que acaba de completar 25 anos. As assimetrias econômicas e sociais entre os Estados-membros, no entanto, fizeram com que o assunto enfrentasse resistências internas.

Na avaliação de Rui Figueiredo, ministro de Negócios Estrangeiros de Cabo-Verde, o acordo vai aprofundar a integração dos países lusófonos. “Transforma uma comunidade de países em uma comunidade de pessoas, na qual os cidadãos possam sentir verdadeiramente integrados”, disse, logo após a aprovação inicial no Conselho de Ministros, em março.

Segundo ele, o acordo é uma espécie de entendimento de “geometria variável”, que permitirá diferentes arranjos. “As nuances têm a ver com a possibilidade de os países escolherem os tipos de acordos, o tipo de modalidades que querem consagrar relativamente a cada um dos países. Nós temos os países da CPLP que são Estados que se integram em diferentes espaços regionais, e não podemos fazer um acordo que fosse único para todos”, afirmou.

Para alguns especialistas, o fato de Portugal ser parte do chamado Espaço Schengen –que garante livre circulação na União Europeia e a países associados– pode ser um obstáculo às ambições portuguesas de mobilidade na CPLP.

A proposta do acordo foi apresentada por Portugal em 2016 e é um desejo antigo do primeiro-ministro António Costa, que chegou a incluí-la em seu plano de governo nas eleições de 2015. “Enquanto no domínio dos vistos [de curta duração] estamos sujeitos a uma política comum da União Europeia e temos margem limitada para flexibilizar, não existe nenhuma política comum europeia relativa à liberdade de residência”, afirmou Costam em 2018.

Na última cúpula presencial de alto nível da CPLP, na Ilha do Sal (Cabo Verde) em 2018, a delegação brasileira teve a presença do então presidente Michel Temer (MDB). Neste ano, o país é representado pelo vice-presidente, Hamilton Mourão (PRTB).

A ausência do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no encontro fora anunciada antes dos problemas de saúde que o levaram a se hospitalizar. Em visita a Lisboa no começo de junho, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Carlos França, afirmou que o lider brasileiro não iria ao encontro por questões de agenda.

Alguns analistas africanos, no entanto, sugerem que a ausência de Bolsonaro no encontro em Luanda poderia ter sido motivada pela crise entre a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) e o governo angolano. Representantes brasileiros da cúpula da Iurd estão sendo processados por autoridades do país africano.

Em uma análise sobre os bastidores da CPLP publicada no meio angolano Novo Jornal, a jornalista e socióloga Luzia Moniz classificou a ausência de Bolsonaro como previsível, "devido ao conflito que opõe a Iurd brasileira às autoridades, sobretudo depois da expulsão de dezenas de bispos brasileiros e da ‘nacionalização’ da Iurd em Angola”. Moniz destaca ainda a importância dos evangélicos na base eleitoral e governamental do presidente brasileiro.

A situação da Guiné Equatorial, comandada há mais de quatro décadas por Teodoro Obiang, também é motivo de desconforto no encontro. Admitido como membro pleno da CPLP em 2014, com a condição de abolir a pena de morte, o país ainda não cumpriu a promessa.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.