Para o cientista político cubano Javier Corrales, é uma ilusão pensar que o poder de repressão do regime da ilha esteja frágil, embora os protestos do último domingo (11) tenham sido uma surpresa devido à quantidade de pessoas que reuniu em diferentes cidades de Cuba.
Autor de livros como "Fixing Democracy" (2018) e professor do Amherst College, em Massachusetts, nos EUA, de onde falou à Folha, por telefone, Corrales é especialista em América Latina.
Os protestos foram uma surpresa? Os problemas por trás dos protestos não eram desconhecidos de ninguém, nem do povo cubano, nem do regime, nem da comunidade internacional. Todos sabíamos o que estava ocorrendo. Nesse sentido, não foi como o Chile, por exemplo, que causou surpresa na maioria das pessoas em 2019 porque pensava-se que lá tudo ia bem, ainda que não fosse verdade.
O que chamou a atenção em Cuba foi a quantidade de pessoas que foram se juntando, aparentemente sem medo, ao protesto. Cuba não teve protestos em massa nas últimas décadas. Havia alguns pontuais, logo abafados. E houve o "maleconazo", em 1994, mas mesmo esse não teve a dimensão dos deste domingo, porque ocorreu principalmente em Havana. O de agora foi nacional.
As pessoas perderam o medo ou foram movidas pelo desespero? Ou ambos? É possível que uma nova geração de manifestantes e as maneiras de convocar novos ativistas, via redes sociais, mostrem que há menos medo. Mas isso tende a se mostrar equivocado, porque não há sinais de que a capacidade repressiva de Cuba esteja mais frágil, e de fato não está. O desespero, devido à falta de alimentos e remédios, pode ter potencializado esse impulso que ganhou força com as redes sociais.
Por que diz que a capacidade de repressão do regime continua forte? Antes de mais nada, porque agem de modo diferente. Em outros países, você vê a repressão num dia, feridos, detidos, até mortos. E aí acaba tudo. Em Cuba, ocorre o contrário. As imagens de repressão que se viram neste domingo são o começo da repressão típica cubana. Primeiro prendem e identificam. No dia seguinte, vão descobrir onde trabalha, o que faz, essa pessoa vai perder emprego, seus familiares também, haverá várias formas de assédio até que ela se resigne ou deixe o país. Essa é a fórmula de sucesso que a repressão usa até hoje.
Díaz-Canel convocou os cubanos para defenderem o país dos manifestantes e provocou a reação da comunidade internacional. Mas isso é típico. É assim que o regime se mantém, com os que delatam o outro, cubanos apontando para cubanos. É claro que causa repúdio internacional, mas dentro do país os cubanos sabem que as coisas funcionam assim. E ainda que Díaz-Canel tenha amenizado na declaração, é exatamente o que será feito. Um estímulo para delações em troca de favores, tratamentos, comida.
As pessoas perderam o medo, em parte, porque Díaz-Canel parece mais frágil que os Castro? Não creio. Díaz-Canel em alguns sentidos tem sido muito mais linha-dura do que Raúl Castro, até para provar aos veteranos do partido que merecia o posto. Há decretos duríssimos. Um decreto relacionado à liberdade de expressão, de 2018, deu espaço para que o Movimento San Isidro surgisse, mas depois houve retrocessos em direitos civis, como a restrição às uniões igualitárias. Tem uma pauta conservadora e linha-dura.
Por que o decreto de 2018 sobre liberdade de expressão causou tanta rejeição? Desde o "período especial" [crise econômica causada pelo fim da União Soviética], os artistas gozam de grande liberdade na ilha, porque são um atrativo a mais, são uma riqueza popular e um produto turístico. Diria que eram bastante livres nos últimos tempos, tanto que há cantores e escritores famosos vivendo na ilha.
O decreto obrigou toda organização artística a se registrar e a dar conta de suas atividades. Isso significa mais controle. Uma coisa alimentou a outra. Esses eventos começaram a provocar o decreto, e o regime prendeu, ameaçou esses grupos, cuja atividade, ainda mais na pandemia, foi essencialmente online.
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