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Fantasma do fim do Partido Comunista soviético preocupa Xi Jinping

Líder chinês usa implosão da URSS como modelo a ser evitado e aposta na concentração de poderes

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Jaime Spitzcovsky

Além da leitura de obras de Mao Tse-tung e Deng Xiaoping, filiados ao Partido Comunista chinês costumam assistir, no périplo da doutrinação ideológica, a um documentário sobre a desintegração da União Soviética (URSS) e o colapso de sua estrutura de poder. O filme se soma a esforços de Xi Jinping para justificar pilares de seu regime: liderança personalista, centralizada e sem desafios no topo do regime, aliada ao controle férreo dos militares e à valorização da história e do papel das organizações partidárias.

O destino do Partido Comunista soviético simboliza um fantasma a assombrar Zhongnanhai, sede do governo em Pequim, e corresponde a um episódio minuciosamente estudado por Xi e seus estrategistas. Como resultado das análises, segue-se trilha oposta à de Mikhail Gorbatchov, derradeiro líder da URSS e arquiteto das reformas conhecidas como “glasnost” (transparência, em russo).

O líder chinês, Xi Jinping, secretário-geral do Partido Comunista, na celebração dos 100 anos da fundação da sigla, em Pequim
O líder chinês, Xi Jinping, secretário-geral do Partido Comunista, na celebração dos 100 anos da fundação da sigla, em Pequim - Ju Peng - 1º.jul.21/Xinhua

Em 2000, a Academia Chinesa de Ciências Sociais, diretamente subordinada ao governo de Pequim, formou grupos de estudo para esquadrinhar a debacle do império modelado por Vladimir Lênin, a partir de 1917. Os trabalhos contaram também com a participação de outros segmentos do PC e foram rotulados de “tópico nacional e fundamental de pesquisa”.

As conclusões acadêmicas e partidárias embasam a era Xi Jinping, iniciada em 2012. Em dezembro daquele ano, poucos meses após chegar ao poder, o secretário-geral do PC viajou à província de Guangdong, dínamo da indústria chinesa, para asseverar comprometimento com as reformas econômicas e, em encontros fechados com integrantes do partido, enfatizou a necessidade de evitar o naufrágio soviético, conforme relatou à época o jornal americano The New York Times.

A pregação alertava para a importância de anular “a podridão política, a heresia ideológica e a deslealdade militar”. Xi aplica à risca a cartilha anti-Gorbatchov nos últimos anos, com afastamento de rivais, concentração de poderes, sinalização de perpetuação no poder e aumento de controles sociais e sobre as Forças Armadas.

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No quesito dos fardados, lentes dos pesquisadores chineses focaram o fracassado golpe de agosto de 1991, quando comunistas ortodoxos tentaram interromper a “glasnost”, ao anunciar o afastamento de Gorbatchov, a tomada de poder e o envio de tropas às ruas de Moscou. A intentona fracassou porque Boris Ieltsin, então líder da Rússia, a maior das 15 integrantes da União Soviética, conseguiu mobilizar a resistência ao golpismo e fraturou as Forças Armadas, ao conquistar apoio de generais favoráveis às reformas.

Fatos posteriores ao golpe fracassado teceram um enredo de terror para Xi. Ieltsin, defensor da aceleração da “glasnost”, emergiu da crise fortalecido e, apoiado na onda anticomunista e nacionalista a varrer o território soviético, capitaneou o processo de desintegração da URSS, levou independência à Rússia e ceifou a carreira política do rival Gorbatchov, a quem acusava de ser hesitante na implementação das reformas.

A 6 de novembro de 1991, Ieltsin assinou o decreto 169, para banir o PC da URSS. Em discurso a ativistas partidários, no início de seu reinado, Xi apresentou uma análise para o desaparecimento do partido utilizado como modelo histórico. “Uma razão importante é que seus ideais e crenças foram abalados”, sustentou. “E, no final, não houve um homem corajoso o suficiente para resistir, ninguém veio contestar [o fim do partido]."

Na visão dos estrategistas de Zhongnanhai, Gorbatchov cometeu erro básico ao permitir o surgimento de um desafiante nas estruturas partidárias, já que Ieltsin, ao iniciar a busca pelo controle do Kremlin, integrava a cúpula diretiva do PC da URSS, antes de romper com o passado comunista. Tal percepção se reflete, em Pequim, na concentração de poderes nas mãos de Xi, inédita desde os tempos da ortodoxia maoísta.

E, na sequência da estratégia, o atual dirigente chinês quebra tradições partidárias, não sinaliza a escolha de um sucessor e demonstra apetite para, em 2022, obter um terceiro mandato de cinco anos à frente do Partido Comunista. São reflexos inequívocos das chamadas “lições soviéticas”.

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