Governos usaram software para invadir celulares de jornalistas e opositores, diz consórcio de imprensa

Autoridades teriam usado o malware Pegasus, criado por uma empresa israelense

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BAURU (SP)

Governos de ao menos dez países estão sendo acusados de usar um software israelense para invadir celulares e coletar ilegalmente informações sigilosas sobre jornalistas, ativistas de direitos humanos, religiosos, advogados e acadêmicos, entre outros.

As descobertas da investigação começaram a ser publicadas neste domingo (18) por 17 veículos de comunicação de diferentes países, como o britânico The Guardian, o americano The Washington Post, o francês Le Monde, o alemão Die Zeit e o israelense Haaretz.

Tela de smartphone fotografada em Nova Déli, na Índia - Sajjad Hussain/AFP

Segundo as primeiras informações, o vazamento de uma lista com mais de 50 mil números de telefone indica abuso generalizado e contínuo do software conhecido como Pegasus, desenvolvido pela empresa NSO Group, com sede em Israel. A companhia é investigada pelo FBI, a polícia federal americana, pelo menos desde 2017, sob suspeita de roubo de dados.

O Pegasus é um malware —programa criado para infectar computadores ou outros dispositivos— capaz de acessar smartphones sem que o usuário do aparelho necessariamente precise clicar em links maliciosos ou tenha comportamento descuidado na internet.

Assim, o operador do Pegasus consegue extrair conteúdo sigiloso, como mensagens —mesmo as criptografadas—, fotos e trocas de emails, além de acionar, remota e secretamente, câmeras e microfones.

O programa esteve no centro de uma crise entre militares brasileiros e Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). De acordo com reportagem publicada pelo UOL, em maio, o filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) teria tentado articular a compra do Pegasus sem que órgãos com prerrogativa para utilizar ferramentas desse tipo, como o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) e a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), estivessem envolvidos na negociação —o que excede os limites da atuação de Carlos, que é vereador no Rio de Janeiro.

Os 50 mil contatos presentes na lista vazada pertencem a pessoas identificadas como alvos de interesse por clientes da NSO desde 2016. A Forbidden Stories, uma organização de mídia sem fins lucrativos com sede em Paris, e a Anistia Internacional tiveram acesso aos milhares de números de telefone e compartilharam seu conteúdo com os 17 veículos de imprensa.

O trabalho em conjunto permitiu identificar grande parte dos nomes da lista, que inclui ao menos 180 jornalistas de veículos como Financial Times, CNN, The New York Times, Associated Press e Reuters.

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Há ainda centenas de executivos, figuras religiosas, funcionários de ONGs, dirigentes sindicais e membros de governos, incluindo chefes de gabinete, premiês e presidentes. A identidade das pessoas cujos nomes aparecem na lista vazada deve ser divulgada gradualmente nos próximos dias, segundo o Guardian.

O vazamento não permite afirmar quem são exatamente os clientes da NSO, mas a investigação aponta que a participação dos governos de ao menos dez países: Arábia Saudita, Azerbaijão, Bahrein, Cazaquistão, Emirados Árabes Unidos, Hungria, Índia, Marrocos, México e Ruanda.

A análise dos dados indica o México como o país com o maior número de telefones na lista, cerca de 15 mil. A investigação sugere ainda que o governo do premiê húngaro, Viktor Orbán, pode ter usado as ferramentas da NSO como parte da ofensiva contra jornalistas investigativos no país e executivos de órgãos de mídia independentes.

Além disso, há indícios de que autoridades da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos estabeleceram como alvos pessoas próximas de Jamal Khashoggi, jornalista saudita do Washington Post que foi assassinado em 2018. Isso teria ocorrido poucos meses após a morte de Khashoggi.

Não é possível afirmar que todos os 50 mil telefones da lista foram de fato invadidos pelo Pegasus, mas a análise forense de uma pequena amostra de aparelhos (67) indica que mais da metade (37) tinha vestígios do malware, segundo o jornal britânico.

A NSO afirma que não opera os sistemas que vende aos governos e que, portanto, não tem acesso aos dados dos alvos desses clientes.

Em nota emitida em resposta aos questionamentos do consórcio de imprensa, a empresa classificou de falsas as alegações feitas sobre o uso de suas ferramentas, mas disse que vai investigar as denúncias de uso indevido e tomar as medidas cabíveis. A NSO afirmou ainda que não é possível descrever a lista de contatos vazada como um conjunto de números "visados por governos que usam Pegasus" e descreveu a quantidade de telefones —50 mil— como "exagerada".

No mês passado, o grupo israelense divulgou um relatório de transparência que continha trechos dos contratos estabelecidos com os clientes. O texto determina que as ferramentas da NSO devem ser usadas exclusivamente em investigações criminais e de segurança nacional —conceito frequentemente referido por lideranças autoritárias como justificativa para repressão a opositores e dissidentes.

De fato, segundo o consórcio de veículos, há telefones entre os 50 mil contatos que pertencem a pessoas investigadas em processos criminais, mas a ampla quantidade de nomes que não têm nenhuma conexão com a criminalidade sugere que, no mínimo, alguns dos clientes da NSO estão violando os termos do contrato de uso de ferramentas como o Pegasus.

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