Haiti prende médico que vive nos EUA e o acusa de planejar assassinato para assumir Presidência

Polícia haitiana afirma que chegou a mandante após interrogar colombianos suspeitos

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São Paulo

Um médico haitiano que vive na Flórida, nos EUA, foi preso e acusado pela polícia do Haiti na noite de domingo (11) de planejar o assassinato do presidente Jovenel Moïse para assumir o comando do país.

Christian Emmanuel Sanon, 63, chegou ao país caribenho em junho, com um grupo de colombianos que fazia sua segurança, de acordo com informações do governo. "É um indivíduo que entrou no Haiti a bordo de um avião privado com objetivos políticos", afirmou Léon Charles, diretor da polícia nacional.

A polícia diz ter chegado a Sanon após interrogar os 18 colombianos presos. Eles apontam terem sido contratados pelo médico por meio da empresa de segurança venezuelana CTU, com sede na Flórida.

"A primeira pessoa para quem um dos criminosos telefonou foi Christian Emmanuel Sanon. Ele entrou em contato com outras duas pessoas, que consideramos mentores do assassinato do presidente", afirmou o chefe das forças de segurança, sem detalhar a identidade dos outros suspeitos.

Policiais perto de grupo de haitianos perto da embaixada dos EUA em Tabarre, no sábado (10) - Valerie Baeriswyl - 10.jul.21/AFP

Em uma entrevista por telefone nesta segunda-feira (12) ao jornal americano The New York Times, Michel Plancher, um professor de engenharia civil na Universidade Quisqueya, em Porto Príncipe, relatou que o médico se dizia um enviado de Deus para assumir a Presidência do país.

O professor contou ter recebido uma ligação para participar de uma reunião com Sanon, que dizia planejar uma campanha política. Apesar de nunca ter ouvido falar no médico, pesquisou na internet que ele era um pastor e que havia feito trabalhos de caridade. Decidiu então participar do encontro no início de junho.

“Ele disse que foi enviado em uma missão de Deus para substituir Moïse”, relatou Plancher ao jornal. “Ele falou que o presidente iria renunciar em breve, mas não disse o porquê.” Acrescentou que Sanon queria implementar um Plano Marshall —referência ao programa desenhado pelos Estados Unidos para reconstrução dos aliados europeus após a Segunda Guerra— para governar o país e mudar a língua oficial do francês para o inglês. “Ele pareceu um pouco maluco. Não quis mais participar.”

Ainda segundo o New York Times, ao ir atrás de Sanon, a polícia encontrou na casa dele um boné da DEA (agência americana de combate às drogas), munição, seis pistolas, 24 alvos de tiro não usados e quatro placas de carro da República Dominicana, país vizinho por onde entrou parte dos colombianos presos na operação. De acordo com autoridades haitianas, os suspeitos entraram na residência do presidente haitiano após se identificarem como agentes do DEA —o governo americano nega envolvimento do órgão.

Dois haitianos com nacionalidade americana já foram presos, além de 18 colombianos. Os haitianos-americanos foram identificados como James J. Solages, 35, e Joseph Vincent, 55. Segundo o New York Times, eles dizem terem sido contratados como tradutores pelos colombianos. Uma pessoa ligada ao governo americano, sob condição de anonimato, disse à agência de notícias Reuters que um deles já esteve ligado a uma agência legal dos EUA. Por meio do porta-voz Ned Price, o Departamento de Estado americano reconheceu, nesta segunda, sem dar detalhes, ter ciência da prisão de três cidadãos dos EUA.

O presidente dominicano, Luis Abinader, afirmou no domingo não ter informações sobre a passagem dos supostos assassinos colombianos por meio da fronteira terrestre da ilha caribenha. “Há um acordo segundo o qual, há vários anos, não é necessário visto entre Colômbia e República Dominicana. Portanto, qualquer cidadão colombiano que dê entrada no país, se não tiver problema com a Justiça, poderá entrar.”

Nesta segunda, o Haiti emitiu mandado de prisão a mais um colombiano —segunda a mídia do país sul-americano, um soldado aposentado— por participação no caso. As autoridades colombianas investigam a atuação de outros 21 cidadãos do país, a maioria dos quais militares reformados. Segundo Jorge Luis Vargas, comandante da polícia da Colômbia, três deles morreram em confrontos com agentes haitianos.

Vargas afirmou que 19 bilhetes para o Haiti foram comprados para os colombianos por meio da empresa CTU, que não respondeu aos pedidos de comentários da agência de notícias Reuters. De acordo com familiares, eles foram contratados como seguranças, não mercenários, e são inocentes.

Outra pista com a qual as autoridades colombianas trabalham são as viagens de Dimitri Hérard, chefe da segurança presidencial do Haiti, que está sob investigação. Ele voou diversas vezes para Equador, Panamá e República Dominicana via Colômbia entre janeiro e maio deste ano. O comandante colombiano afirmou, no entanto, que não pode criar hipóteses sobre o caso e que respeita a autonomia do Haiti.

Em meio às investigações em torno do assassinato do presidente, os EUA mandaram neste domingo uma equipe técnica ao Haiti para determinar quais as necessidades de segurança e de apoio no momento.

Chegaram ao país agentes do FBI, do Departamento de Estado, do Departamento de Justiça e do Departamento de Segurança Interna, que se reuniram, em encontros separados, com representantes da polícia nacional haitiana e com o primeiro-ministro interino, Claude Joseph, além de outros atores políticos, como o premiê nomeado por Moïse, Ariel Henry, e o presidente do Senado, Joseph Lambert.

A delegação retornou aos EUA nesta segunda. Segundo uma porta-voz, os representantes americanos encorajaram um diálogo aberto e construtivo para chegar a um acordo que permita ao Haiti ter eleições livres e justas. O presidente americano, Joe Biden, analisará as informações obtidas durante a visita para decidir como ajudar o Haiti, que vive grave crise provocada pela morte de Moïse. Nesta segunda, a secretária de imprensa da Casa Branca, Jen Psaki, disse não descartar o envio de militares.

Biden se vê frente a uma escolha difícil: a presença seria um revés na proposta do democrata de reduzir a atuação militar americana no exterior, como mostra a retirada acelerada do efetivo dos EUA do Afeganistão, onde a intervenção prometia ser breve e acabou durando duas décadas.

Por outro lado, uma omissão do democrata pode gerar uma nova crise de migração em massa rumo aos EUA —o Haiti, localizado no Caribe, fica a 1.100 km da Flórida. No sábado (10), dezenas de haitianos foram até a embaixada americana na capital, Porto Príncipe, para pedir asilo.

Segundo reportagem do New York Times, autoridades do governo Biden inicialmente não estavam dispostas a enviar soldados para ajudar o país caribenho, e, assim, o mais provável seria que os americanos ajudassem a treinar militares e policiais haitianos, sem se envolver em combates.

Em 1915, os EUA enviaram uma missão militar ao Haiti, também após o assassinato de um presidente, e acabou ocupando o país por 19 anos. Em 2010, após o terremoto, o governo de Barack Obama enviou US$ 100 milhões em ajuda. Cerca de 1 milhão de haitianos vivem nos Estados Unidos atualmente.

Um funcionário do governo ouvido pela Reuters sob condição de anonimato disse que a Casa Branca, para avaliar a situação, consultaria parceiros regionais e a ONU (Organização das Nações Unidas).

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Na sexta, autoridades do Haiti pediram que os EUA e a ONU enviassem tropas para ajudar a estabilizar o país. A presença de forças de paz das Nações Unidas depende de aval do Conselho de Segurança e traz à memória a presença de tropas internacionais no Haiti entre 2004 e 2017, em uma missão que teve protagonismo do Brasil. A força de ocupação deu algum semblante de normalidade ao país durante o período, mas, desde a saída da ONU, o Haiti retomou seu ciclo de instabilidade política e institucional.

As motivações em torno do assassinato de Moïse seguem sem serem esclarecidas, e ainda não se sabe quem foi o mandante do crime. Segundo o jornal Miami Herald, alguns dos suspeitos detidos disseram, em depoimento, que receberam a missão de prender Moïse e levá-lo ao palácio presidencial, mas que, ao chegar, encontraram-no morto.

De acordo com a imprensa local, Moïse foi achado com ao menos 12 marcas de tiros. “O escritório e a sala foram saqueados. Nós o encontramos deitado de costas, [usando] calça azul, camisa branca manchada de sangue e boca aberta”, disse o magistrado Carl Henry Destin ao jornal haitiano Le Nouvelliste.

Neste sábado (10), Jimmy Cherizier, líder de uma das gangues mais poderosas do Haiti, disse que seus homens poderão tomar as ruas para exigir respostas sobre o assassinato, o que ampliaria a instabilidade no país. Para ele, Moïse foi morto por um conluio que envolveu a burguesia, policiais e estrangeiros.

Com Reuters e AFP

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