Cidadãos americanos estão entre detidos suspeitos de matar presidente, diz ministro do Haiti

Autoridades ainda não forneceram evidências do suposto envolvimento dos seis capturados no assassinato

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BAURU (SP)

Depois de declarar uma batalha contra os responsáveis pelo assassinato do presidente Jovenel Moïse, as autoridades do Haiti prenderam nesta quinta-feira (8) mais suspeitos de terem cometido o crime. Na noite anterior, de acordo com o chefe da polícia local, quatro criminosos foram mortos, e outros dois, detidos.

Com as novas prisões, o número de capturados chegou a seis, entre os quais ao menos dois cidadãos dos EUA, segundo Mathias Pierre, responsável por assuntos eleitorais do país, ao jornal Washington Post.

De acordo com o ministro haitiano, um deles foi identificado como James Solages, mas o outro haitiano-americano preso não teve o nome revelado. As autoridades também não forneceram evidências do suposto envolvimento dos detidos no assassinato de Moïse.

A possibilidade de interferência estrangeira já havia sido apontada pelo embaixador haitiano em Washington, Bocchit Edmond. Segundo ele, os criminosos que invadiram a casa de Moïse alegavam ser membros da agência ​americana antidrogas (DEA, na sigla em inglês). Horas depois da acusação, Ned Price, porta-voz da diplomacia dos EUA, classificou a teoria de "absolutamente falsa".

Policial haitiano monta guarda em frente à residência onde o presidente Jovenel Moïse foi assassinado, em Porto Príncipe - Valerie Baeriswyl - 7.jul.21/AFP

Em pronunciamento na TV, o chefe da polícia, Leon Charles, disse que as forças de segurança do país estão empenhadas em prender ou matar os responsáveis pelo ataque ao presidente e à primeira-dama, Martine. Até agora, segundo ele, 28 suspeitos de envolvimento no crime já foram identificados —26 colombianos e os dois americanos-haitianos—, e a polícia ainda busca mais oito foragidos.

Para Charles, no entanto, a maior preocupação neste momento é encontrar os mentores da ação. Ele também pediu que a população ajude os agentes e evite causar tumultos.

Nesta quinta, centenas de pessoas se reuniram do lado de fora da delegacia na qual os suspeitos estão detidos, em Porto Príncipe. Aos gritos de "queimem-os", atearam fogo a um veículo que presumiram ser dos assassinos. A ação, que se soma a um longo histórico de manifestações violentas nas ruas do país, levou o premiê interino, Claude Joseph, a fazer um apelo para que a população não linche os suspeitos.

Ainda que as autoridades não tenham divulgado informações sobre as possíveis motivações do crime nem sobre a identidade dos agressores, o ministro das Comunicações, Pradel Henriquez, afirmou que os detidos são estrangeiros, uma hipótese já levantada pelo primeiro-ministro, segundo o qual os criminosos foram ouvidos falando em inglês e espanhol —os idiomas oficiais do país são o francês e o crioulo.

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De acordo com a imprensa local, citando o juiz encarregado do caso, o presidente assassinado foi encontrado com ao menos 12 marcas de tiros. “O escritório e a sala foram saqueados. Nós o encontramos deitado de costas, [usando] calça azul, camisa branca manchada de sangue, boca aberta, olho esquerdo furado”, disse o magistrado Carl Henry Destin ao jornal haitiano Le Nouvelliste.

Jomarlie, filha do casal, estava na residência durante o ataque, que ocorreu durante a madrugada, mas conseguiu se esconder num dos quartos. A primeira-dama, também baleada, foi transferida para receber tratamento em Miami e, segundo autoridades haitianas, está fora de perigo e em situação estável.

O país está em luto oficial por duas semanas. Enquanto isso, uma nova crise se desenha no alto escalão do governo, desta vez em torno do nome que deve suceder o líder autoritário.

Joseph, o primeiro-ministro interino, tem sido, na prática, o chefe de Estado. Foi ele quem anunciou a morte de Moïse, divulgou informes sobre o estado de saúde da esposa do presidente, fez apelos à comunidade internacional e ao Conselho de Segurança da ONU e disse estar no comando do país.

Nomeado primeiro-ministro em abril, tornou-se o sexto a ocupar o cargo sob a liderança de Moïse. Dois dias antes de ser assassinado, no entanto, o presidente fez outra indicação: o neurologista Ariel Henry deveria substituir Joseph e se tornar o novo premiê nesta quarta-feira.

O ataque ao presidente, porém, impôs-se como prioridade, de modo que Henry não foi oficializado no cargo. Mas a ausência de uma cerimônia formal de posse não o impediu de se considerar o novo premiê.

"Na minha opinião, ele [Joseph] não é mais o primeiro-ministro. Existem vários primeiros-ministros nomeados no país?", questionou Henry, em entrevista publicada nesta quinta pelo Nouvelliste. "Não quero pôr mais lenha na fogueira. Devemos evitar tanto quanto possível inflamar o país."

Para Henry, Joseph fez, em geral, um bom trabalho diante da crise, mas errou em alguns momentos, como ao decretar estado de sítio —medida que, por duas semanas, dá ainda mais poderes ao Executivo num país em que o Legislativo teve as funções praticamente anuladas pelo presidente assassinado.

Na visão do indicado a premiê, portanto, Joseph deveria retomar suas funções de ministro das Relações Exteriores. "Se não houvesse necessidade de outro governo, acho que Moïse não teria me procurado", disse Henry, acrescentando que as negociações para a formação de seu gabinete estavam avançadas.

Diante do impasse, o presidente da Suprema Corte seria o nome a preencher a lacuna deixada por Moïse, de acordo com a Constituição haitiana, datada de 1987. Assim, o último detentor do cargo, René Sylvestre, seria a solução para o vácuo de poder, mas ele morreu no mês passado, vítima da Covid-19.

Emendas à Carta —que, no entanto, não são reconhecidas por unanimidade por juristas haitianos— determinam que quem deve ocupar a Presidência é o primeiro-ministro, o que tem baseado as reivindicações de Joseph e Henry, mas ainda não está claro quem é, de fato, o premiê do Haiti.

Outra possibilidade prevista em lei determina que, se a Presidência ficar vaga no último ano de um mandato —como no caso de Moïse—, é o Parlamento o responsável por eleger o novo líder. Nesse sentido, uma ação prévia do presidente morto impede a aprovação que só pode ser dada pelo Legislativo.

No ano passado, Moïse suspendeu dois terços do Senado, toda a Câmara dos Deputados e todos os prefeitos —e vinha governando por meio de decretos desde então. Assim, sem o Parlamento atuante, nem Joseph nem Henry encontram respaldo na lei haitiana para ocupar a Presidência.

Henry, segundo a entrevista ao Nouvelliste, aposta na interlocução com a classe política do país, incluindo os dez senadores que ainda seguem em seus cargos. Além disso, disse estar em contato com atores da comunidade internacional, embora não tenha especificado a quem se refere.

Joseph, por sua vez, tem o apoio da ONU. Helen La Lime, enviada especial da entidade ao Haiti, reconheceu que "há pessoas em todos os lados tendo diferentes interpretações", mas afirmou que é ele quem está no comando. Segundo ela, o interino se comprometeu a manter o plano de realizar as eleições parlamentares e presidenciais marcadas para setembro.

“As partes interessadas precisam deixar de lado suas diferenças e traçar um caminho comum para avançar e superar este momento difícil de maneira pacífica”, disse La Lime, pouco depois de participar de uma reunião do Conselho de Segurança que, em caráter de urgência, discute a situação atual do Haiti.

Com o assassinato de Moïse, também surgiram dúvidas sobre a realização de um referendo constitucional agendado para 26 de setembro, mesmo data prevista para o pleito presidencial. À agência de notícias Reuters Mathias Pierre, ministro responsável por assuntos eleitorais, afirmou que os dois eventos serão realizados de acordo com o que havia sido planejado. "A votação é um requisito para obtermos um país e um sistema político mais saudáveis, então continuaremos com isso."

O Haiti já vivia uma crise política e uma disputa de narrativas antes do ataque ao presidente. De um lado, a oposição defendia que o mandato de Moïse havia terminado em fevereiro deste ano, cinco anos após a data em que ele deveria ter tomado posse, em fevereiro de 2016, caso a eleição de 2015 não tivesse sido anulada em meio a acusações de fraudes.

Do outro lado, o líder haitiano argumentava que seu mandato terminaria apenas em 2022, uma vez que ele só assumiu o cargo em 2017, após um ano de governo interino do qual não fez parte —posição defendida pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e pelos Estados Unidos.

O plano da oposição para trocar o comando do país exigia que membros da sociedade civil e líderes políticos escolhessem um novo presidente entre os juízes da Suprema Corte, em vez de esperar pelas eleições gerais de setembro. Mas essa estratégia levou à prisão mais de 20 pessoas, entre as quais um juiz da mais alta instância da Justiça haitiana e um dos inspetores-gerais da polícia, sob a acusação de envolvimento em uma tentativa de golpe de Estado e em uma conspiração para assassinar Moïse.

Com AFP e Reuters

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