Descrição de chapéu The New York Times

Máscaras se tornam símbolo de classe social em Nova York, e só serviçais usam proteção

Em bairros ricos, clientes, mesmo sem necessidade de apresentar prova de imunização, dispensam item

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The New York Times

Em uma noite recente no Le Bilboquet, um restaurante para ver e ser visto nos Hamptons, em Long Island (Nova York), convivas estribados beliscavam latas de caviar Osetra a US$ 475 cada uma (cerca de R$ 2.400). Um homem bonitão exibia seu relógio de ouro Audemar Piguet para sua companheira coberta de brilhos. Um grupo de dez pessoas de camisa polo e macaquinhos listrados dançava um remix de house tropical de "What’s Love Got to Do With It", de Tina Turner. Todos eles estavam sem máscaras, enquanto os garçons do local, barmen e outros mantinham as bocas e os narizes cobertos.

Uma cena semelhante se desenrolou na loja Gucci em East Hampton, onde compradores retiravam as máscaras ao ler a placa dizendo que clientes vacinados podiam entrar sem cobrir o rosto. Lá dentro, eram atendidos por vendedores com máscaras cirúrgicas azuis e brancas, uma política da empresa.

Clientes sem máscara fazem pedido para garçonete de máscara em restaurante de Nova York
Clientes sem máscara fazem pedido para garçonete de máscara em restaurante de Nova York - Sara Messinger/The New York Times

Nas semanas desde que o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) revisou suas diretrizes sobre máscaras, permitindo que pessoas totalmente vacinadas retirem as proteções na maioria dos ambientes internos, surgiu uma dura divisão, especialmente nos enclaves mais ricos em que os serviços custam muito caro. Os que ainda usam máscaras tendem a ser membros da classe serviçal —balconistas, garçons, porteiros, manicures, seguranças, recepcionistas, cabeleireiros e motoristas—, enquanto os que não usam cobertura facial são muitas vezes clientes abastados, bebendo e jantando.

Os empregadores hesitam em discutir suas políticas sobre máscaras, mas há motivos sensatos para exigir que os funcionários mantenham a proteção sobre o rosto. Pouco menos de 50% da população dos Estados Unidos está totalmente vacinada. E as variantes do coronavírus, algumas das quais altamente infecciosas e talvez mais resistentes a vacinas, estão aumentando, disse a doutora Lisa Maragakis, pesquisadora de saúde pública e professora associada na Universidade Johns Hopkins.

Pessoas que servem comida, balconistas de lojas, caixas de supermercados e outros trabalhadores que encaram o público, interagindo o dia todo com clientes, podem pôr em risco sua saúde e a dos clientes. Isso não apenas cria potenciais problemas de responsabilidade para os patrões como também pode paralisar uma empresa em tempos de mão de obra escassa.

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Mesmo em estabelecimentos que dão aos empregados vacinados a opção de retirar a máscara, muitos as mantêm no rosto. "Quem sabe quem tomou a vacina e quem não?", disse Michelle Booker, moradora do Bronx e vendedora em uma loja de telefonia em Manhattan. Ela usava máscara em uma terça-feira recente, embora a companhia permita que empregados vacinados as dispensem. "Não acredito na metade das pessoas que entra aqui", disse ela. "Ainda estou aterrorizada."

De um ponto de vista de relações públicas, os funcionários com máscaras passam uma mensagem sobre como a administração vê a saúde de seus clientes e funcionários. "Seus trabalhadores são profissionais sérios que levam a sério a segurança", disse Erin Vearncombe, professor na Universidade de Toronto, no Canadá, que estuda a sociologia dos códigos de vestimenta.

A divisão de classes resultante nem sempre é intencional, mas ainda pode ser assustador ver que as máscaras surgiram da pandemia como mais um símbolo de desigualdade.

Em uma loja Apple em Manhattan numa sexta-feira recente, clientes sem máscaras eram vistos comprando telefones de US$ 1.500 de vendedores mascarados que talvez não ganhem tanto em uma semana inteira. Em uma loja Sweetgreen próxima, funcionários com máscaras e aventais pretos —a maioria dos quais pessoas pretas— preparavam saladas de amoras com burrata de US$ 14 para uma clientela majoritariamente branca. "Isso manda uma mensagem —que foi interiorizada dos dois lados— de que o corpo do portador de máscara é 'mais arriscado' que o corpo do consumidor", disse Vearncombe. "Mostra que certos grupos têm, e até mesmo que merecem, mais liberdades civis que outros."

Alguns trabalhadores afirmam que o duplo critério da máscara —uma regra para clientes, outra para funcionários— é não apenas discriminatório como desafia a lógica.

"Os clientes precisam estar vacinados para não usar máscaras, mas não podemos pedir uma prova", disse Jose de la Rosa, 26, balconista em uma loja na Times Square. "E nós temos trabalhadores que estão totalmente vacinados, podem provar isso e ainda têm de usar máscara. É estranho."

Conforme mais americanos são vacinados, alguns estabelecimentos adotam uma política única para funcionários e clientes, permitindo que qualquer pessoa totalmente vacinada dispense a máscara.

Uma série de empresas —como Louis Vuitton, Verizon, Dior, Target e Home Depot— aplicam essa política em todas as suas lojas nos EUA. A Starbucks anunciou recentemente que trabalhadores vacinados poderiam retirar as máscaras a partir de segunda-feira. Mas por enquanto a divisão permanece em muitos lugares. Numa tarde recente em Hudson Yards, Mark Pasektsky, 49, um estrategista de publicidade, estava comprando camisas na Theory. Os vendedores que o ajudavam usavam máscaras. Ele não.

"É estranho, não é?", disse ele. "Você não pode culpar completamente os patrões. Como você institui confortavelmente uma política que proteja a todos? Você não pode responder porque não há resposta. Mas a psicologia por trás da outra abordagem é muito curiosa. Por que eles fazem os funcionários usarem máscaras, enquanto os clientes não usam? Todo mundo está confuso."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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