Descrição de chapéu The New York Times

Nova-iorquinos contam como é a sensação de poder fumar maconha livremente nas ruas

Fumantes de maconha têm os mesmos direitos de quem consome cigarros

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Iman Stevenson
Nova York | The New York Times

Quando o uso recreativo de maconha foi legalizado no estado de Nova York, em março, boa parte da mudança não foi imediata. Mas surgiu uma diferença perceptível imediatamente: embora ainda não seja legal comprar ou vender maconha em Nova York, fumar um baseado na rua deixou de ser crime.

Desde que respeitem as mesmas restrições que se aplicam aos fumantes de cigarros, os usuários de maconha podem consumir o produto onde quiserem.

Isso significa que uma ida furtiva a um “maconhodrómo” —um local discreto como uma plataforma de carga, cantinho à beira-rio, topo de edifício ou qualquer coisa parecida— deixou de ser necessária para quem quer fumar maconha. E, embora algumas pessoas talvez sintam falta da rotina, não tende a ser o caso entre os nova-iorquinos não brancos, que recebiam multas e eram detidos por posse de maconha em número muito maior do que os moradores brancos da cidade.

Abaixo, um panorama de como a experiência de fumar maconha nas ruas da cidade de Nova York mudou, de antes da legalização para depois.

​Sarah Pagan, 30, administradora de um escritório

O Blockhouse, no Central Park, “é uma parte básica do meu histórico com a maconha”, disse Pagan.

“Quando comecei a fumar, aos 18 anos, com um ex-namorado”, recordou ela, “nós matávamos aula e íamos para lá”. Na época, ela morava com os pais no Brooklyn, e ela e o namorado encontraram o Blockhouse, usado originalmente como uma fortificação em tempo de guerra, escondidinho em uma trilha em uma elevação do parque. Se as árvores não estiverem florindo, disse ela, pode-se ver a rua de lá.

“É um lugar sereno”, disse Pagan. “Você começa a esquecer que está na cidade, até que passe uma ambulância a caminho do hospital de Lennox Hill.”

Como o lugar fica em uma área de vegetação densa, e em um ponto elevado, ela não se preocupava com a polícia, mas tomava cuidado para não ficar tempo demais por lá, e não saía do local tarde, preferindo visitá-lo pela manhã ou no começo da tarde, por motivos de segurança, como mulher.

Pagan disse que se sente mais constrangida quando fuma na rua, porque crianças podem estar passando. Essa é “uma das coisas mais estranhas sobre o uso de maconha agora ser legal, porque, sim, você tecnicamente pode andar pela rua fumando onde quer que deseje, mas será que isso não causa tanto incômodo quanto a fumaça de cigarro?”, questionou ela.

Mary Pryor, 39, empresária e ativista da maconha

Pryor, que nasceu em Detroit, mudou-se para Nova York em 2005 e costuma visitar Pebble Beach, no distrito de Dumbo, no Brooklyn, quando deseja fumar —um local à beira da água que tem conexões importantes com a religião ifa, de origem africana, que ela segue.

“Você vem aqui, conversa com a água, conecta-se com Oxum”, disse Pryor, referindo-se a uma deusa associada à água em sua religião. Pryor disse que geralmente vai ao local pela manhã, e que fica sozinha, “para conversar com meus ancestrais, refletir comigo mesma sobre as coisas”.

Embora admita que não faz coisa alguma de diferente agora, o fato de que seja legal fumar maconha lhe oferece certo grau de confiança, “por poder fumar, sendo negra, e olhar na cara de um policial”.

Pryor, uma das fundadoras do coletivo Cannaclusive, que trabalha para ajudar no marketing e nos negócios das pessoas não brancas que trabalham com maconha, disse que deseja que Nova York “não cometa os mesmos erros que outros estados cometeram”, destacando o acesso ao capital como uma das muitas áreas deficientes nas políticas adotadas por outros estados.

Pryor sofre da Doença de Crohn e descreveu seu hábito da seguinte maneira: “Sem a maconha, eu não seria capaz de funcionar, ou de estar em pé aqui agora”.

Colin Thierens, 34, fotógrafo

Thierens encontrou seu lugar ideal para fumar depois de um rompimento amoroso. Ele costumava fumar com um amigo no apartamento que dividia com a namorada. Mas depois que eles se separaram, e Thierens voltou a morar com seus pais —que não são fãs de maconha—, ele começou a frequentar o Prospect Park.

“Podíamos fumar em Parkway”, disse, em referência a Eastern Parkway, a área em que ele vive no distrito de Crown Heights, Brooklyn, mas antes da legalização isso o deixava vulnerável diante das autoridades.

Ele começou a ir, logo depois do anoitecer, a um grupo de bancos colocados em uma elevação, um pouco acima do nível da rua. “Não planejávamos ir a este lugar específico”, disse ele. “Eu nem sabia que existia.” No ano passado, durante a pandemia, o local se tornou como que um quintal para algumas pessoas.

Também não é visível da rua, e por isso a polícia passava de carro sem perceber quando ele e o amigo estavam fumando.

A despeito de fumar regularmente no Brooklyn, ele descreveu problemas com a polícia não na cidade, mas em uma visita a Nova Jersey. “Eu estava caminhando na rua e fumando, como fumo agora aqui no Brooklyn”, disse. Thierens foi parado, detido e teve de pagar uma multa.

O momento representa um forte contraste com sua experiência atual. “Nós fumamos tranquilamente”, disse. “É muito agradável não ter de me preocupar nem um pouco.”

Risa Elledge, 26, instrumentista e profissional de marketing digital

No pico da pandemia, Elledge saiu de Bushwick, no Brooklyn, e foi morar com seu namorado e parceiro musical em Princeton, em Nova Jersey. Mas continua a voltar ao Domino Park, à beira rio em Williamsburg, sempre que “sinto que simplesmente preciso sair de Princeton”, disse ela. Elledge prefere fumar nos degraus piramidais diante do bebedouro; lá ela pode desenhar, ou dançar, levando um pequeno alto-falante preso ao cinto.

A despeito das novas regras sobre a maconha, ela ainda não mudou completamente sua mentalidade.

“Eu não fico preocupada quando fumo maconha”, disse. “Mas se vejo policiais por perto, fico inquieta, naturalmente.”

John Best, 64, corretor de imóveis

“A primeira vez que vim aqui foi em 1967”, disse Best, sobre o Washington Square Park, conhecido por décadas como porto seguro para usuários de maconha.

Best, que se criou no Brooklyn mas agora vive em Fort Lee, em Nova Jersey, recorda visitar a praça quando tinha nove ou dez anos de idade, com sua mãe, que trabalhava na Universidade de Nova York, do outro lado da rua.

“Os hippies”, disse ele, “foram as pessoas que começaram a socialização e o hábito de fumar maconha na praça”.

No começo da adolescência, o foco era o basquete, e por isso Best não fumava tanto quanto seus amigos, mas o clima do local o impressionava. Ele ia à praça principalmente para flertar, mas, por volta do final da década de 1970, ele começou a “experimentar e fumar um pouco mais”.

A polícia, claro, era sempre uma preocupação. “Se um policial ia à praça, às vezes apanhava alguém fumando”, disse Best, “mas quando isso acontecia, todas as outras pessoas que estavam por lá já sabiam que a polícia estava na área”.

Karamvir Bhatti, 28, modelo e designer gráfica

Bhatti vive em Elmhurst, no Queens, mas prefere não fumar lá. É uma área residencial demais, e ela quer evitar fumar perto das crianças do bairro.

O Brooklyn Bride Park, do qual ela gosta especialmente na hora do crepúsculo, é o lugar onde se sente segura para fumar maconha, mas admite que isso tem muito a ver com sua identidade.

“Sou uma mulher indiana”, disse ela. “Não sou negra. Os problemas que encontro por fumar significam alguma coisa diferente. Tomei consciência verdadeira disso com meu último parceiro —ele era negro, e, quando íamos fumar, ele dizia que não podia fazer aquilo nos lugares a que eu queria ir”.

Bhatti disse que em geral não é incomodada quando fuma na rua —ainda que em Elmhurst seja um pouco diferente. Os vizinhos dela “se incomodam e ficam encarando; fazem com que a pessoa se sinta desconfortável”, disse.

“Sou uma pessoa de espírito muito livre, mas também sempre desfrutei do privilégio de poder fazer o que quisesse, onde quisesse”, disse ela.

Susan Venditti, 64, professora aposentada de uma escola pública

Venditti se lembra de fumar ao lado do Prospect Park quando era adolescente, na década de 1970. Ela cresceu no distrito de Windsor Terrace, vizinho ao parque e, embora agora viva em Staten Island, ela tem passado muito tempo no Brooklyn, cuidando de uma irmã doente, na casa em que as duas cresceram.

“Nós sempre nos juntávamos ao lado do parque”, disse ela. “E quando tínhamos US$ 5 e carona para ir a Flatbush, comprávamos fumo.” Sua primeira experiência com maconha foi enquanto matava aulas na Brooklyn Tech High School, e ela indicou que a maneira pela qual é tratada como fumante não mudou muito com os anos. Em geral, ela sempre esteve acima de qualquer suspeita.

“Mesmo agora”, disse. “Eu poderia andar pela rua fumando um baseado e ninguém imaginaria que a fumaça é minha.”

Depois de se aposentar como professora de educação especial, ela se tornou ativista pela liberalização da maconha e trabalha com a divisão de Nova York da NORML, organização cujo foco é a reforma das leis referentes à maconha.

Independentemente de como você ganhe a vida, “há um tempo e lugar para tudo”, disse ela. “Da mesma forma que você precisa esperar até depois do trabalho para tomar um coquetel.”

Mesmo com a legalização, o estigma continua. “Quando eu ainda trabalhava, as coisas não eram tão abertas.” Ela acrescentou que “acho que se eu ainda estivesse lecionando eu provavelmente preferiria continuar anônima”. Venditti afirma acreditar que, se mais pessoas fossem sinceras sobre seu uso de maconha, isso terminaria por reduzir aos poucos as associações negativas que o uso da maconha tem para a sociedade. E, enquanto isso, ela trabalha para esse fim.

Tradução de Paulo Migliacci

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