ONU cumpriu sua missão no Haiti, e instabilidade é estrutural, diz general Santos Cruz

Ex-comandante de tropas internacionais afirma que força de paz da ONU melhorou país

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São Paulo

Ex-comandante da missão militar da ONU no Haiti, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, 69, diz que o país caribenho sofre as consequências de ter uma classe média restrita, um sistema judiciário caótico e uma infinidade de gangues de rua que têm ligações com políticos. Isso se traduz, segundo ele, na instabilidade política que levou ao assassinato do presidente Jovenel Moïse, nesta quarta-feira (7).

Para o general, que comandou as tropas entre janeiro de 2007 e abril de 2009, a ONU não pode ser responsabilizada pelo caos haitiano, porque nunca foi sua missão administrar o país. A Minustah esteve no Haiti por 13 anos, entre 2004 e 2017. “A missão foi cumprida. Você não pode achar que a tarefa da ONU é administrar um país, que mantém a sua soberania”, afirma Santos Cruz, que também foi ministro da Secretaria de Governo da Presidência no governo de Jair Bolsonaro.

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O general Santos Cruz em sua chácara, nos arredores de Brasília (DF) - Pedro Ladeira/Folhapress

A missão da ONU ficou 13 anos no Haiti, mas a instabilidade política no país persiste. Por quê? O país é desestruturado, tem uma classe média muito pequena, com uma massa muito grande de pessoas extremamente necessitadas. É um país dominado por um pequeno número de famílias, onde a Justiça e a política são caóticas. Você tem muitas áreas dominadas pelas chamadas “street gangs” [gangues de rua], o crime organizado, que tem como base financeira extorsão, sequestro, contrabando de drogas. Essas gangues são politizadas, os políticos as exploram para conseguir votos, fazer acordos. É a mesma coisa que acontece aqui, às vezes você tem notícia de político que faz acordo com o crime organizado.

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A ideia de a ONU ir para lá não era tentar mudar isso, ajudar a fortalecer instituições? Houve um fracasso? A missão foi cumprida. Você não pode achar que a tarefa de uma missão da ONU é administrar um país, que mantém a sua soberania. A prática política, a boa ou má administração pública, tudo isso é coisa dos nacionais. A solução dos problemas depende dos políticos locais, dos gestores, da sociedade local.

A Minustah melhorou a situação do Haiti em relação a 2004? Ao menos no período em que a missão esteve lá o país funcionou muito melhor. O que uma missão faz é pacificar a violência de origem política, não a da segurança pública. A outra coisa é facilitar ajuda financeira e humanitária. Você tem a presença de agências, Unicef, Banco Mundial, OMS etc. Fiquei lá dois anos e três meses, vi a evolução do comércio, ruas desertas que eram controladas pelas gangues e depois passaram a ter um comércio incrível.

Essa sensação de estabilidade não era artificial? Politicamente, mesmo quando a Minustah estava lá, todas as eleições sempre tiveram fraude, irregularidade. Todas, sem exceção, foram problemáticas.

Mas agora mataram um presidente. Sim, mas aqui no Brasil tentaram assassinar o principal candidato a presidente [Jair Bolsonaro]. O Conselho de Segurança da ONU é o órgão que estabelece as missões de paz. E só estabelecem quando a crise analisada é uma ameaça à segurança internacional. Além disso, o país tem que pedir, concordar, porque tem soberania. O assassinato de um presidente não é um fato que ameace a segurança internacional.

O que a comunidade internacional pode fazer para ajudar? O que sempre fez. Você tem doações, auxílios internacionais. Agora, se o governo funciona mal ou bem, se esse auxílio é bem administrado ou não, é uma coisa que você não consegue interferir tanto. Quando eu estava lá, a ONU deu dinheiro para reformar a escola da magistratura, fundamental para melhorar o Judiciário. Mas se vai melhorar ou não, é uma coisa que depende da prática local. A polícia haitiana recebeu um investimento muito grande também, eles têm uma ótima academia de formação de policiais.

E o papel do Brasil? A gente tinha uma influência grande quando tínhamos tropas no Haiti. A nossa diplomacia era muito atuante. Hoje não temos tanta.

Qual o futuro imediato do Haiti? O sr. vê risco de uma guerra civil? Não acredito que vá evoluir para isso. Eles têm que seguir a Constituição, as leis. Têm que se agarrar nisso e resolver o problema.


raio-x

Carlos Alberto dos Santos Cruz, 69
General da reserva do Exército, foi ministro da Secretaria de Governo na gestão de Jair Bolsonaro entre janeiro e junho de 2019 e comandou missões de paz da ONU no Haiti e na República Democrática do Congo

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