Premiê da Hungria aumenta aposta contra UE e anuncia referendo sobre lei LGBTQIA+

Medida aprovada pelo Parlamento proíbe menção à homossexualidade para menores de 18 anos e gerou reação de europeus

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Budapeste | Reuters

O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, intensificou nesta quarta-feira (21) sua guerra cultural com a União Europeia ao anunciar um referendo sobre uma uma lei que proíbe qualquer menção à homossexualidade para menores de 18 anos, aprovada pelo Parlamento do país em meados de junho.

Na última semana, a Comissão Europeia (braço Executivo do bloco) deu início a uma ação legal contra a medida, alvo de protestos tanto da UE como da população LGBTQIA+ na Hungria. Caso tenha sucesso na iniciativa, Bruxelas poderá suspender o financiamento do país enquanto a medida estiver em vigor.

O premiê da Hungria, Viktor Orbán, fala com repórteres ao chegar para encontro entre líderes da União Europeia, em Bruxelas
O premiê da Hungria, Viktor Orbán, fala com repórteres ao chegar para encontro entre líderes da União Europeia, em Bruxelas - John Thys - 24.jun.21/Reuters

Apesar disso, Orbán se mostrou pronto para aumentar a aposta. “O futuro de nossas crianças está em jogo, então não podemos perder terreno nessa questão”, disse o premiê em um vídeo publicado no Facebook. “Nas últimas semanas, Bruxelas claramente atacou a Hungria por sua lei de proteção às crianças. Leis húngaras não permitem propagandas sexuais em jardins de infância, escolas, na televisão e em comerciais."

Ainda não há data definida para o referendo em que os húngaros terão de responder a cinco questões: se apoiam a realização de palestras de orientação sexual nas escolas sem o consentimento dos pais; se acreditam que procedimentos de redesignação de gênero devem ser promovidos entre as crianças; se conteúdo que possa afetar a orientação sexual deveria ser mostrado a crianças sem restrições; e se procedimentos de redesignação de gênero deveriam estar disponíveis para crianças.

A legislação já aprovada foi apresentada pelo Fidesz, partido de Orbán, como emenda a outra proposta que estabelece punições contra o crime de pedofilia —uma manobra legislativa que, na prática, diminuiu as probabilidades de que os parlamentares votassem contra. O resultado se traduziu em 157 votos favoráveis e um contrário, já que a oposição boicotou a votação.

De acordo com o texto aprovado, "conteúdos que representem a sexualidade ou promovam desvio da identidade de gênero, mudança de sexo ou homossexualidade não devem ser acessíveis a menores de 18 anos".

A lei determina a proibição da exposição de pornografia a crianças e adolescentes —mais uma forma de garantir apoio parlamentar ao projeto.

Na prática, porém, segundo diversos grupos de direitos humanos, a restrição pode ser ampliada a qualquer material ou conteúdo que retrate orientações sexuais e identidades de gênero diversas, desde livros e filmes como Harry Potter até anúncios publicitários como os que a Coca-Cola veiculou no país em 2019. A propaganda do refrigerante mostrava um casal formado por dois homens e gerou uma onda de críticas e pedidos de boicote à marca por parte dos conservadores.

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Na véspera da votação, milhares de manifestantes se reuniram em Budapeste com bandeiras de arco-íris e palavras de ordem contra a proposta de lei. Já após a aprovação, houve forte reação dos integrantes da UE.

"Esta lei húngara é uma vergonha", afirmou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em comunicado no fim de junho. Ela disse que pediu a comissários responsáveis pelas áreas afetadas que exerçam pressão sobre o governo húngaro antes que o projeto de lei entre em vigor.

"Este projeto discrimina claramente as pessoas com base em sua orientação sexual. Vai contra os valores fundamentais da União Europeia. Dignidade humana, igualdade e respeito pelos direitos humanos. Não vamos transigir nesses princípios", diz Von der Leyen.

Ela afirmou que vai usar "todos os poderes da Comissão" para garantir que os direitos de cidadãos europeus sejam garantidos. "Quem quer que sejam e onde quer que vivam na União Europeia."

Também no fim do mês passado, 14 países da UE, entre os quais as quatro maiores economias do bloco —Alemanha, França, Itália e Espanha—, divulgaram uma declaração pedindo providências após a adoção da lei anti-LGBT. Já o premiê holandês, Mark Rutte, disse que o líder húngaro deveria respeitar os valores do bloco ou deixá-lo.

Desde 2018, o governo de Orbán está sob o processo conhecido como artigo 7º, um procedimento disciplinar para os países considerados em risco de violar os valores essenciais do bloco.

No limite, os procedimentos do artigo 7º podem levar à suspensão de direito de voto de um país no Conselho Europeu, órgão que reúne os governos dos 27 membros. Para isso, no entanto, é necessária aprovação unânime dos outros 26 países, algo improvável porque a Polônia, também sob investigação, apoia o governo de Orbán.

No poder desde 2010, o primeiro-ministro buscará um novo mandato no pleito de abril do ano que vem, no qual tentará sua quarta vitória eleitoral consecutiva. Para tal, tem apostado numa postura cada vez mais radical em políticas sociais, impondo restrições à comunidade LGBT, às discussões de gênero e às políticas de imigração, o que tem gerado um acirramento da polarização na Hungria.

Após o anúncio de Orbán nesta quarta, o prefeito de Budapeste, Gergely Karacsony, que disputa com outros candidatos da oposição a vaga para desafiar o premiê nas eleições do próximo ano, disse que irá tentar realizar um outro referendo em abril sobre políticas-chave do governo. Isso incluiria planos para construir uma universidade chinesa na capital e a concessão para administrar 2.000 km de estradas durante 35 anos.

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