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Quão comunista a China governada pelo Partido Comunista permanece hoje?

Comunismo prevê fim da propriedade privada e de uma elite rica, dois itens presentes no país

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São Paulo

A China é governada pelo Partido Comunista, mas atualmente não segue diversos preceitos comunistas, como o veto à propriedade privada e o combate à acumulação pessoal de riquezas, embora mantenha outros, como o controle estatal sobre a economia.

Definir o quão comunista é a China hoje é tarefa escorregadia, por haver muitas definições de comunismo.

Na visão de Karl Marx (1818-1883), o comunismo seria o estágio final da evolução econômica humana, que viria após o colapso do capitalismo e um período de transição —o socialismo—, no qual os trabalhadores assumem o controle da sociedade para criar as condições para a igualdade.

"A palavra comunismo não foi pensada para definir uma economia estatizada e isolada, mas um sistema mundial. Só assim poderia haver comunismo de fato", explica Osvaldo Coggiola, professor de história da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisador do marxismo.

Para Marx, uma sociedade comunista não teria empresas privadas: os meios de produção seriam de posse coletiva, e a economia, guiada por um planejamento único, conduzido pelos trabalhadores, e não pelos instintos de empresários e consumidores. Assim, os ganhos do trabalho seriam divididos de modo igualitário, sem que houvesse ricos e pobres. O filósofo também previa que as escolhas sobre os rumos da sociedade deveriam ser feitas com participação popular.

Marx, porém, não definiu as regras para organizar uma sociedade dessa maneira, e muitos teóricos e governos tentaram pensar como transformar suas ideias em mudanças reais.

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Após a Revolução Comunista de 1949, a China avançou na estatização da economia, mas houve maus resultados, como uma grave crise de fome gerada pelo "Grande Salto Adiante", programa de Mao Tse-tung.

A partir dos anos 1970, sob a batuta de Deng Xiaoping, a China iniciou uma abertura econômica, afastando-se de pilares do comunismo, como o fim da propriedade privada, e apostando em um modelo híbrido, chamado de “capitalismo com características chinesas”, “socialismo de mercado” ou “capitalismo de Estado”. As mudanças levaram o país a se tornar, hoje, a segunda maior economia global.

Assim, Pequim impulsionou o modelo em que companhias privadas competem entre si, ainda que sob rédea curta do governo. O país também abriu espaço para que empresas estrangeiras fabricassem produtos lá, atraídas por mão de obra barata e trabalhadores que cumprem longas jornadas.

“A ideia de governo central forte, vista no Ocidente como autoritarismo, já estava presente nas dinastias chinesas. Vem muito antes do comunismo", diz Suhayla Khalil Viana, pesquisadora no Instituto Universitário de Lisboa e professora na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

Marx também previa que, para atingir o comunismo, seria necessário primeiro ter abundância material —ou seja, a China estaria fazendo o bolo para depois dividir, mas fatiar a riqueza no futuro é desafiador.

O crescimento econômico tirou milhões de pessoas da pobreza e as levou para a classe média. Em 2020, o mercado de ações produziu uma grande onda de super-ricos, e o país tem hoje, segundo a Forbes, 626 bilionários, cifra inferior apenas à dos EUA. Em 2019, eram 388. Há dúvidas se essa elite, parte dela ligada ao Partido Comunista, aceitaria abrir mão de seus privilégios no futuro em prol do ideal de igualdade.

"O forte desenvolvimento do setor privado produz novas classes sociais. Para cooptá-las, o governo as convida a participar da política, por meio da filiação ao partido. Porém, com isso, elas se tornam uma classe alta com poder político e econômico. Como o poder desta elite poderá ser controlado?", questiona Branko Milanovic, economista especializado em desigualdade de renda, em artigo na Foreign Affairs.

Viana, do Instituto Universitário de Lisboa, diz que a China é uma sociedade de consumo e que em "20, 30 anos" não vê formas de reverter esse processo. "Seria muito difícil, e não aposto nessa intenção. As pessoas se acostumaram a valorizar símbolos de riqueza. Será difícil abrir mão disso repentinamente.”

Para Coggiola, o equilíbrio entre capitalismo e socialismo na China ainda está em processo e tem futuro incerto. "O resultado vai depender não só do que acontecer na China, mas também dos desdobramentos da política e da economia internacional", aponta. “Para chegar ao comunismo, os trabalhadores também precisariam se unir e se tornarem sujeitos autônomos.”

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