Descrição de chapéu
Y. Alp Aslandogan

Réplica: Um golpe controlado: contribuição de Erdogan para o manual de autocratas

Presidente da Turquia usa episódio de 2016 para concentrar poder e punir opositores

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Y. Alp Aslandogan

Diretor executivo da Alliance for Shared Values, organização sem fins lucrativos que é uma voz para organizações culturais afiliadas ao Movimento Hizmet e Fethullah Gülen nos Estados Unidos.

O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, junta-se aos líderes de países como Hungria, Belarus, Rússia e Filipinas como autocrata emergente que ganha cada vez mais poder após ser “eleito” para governar. Esses líderes compartilham táticas comuns que constituem um "manual do autocrata".

O manual inclui esquemas como ampliar o Poder Executivo às custas das instituições governamentais e Parlamentos; reprimir a dissidência democrática; apelar ao populismo e nacionalismo; controlar a imprensa e o fluxo de informações; manipular as eleições; abusar do estado de emergência e minar a independência judicial.

Erdogan usou todas essas táticas e acrescentou uma nova ferramenta para justificar mudanças constitucionais radicais: um golpe “controlado” ou “encenado”.

Cinco anos atrás, em 15 de julho de 2016, um terrível evento ocorreu na Turquia, quando um grupo de militares foi mobilizado no que parecia ser uma tentativa de golpe para derrubar o governo. Mais de 250 pessoas foram mortas e mais de 2.100 ficaram feridas.

Até hoje, muitos detalhes permanecem envoltos em segredo e censura. Nunca foi permitido nenhum inquérito independente, e o próprio inquérito do Parlamento turco nunca foi divulgado. Muitos jornalistas investigativos que poderiam esclarecer o evento foram presos em seguida.

Erdogan preencheu esse vácuo com propaganda, culpando falsamente simpatizantes do pregador turco Fethullah Gülen —que vive em exílio autoimposto nos Estados Unidos desde 1999. Gülen condenou o golpe e seus perpetradores enquanto ainda estava acontecendo, negou repetidamente qualquer envolvimento, convocou um tribunal internacional independente e prometeu cumprir sua decisão. Erdogan nunca respondeu a este chamado.

Em vez disso, Erdogan —que chamou a tentativa de golpe de "um presente de Deus"— usou esse episódio como desculpa para perseguir centenas de milhares de civis turcos inocentes, demitindo, prendendo, encarcerando, sequestrando e torturando as pessoas simplesmente por associação com o pacífico movimento Hizmet, que promove o acesso igual à educação de qualidade, diálogo inter-religioso, respeito mútuo e ajuda humanitária.

Durante os anos que antecederam 15 de julho de 2016, Erdogan adquiriu o controle de organizações de mídia, enriqueceu empresários leais e encurralou, demitiu e até mesmo prendeu promotores e juízes. Ao aprovar leis abusivas e exageradas de antiterrorismo, ele minou a independência do Judiciário e o transformou em um instrumento de punição política.

Os acontecimentos de 15 de julho permitiram que Erdogan fizesse mudanças constitucionais radicais para se tornar um presidente com enormes poderes e sem nenhuma prestação de contas. Ele também foi capaz de subjugar as Forças Armadas turcas, que haviam resistido a seus esforços de politização até aquele ponto.

Aparecendo na TV naquela noite, Erdogan alegou não ter conhecimento prévio do incidente e imediatamente culpou os apoiadores de Gülen nas Forças Armadas. No entanto, os governos e observadores ocidentais não ficaram convencidos. Os especialistas observaram a implausibilidade de um civil vivendo em outro continente organizar um golpe militar e não ser detectado pelos EUA, Turquia ou outras agências de inteligência.

Lá Fora

Receba toda quinta um resumo das principais notícias internacionais no seu email

Na verdade, o governo dos Estados Unidos, apesar de ter solicitado, não recebeu nenhuma evidência da Turquia que implica Gülen e se recusou a extraditá-lo. Os poucos militares que supostamente teriam ligações com Gülen mostraram sinais de tortura e, no tribunal, testemunharam que foram forçados a fazer falsas confissões durante a detenção.

Uma comissão de investigação do Parlamento britânico observou que não havia evidências publicamente disponíveis implicando Gülen. Os chefes de inteligência dos Estados Unidos e da Alemanha declararam que as alegações de Erdogan contra Gülen não eram apoiadas por provas.

A propaganda do governo de Erdogan, como o artigo de opinião do ministro das Relações Exteriores Mevlüt Çavusoglu publicado nessas páginas, costuma citar —e ilustrar por meio de fotos e vídeos— certos subeventos de 15 de julho como indicadores de um violento ataque à democracia. Isso inclui o bombardeio do Parlamento e da sede da polícia, alvos de civis, e um alegado ataque à vida de Erdogan. O que eles não dirão é que, embora sejam eventos horríveis que atraem a atenção global, não servem a nenhum propósito em um golpe militar real e são até contraproducentes.

Em golpes militares anteriores na Turquia, a ação militar começou no meio da noite, a fim de evitar vítimas civis, os militares considerando-se campeões do povo contra políticos corruptos. Para o Exército turco de 700 mil militares, o segundo maior da Otan depois dos Estados Unidos, a resistência de civis nunca foi uma preocupação, ao contrário das fotos romantizadas de cidadãos subindo em tanques.

Da mesma forma, nunca a polícia resistiu a um golpe militar, e não houve necessidade de agitar a força policial bombardeando seu quartel-general. Bombardear o Parlamento também não fazia sentido porque lá estavam representados partidos da oposição. Finalmente, os conspiradores de golpes militares estariam interessados em prender Erdogan e levá-lo a um tribunal para expor seu envolvimento em corrupção, em vez de matá-lo e torná-lo um mártir.

Todos os oficiais que foram mobilizados em 15 de julho citam fontes militares para sua mobilização. A explicação mais provável para os eventos daquela noite é que alguns comandantes militares de alto escalão, em conluio com Erdogan, ordenaram que seus subordinados se mobilizassem, apenas para abandoná-los para serem acusados de fazer parte de uma tentativa de golpe. Esses comandantes nunca foram investigados. Agora que os tribunais turcos perderam sua independência e tanto os acusados quanto as testemunhas temem por sua segurança e a de seus parentes, talvez nunca possamos saber a verdade.

De 2014 a 2020, a Turquia caiu de “parcialmente livre” para “não livre” e se tornou o pior autor da repressão transnacional, de acordo com a Freedom House.

Os grupos de trabalho das Nações Unidas emitiram várias decisões contra os sequestros transnacionais da Turquia, declarando-os violadores do direito internacional e dos direitos humanos fundamentais. O grupo de trabalho sobre detenção arbitrária observou que esses sequestros sistemáticos podem constituir crimes contra a humanidade.

A classificação da Turquia nos índices internacionais de independência judicial tem diminuído desde 2014, a primeira vez que Erdogan iniciou expurgos políticos no Judiciário. Na Turquia sob Erdogan, “lutar contra o terrorismo” simplesmente se tornou uma fachada para táticas que aterrorizam cidadãos pacíficos.

15 de julho não foi uma vitória da democracia para a Turquia; em vez disso, marcou a aceleração da tomada de poder maciça do presidente Erdogan e sua contribuição para o manual do autocrata.

Para uma verdadeira vitória da democracia, as dezenas de milhares de civis que estão presos com base na culpa por associação devem ser libertados, juntamente com vários jornalistas. Os autores de torturas na sequência de 15 de julho devem ser identificados e investigados. Mais de 150 mil funcionários públicos que foram demitidos sem justa causa devem ser reintegrados. A liberdade de deixar o país para cidadãos temerosos deve ser restaurada.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.