Tumultos na América Latina forçam Biden a rever ameaças à democracia perto de casa

Com influência regional enfraquecida, EUA veem conflitos em Cuba e no Haiti com preocupação

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Lara Jakes
Washington | The New York Times

O presidente dos EUA, Joe Biden, assumiu o cargo fazendo advertências ousadas à Rússia e à China sobre direitos humanos, enquanto pressionava as democracias do mundo a se erguerem contra a autocracia. Mas nesta semana ele enfrenta uma série de desafios semelhantes em países próximos ao seu.

Na segunda-feira (12), depois de enormes protestos em Cuba, Biden acusou as autoridades cubanas de "enriquecerem a si próprias" em vez de protegerem a população da pandemia de coronavírus, da repressão e do sofrimento econômico. Uma hora depois, o Departamento de Estado anunciou a revogação de vistos que permitiam a entrada nos EUA de cem políticos e juízes da Nicarágua, e seus familiares, como punição por solapar a democracia, reprimir protestos pacíficos ou abusar de direitos humanos.

O democrata Joe Biden, presidente dos EUA, durante discurso na Pensilvânia - Leah Millis - 13.jun.21/Reuters

No início da tarde, Biden voltou a citar o Haiti, pedindo que seus líderes políticos "se unam pelo bem do país", menos de uma semana depois de o presidente Jovenel Moïse ter sido assassinado em sua casa.
"Os Estados Unidos estão prontos para continuar oferecendo ajuda", disse Biden a repórteres na Casa Branca. Ele prometeu mais detalhes sobre o Haiti e Cuba mais tarde: "Fiquem ligados".

O turbilhão apresenta uma crise potencial mais próxima de casa, com um possível êxodo de haitianos, enquanto o governo Biden já enfrenta uma onda de migrantes na fronteira sudoeste. Também está obrigando a Casa Branca a enfocar a região mais amplamente, depois de anos de indiferença —ou atenção limitada— dos governos anteriores, republicanos e democratas.

"A tendência clara é que estivemos muito preocupados com as instituições democráticas ao longo do tempo", disse na segunda Patrick Ventrell, diretor de políticas para a América Central no Departamento de Estado. Ele avaliou que mais da metade dos sete países da região estão enfrentando contestações a sistemas de governo eleitos livremente.

Mas a influência regional dos EUA começou a diminuir na última década, conforme Washington se voltou para o combate ao terrorismo no Oriente Médio e enquanto a Rússia e especialmente a China passaram a financiar projetos e oferecer apoio político e outros incentivos.

Ryan Berg, bolsista sênior e acadêmico no programa das Américas no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais em Washington, disse que a China é hoje o principal parceiro econômico de pelo menos oito países da América Latina e que 19 países da região participam do extenso projeto de infraestrutura e investimento de Pequim conhecido como Iniciativa Cinturão e Rota.

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Os Estados Unidos "tomaram a América Latina durante décadas como uma fonte garantida de estabilidade e força", disse Berg. "Esquecemos de reforçar esses movimentos democráticos incipientes que poderiam canalizar parte dessa raiva que vemos hoje, em termos de rebeliões, em termos de capacidade de combate à corrupção, em termos de oferecer às pessoas bens socioeconômicos reais. Não reconhecemos a região da mesma maneira que antes."

Dez anos atrás, os EUA não viam "questões urgentes" permeando a América Latina e o Caribe, segundo uma análise do Instituto Brookings. Embora o influxo de imigrantes da região e a criminalidade e o tráfico de drogas perto da fronteira dos EUA fossem preocupantes, as autoridades confiaram nos governos latino-americanos para contê-los. A análise também notou um compromisso regional com a democracia e outros direitos humanos que descreveu como "dignos de nota, apesar de prática desigual".

Como vice-presidente durante o governo Obama, Biden supervisionou uma política que em 2015 restabeleceu as relações diplomáticas plenas com Cuba pela primeira vez em mais de meio século.

Importantes figuras republicanas e alguns democratas no Congresso rapidamente denunciaram a medida, e o presidente Donald Trump a reverteu em 2017, dizendo que a tentativa diplomática dava mais poder ao governo comunista de Cuba e enriquecia seus militares repressores. Nos últimos dias do governo Trump, Cuba foi reconsiderada um Estado patrocinador do terrorismo.

Em 2018, as eleições na Venezuela, amplamente vistas como fraudadas, foram um duro lembrete de que as instituições democráticas na região tinham ruído. O governo Trump aplicou sanções econômicas contra o presidente Nicolás Maduro e seus assessores e tentou colocar a população venezuelana contra ele ao apoiar Juan Guaidó, então líder do Parlamento do país, como seu presidente por direito.

A Venezuela, que já foi um dos países mais prósperos da América do Sul, é hoje um dos mais pobres, corroído pela corrupção e sanções que causaram o declínio de sua lucrativa indústria de petróleo. Maduro continua no poder, com a ajuda da Rússia e de Cuba.

Calcula-se que 4 milhões de refugiados deixaram a Venezuela desde então, criando uma das piores catástrofes humanas do mundo. Quase metade deles está na vizinha Colômbia, que nesta primavera no hemisfério norte enfrentou sua própria agitação, quando manifestantes irados contra os impostos e a fadiga do coronavírus se chocaram com forças de segurança.

Em uma entrevista em maio, o presidente da Colômbia, Iván Duque, disse não duvidar que os EUA continuarão apoiando seu país, apesar de preocupações sobre direitos humanos ligadas a sua tática de governo. "Todos devemos ser honestos e colocar as mãos sobre o coração por um momento", disse ele.

"Estamos vivendo tempos muito complicados no mundo todo. Temos altos níveis de polarização política. Vocês vivem nos Estados Unidos e sabem que, quando se combina polarização com redes sociais e opiniões que às vezes não se baseiam em uma compreensão exata, também podem gerar violência."

Mas o governo Biden está bastante consciente da natureza delicada da democracia na região. "Sejamos honestos: as democracias são coisas frágeis. Admito plenamente isso", disse Samantha Power, administradora da Agência para Desenvolvimento Internacional dos EUA, em um discurso no mês passado na Universidade Centro-Americana em San Salvador.

Ataques a juízes, jornalistas, autoridades eleitorais e outras instituições nos EUA salientaram que um ataque a liberdades e direitos civis podem acontecer em qualquer lugar, disse ela. Por isso, afirmou ela, "é tão importante se erguer contra corrupção e comportamento autocrático onde quer que ocorra —porque essas ações podem crescer e ameaçar a estabilidade, ameaçar a democracia e a prosperidade".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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