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Uma porta se abriu em Cuba, e não vai mais fechar, diz artista do movimento San Isidro

Para escritor Carlos Manuel Álvarez, exilado nos EUA, Díaz-Canel é movido pelo medo

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Buenos Aires

Jornalista e escritor, Carlos Manuel Álvarez, 32, está exilado em Nova York desde o início do ano. Perseguido pelo regime cubano por participar do movimento San Isidro, apontado como uma ameaça pelo líder da ditadura da ilha, Miguel Díaz-Canel, ele disse à Folha estar eufórico e apreensivo em relação aos protestos que ocorreram no último domingo (11). "Uma porta se abriu para nunca mais fechar."

Álvarez conta ter passado por diversos interrogatórios, principalmente depois de participar de uma greve de fome que pedia a libertação do artista e ativista político Denis Solís. No mesmo período em que se mudou para os EUA, foi selecionado pela revista Granta, especializada em literatura, como um dos 25 melhores escritores jovens em espanhol. É fundador de uma publicação independente, El Estornudo, no qual foram publicados trabalhos que ganharam prêmios, como o da Fundação Gabo.

O escritor cubano Carlos Manuel Álvarez, um dos principais nomes da nova geração da ilha - David Fernandez/Clarin

Como o senhor se sentiu no domingo? Eufórico, mas incompleto, já que estou longe. Creio que é como uma pessoa no exílio se sente. Ao mesmo tempo em que foi uma surpresa reconfortante ver que, por fim, as pessoas deixaram o medo de lado e foram às ruas, senti-me mal por não estar presente. Minha reação deve ser a mesma que outros exilados políticos sentem quando algo importante ocorre em seu país.

Eu quis fazer muitas coisas, escrever, falar, atuar a distância. Mas, de longe, parece que tudo que a gente faz não é suficiente. Lamento não ter estado em Havana, mas estou feliz e esperançoso.

Como o senhor define o movimento San Isidro? Começamos como um movimento artístico e cívico. Não imaginamos, no início, atuar diretamente na política ou contra o regime. O que nos uniu foi a inconformidade com o decreto da ditadura que limitou a liberdade de expressão [a norma, de 2018, obriga artistas a registrarem suas atividades e, assim, eles passaram a ser mais controlados], mas só viramos um grupo político depois que começamos a sofrer muitos atos de censura e perseguição.

De certo modo, a reação do regime acabou dando relevância política aos nossos encontros, e respondemos com um discurso político contra o governo. Mas não pensamos, no princípio, que poderíamos ser uma ameaça. Queríamos ser uma resposta artística e popular diante da ameaça contra a liberdade de expressão. Nossos encontros tinham música, leituras —incrível que tenham visto nisso uma força capaz de fazer o regime tremer. Creio que se transformou em algo diferente. Devido à difusão nas redes, virou uma referência contra quem estava indignado com a ditadura em várias partes do país.

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É curioso que Díaz-Canel tente desqualificar publicamente youtubers e artistas, parece que está assustado. Crê que o regime se encontra num momento de fragilidade? Pareceu nítido para mim que Díaz-Canel está com medo. Na verdade, seu medo não é algo novo, foi o medo que o transformou no herdeiro mais obediente dos Castro, naquele que resistiu a tantos degolamentos de outros líderes que queriam o mesmo que ele. O medo gera obediência, e ele age assim agora porque esteve com medo a vida toda. Ele precisa compensar o fato de não ser da geração revolucionária, de não ser um Castro, por isso usa o medo que ele mesmo sente para aterrorizar a população com essas ameaças que podiam ser consideradas desproporcionais no começo. Agora não, ele criou um inimigo real.

É difícil fazer previsões do que vai acontecer, depende da adesão dos militares e do aparato do governo ao projeto dele. Pode ser que ele se radicalize e convença a cúpula a se radicalizar, como ocorreu com [o ex-presidente da Venezuela] Hugo Chávez depois da tentativa de golpe em 2002. A outra opção é ele se fragilizar mais e, assim, dinamitar o sistema aos poucos.

O senhor foi detido mais de uma vez. Pode contar como é o aparelho repressivo do regime por dentro? Eles têm muitos recursos. Digo isso porque fizeram muitas coisas comigo, então creio que é porque desenvolvem essas diversas técnicas. Já fui sequestrado, preso e interrogado de maneiras distintas. Em geral, esses interrogatórios são muito longos, mas podem ter métodos diferentes. Alguns são agressivos, para tentar te quebrar com ameaças. Outros usam um tom conciliador, do tipo que mostra querer ajudar. Outros vão fazendo você falar para tentar fabricar um delito a partir do seu próprio depoimento. Depois dizem coisas dos seus amigos, da sua família. Tentam que você dê informações sobre as pessoas. Psicologicamente, são complicados de atravessar.

O senhor tem medo? Fico apreensivo, porque toda a minha família está em Cuba. Ligo a TV, vejo a lista dos presos, e muitos são meus amigos. É como se toda a minha bolha estivesse vivendo isso, e eu estou olhando de longe. De novo: os sentimentos são conflitantes. Quero que todos estejam seguros e bem e também fico orgulhoso de vê-los lutando. Tenho muita vontade de estar com eles.

O que pode acontecer agora? Não sei dizer se haverá uma nova ida às ruas imediata, mas as coisas estão muito tensas e está claro que uma porta se abriu para nunca mais fechar. O timing pode variar, a pandemia é um elemento que agrava tudo, mas não creio em recuo. Foi como se a maioria da população tivesse finalmente entendido uma lição depois de 60 anos. Mas as dificuldades são imensas, o fato de não haver uma oposição política, de estarmos em crise econômica grave. Tenho visto convocatórias e acho que haverá mais atos. Aí vamos poder medir o poder de reação do regime e traçar novos objetivos.


Raio-x

Carlos Manuel Álvarez, 32
Escritor cubano, formou-se em jornalismo pela Universidade de Havana. Em 2016, fundou a revista independente El Estornudo. É autor, entre outros, de “Falsa Guerra” (2021) e “La Tribu: Retratos de Cuba” (2017), ambos publicados pela editora mexicana Sexto Piso. No início do ano, exilou-se em Nova York após ser perseguido por integrar o Movimento San Isidro —rede de acadêmicos, ativistas e jornalistas que exige liberdade de expressão em Cuba.

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