Vaticano começa julgamento de cardeal por crimes financeiros

Defesa pediu adiamento para analisar evidências; acusações contra Angelo Becciu incluem peculato e abuso de poder

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Cidade do Vaticano | Reuters

O julgamento sobre um escândalo de milhões de euros referente à compra e ao financiamento de um edifício em Londres pelo Vaticano, que envolve um poderoso cardeal e dois altos funcionários da unidade de inteligência financeira do Vaticano, começou nesta terça-feira (27). Sua continuação, porém, já foi adiada.

O cardeal é o outrora poderoso Angelo Becciu, 73, que tinha carta branca em todas as áreas do Vaticano. Nesta terça, no entanto, ele passou por um detector de metal, assim como todos os outros, ao entrar na sala de audiência improvisada, com um olhar por vezes desanimado.

Ele então permaneceu em silêncio durante as quase oito horas de audiência, até que o julgamento foi adiado para 5 de outubro, a pedido dos advogados da defesa, pois ainda não haviam analisado todas as evidências das acusações, realizadas em 3 de julho.

Julgamento do cardeal Angelo Becciu e outros réus por crimes financeiros começa em uma sala dentro do Museu do Vaticano
Julgamento do cardeal Angelo Becciu e outros réus por crimes financeiros começa em uma sala dentro do Museu do Vaticano - Imprensa do Vaticano/Reuters

“O papa queria que eu fosse a julgamento. Sou obediente, estou aqui”, disse Becciu, que usava um terno de clérigo preto, com um colarinho de padre, antes de deixar a moderna sala no Museu do Vaticano. O local foi escolhido para o julgamento já que o tribunal é muito pequeno para receber os envolvidos no processo em meio às restrições da Covid-19.

Mesmo sem ser o local padrão, a sala foi adornada com um crucifixo pendurado na parede atrás do estrado do painel de três juízes. Perto havia uma grande fotografia do papa Francisco, o monarca soberano da Cidade do Vaticano.

Foi o pontífice quem demitiu Becciu no ano passado devido a suspeitas de nepotismo, fazendo com que o cardeal se tornasse a mais alta autoridade do Vaticano a ser acusada de crimes financeiros.

Francisco deu pessoalmente a aprovação necessária no fim de junho para que Becciu fosse indiciado, segundo um documento de 487 páginas ao qual a agência de notícias Reuters teve acesso.

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O cardeal recebeu cinco acusações de peculato, duas de abuso de poder e uma de indução de uma testemunha a perjúrio. Cerca de 75 páginas do documento são dedicadas a ele. O seu caso envolve também contratos com empresas ou organizações de caridade controladas por seus irmãos em sua ilha natal, a Sardenha.

Nascida na Sardenha, Cecilia Marogna, 40, que trabalhou para Becciu, também foi acusada de peculato. A acusação afirma que ela recebeu cerca de 575 mil euros (R$ 3,5 milhões, na cotação atual) da Secretaria de Estado entre 2018 e 2019, e que uma boa parcela teria sido usada para benefício pessoal, incluindo a compra de bens de luxo. Marogna havia dito anteriormente que o dinheiro era destinado ao resgate de missionários sequestrados na África. Já o ex-secretário do cardeal, o padre Mauro Carlino, é julgado por extorsão.

Dois corretores italianos, Gianluigi Torzi e Raffaele Mincione, foram acusados de apropriação indébita, fraude e lavagem de dinheiro. Torzi, para quem magistrados italianos emitiram um mandado de prisão em abril, também foi acusado de extorsão.

Nesta terça, apenas Becciu e Carlino estavam presentes na audiência —ambos se declararam inocentes. Os demais acusados usufruíram do direito de serem defendidos à revelia.

O dia foi dedicado principalmente a questões processuais. Ambra Giovene, advogada de Torzi, disse que seu cliente, que mora em Londres, está contestando o pedido de extradição feito pela Itália por supostos crimes financeiros não relacionados e tinha um impedimento legítimo para não ir à audiência.

Já os advogados de Mincione querem garantias de que, se ele for presencialmente ao julgamento, não será preso no Vaticano, como aconteceu com Torzi no ano passado, que ficou detido por dez dias.

A investigação sobre a compra do edifício se tornou pública em outubro de 2019, quando a polícia do Vaticano invadiu os escritórios da Secretaria de Estado, o coração administrativo da Igreja Católica, e o da Autoridade de Informações Financeiras (AIF) do Vaticano.

O então presidente da AIF, Rene Bruelhart, um suíço de 48 anos, e o ex-diretor italiano da AIF, Tommaso Di Ruzza, 46, foram acusados de abuso de poder por supostamente não protegerem adequadamente os interesses do Vaticano e dar ao corretor Torzi o que o indiciamento denominou "vantagem indevida". Di Ruzza também foi acusado de peculato relacionado ao suposto uso indevido de seu cartão de crédito oficial e de divulgação de informações confidenciais.

Em 2014, a Secretaria de Estado investiu mais de 200 milhões de euros, grande parte deles proveniente de contribuições de fiéis, num fundo administrado pelo corretor Mincione, comprando cerca de 45% de um edifício de luxo comercial e residencial na avenida Sloane, em Londres.

À medida que o negócio se tornou oneroso para os cofres do Estado, a Secretaria desembolsou outras dezenas de milhões de euros em pagamentos de taxas a intermediários na tentativa de alterar os termos da negociação e torná-la mais rentável. Junto a outros investimentos questionados, o prejuízo ao Vaticano chegaria a várias centenas de milhões de euros, segundo a imprensa italiana.

Na época, Becciu estava no último ano de seu cargo como vice-secretário de Estado para assuntos gerais, uma poderosa instância administrativa que movimenta centenas de milhões de euros.

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