Visita de chefe da CIA ao Brasil teve segurança regional como tema e reforço de ofensiva anti-China

Governo brasileiro comemora agenda como sinal de que cooperação em inteligência permanece, apesar de diferenças ideológicas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

A visita ao Brasil de William J. Burns, chefe da CIA, a agência de inteligência dos EUA, teve como foco temas de segurança na América do Sul e também serviu para o governo americano fortalecer a ofensiva anti-China junto às principais autoridades da administração Jair Bolsonaro (sem partido).

A passagem por Brasília foi cercada de mistério. Não houve aviso prévio da delegação, e a agenda de encontros foi mantida em sigilo. Na tarde de quinta (1º), ele foi recebido por Bolsonaro e pelos ministros Augusto Heleno (Segurança Institucional) e Walter Braga Netto (Defesa). O diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Alexandre Ramagem, também participou da audiência no Palácio do Planalto.

William Burns, diretor da CIA, durante audiência no Comitê de Inteligência do Senado americano, em Washington - Tom Williams - 24.fev.21/Reuters

Outro compromisso conhecido foi um jantar na residência do embaixador americano em Brasília, Todd Chapman, na região do Lago Sul. O Palácio do Planalto e a embaixada americana não forneceram qualquer informação sobre os temas tratados por Burns com as autoridades brasileiras.

Procurada, a CIA disse que não faria comentários. Apesar do sigilo, Bolsonaro disse a apoiadores que se encontrou com o diplomata e fez referências à China e à crise regional na Venezuela, entre outros países.

"O interesse do Brasil por [parte de] alguns poucos países é enorme. Alguns países dependem de nós, do que produzimos aqui. E esses países pensam 50, 100 anos à frente. E nós, aqui, infelizmente, quando muito, pensamos poucas semanas ou poucos dias depois", disse Bolsonaro, numa referência à China.

"Não vou dizer que isso foi tratado com ele [Burns], mas a gente analisa na América do Sul como estão as coisas. A Venezuela a gente não aguenta falar mais, mas olha a Argentina. Para onde está indo o Chile? O que aconteceu na Bolívia? Voltou a turma do Evo Morales. E mais ainda: a presidente que estava lá no mandato tampão [Jeanine Añez] está presa, acusada de atos antidemocráticos. Estão sentindo alguma semelhança com o Brasil?", acrescentou. Interlocutores consultados pela Folha disseram que segurança regional esteve entre os assuntos tratados, o que inclui a crise na Venezuela.

Lá Fora

Receba toda quinta um resumo das principais notícias internacionais no seu email

Antes de aterrissar no Brasil, Burns foi a Bogotá (Colômbia), o que reforçou o foco em segurança na América do Sul e Venezuela como um dos temas do roteiro. Há pouco, Joe Biden mudou a abordagem em relação à ditadura de Nicolás Maduro e manifestou disposição de revisar sanções impostas caso haja avanços significativos para o restabelecimento de processos e instituições democráticas no país.

O governo do democrata, por outro lado, já manifestou publicamente preocupações com a relação de Maduro com o regime iraniano e acusou os chavistas de tentarem comprar armas de Teerã.

Com a visita de Burns, o governo Biden também tenta reforçar a ofensiva anti-China, principalmente no front tecnológico. Conter a influência de Pequim no Hemisfério Sul é atualmente uma política de Estado nos EUA e independe do partido político que ocupa a Casa Branca.

O objetivo dos americanos é pressionar o governo Bolsonaro a criar barreiras à participação da empresa chinesa Huawei nas futuras redes 5G no país. O pleito faz parte da maioria dos diálogos sobre inteligência e cooperação em segurança entre os dois países. O argumento dos EUA é o de que a Huawei permite a espionagem do tráfego de dados por parte do governo chinês.

Na administração Bolsonaro, os defensores da limitação da atuação da Huawei estão justamente no Gabinete de Segurança Institucional, comandado por Heleno, e o assunto foi o motivo da viagem de uma comitiva aos EUA no início de junho —a missão foi liderada pelo ministro Fábio Faria (Comunicações).

Para além dos assuntos discutidos, autoridades brasileiras comemoraram a visita de Burns como um importante sinal de que a cooperação nas áreas de inteligência e segurança regional não deve ser afetada pelas diferenças ideológicas entre Bolsonaro e Biden. Bolsonaro era um admirador declarado do ex-presidente americano Donald Trump e, durante a campanha, disse torcer pela reeleição do republicano.

Desde a vitória do democrata, o tema mais importante da relação bilateral passou a ser o ambiente, e os contatos políticos esfriaram. O líder americano ainda não conversou com Bolsonaro e, após a investigação policial contra o ex-ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente), determinou a paralisação de negociações ambientais com o Brasil. Assim, o Planalto espera que a visita de Burns marque a normalização de um cronograma de visitas de segundo escalão das duas administrações.

Trata-se de uma sinalização importante para o governo Bolsonaro. O país ficou de fora do itinerário da primeira viagem para a América do Sul de Juan Gonzalez, diretor sênior para o Hemisfério Ocidental no Conselho de Segurança Nacional. Em abril, ele foi a Colômbia, Argentina e Uruguai, mas pulou o Brasil.

Colaborou Marina Dias

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.