Caos no aeroporto de Cabul deixa ao menos 7 mortos

Civis em desespero com volta de Taleban ao poder se agarram a avião em decolagem

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São Paulo

Um dia após o Afeganistão cair nas mãos do grupo extremista islâmico Taleban, o aeroporto de Cabul registrou cenas surreais de desespero de moradores buscando fugir da capital do país.

Na mais chocante delas, ao menos duas pessoas morreram após se alojar junto ao trem de pouso de um gigantesco cargueiro militar americano C-17 em plena decolagem.

O vídeo do episódio mostra os corpos caindo após a aeronave levantar voo e se estatelando na pista abaixo deles.

Não foi só isso: dezenas de civis fizeram o mesmo com outros aviões militares, e invadiram duas aeronaves comerciais estacionadas na pista.

O homem apontado por muitos como o responsável pela situação no país, o presidente americano Joe Biden, por sua vez, lavou as mãos.

Disse genericamente em sua primeira manifestação após a queda de Cabul no domingo, que as cenas na capital eram de “embrulhar o estômago”.

Mas o democrata defendeu sua decisão de deixar o país após 20 anos de guerra, iniciada para desalojar o mesmo Taleban, que hospedava a rede terrorista que cometeu os ataques do 11 de Setembro.

A pressão na retirada de tropas é vista como senha da vitória taleban, que varreu o Afeganistão em duas semanas.

No aeroporto de Cabul, foco mais simbólico da crise, ao menos sete pessoas morreram, de acordo com a agência de notícias Associated Press.

O aeródromo foi transformado na embaixada dos EUA e de outros países ocidentais, que transferiram seu pessoal de helicóptero para serem removidos em cargueiros.

Além dos americanos, britânicos, franceses e alemães fizeram o mesmo, dando apoio a outros aliados ocidentais.

Segundo a chanceler alemã, Angela Merkel, a prioridade será a retirada de 10 mil pessoas de Cabul, entre cidadãos de seu país, 2.500 afegãos que trabalhavam na sua embaixada e ativistas humanitários.

Pelo menos 2.000 pessoas haviam passado a noite na pista do aeroporto, buscando alguma janela para deixar o país. Inútil, dado que não havia mais voos comerciais saindo da capital desde domingo.

Após a trágica manhã desta segunda-feira, os americanos suspenderam até mesmo os pousos militares, obrigando um avião alemão a desviar para o vizinho Uzbequistão.

Isso não impediu empurra-empurra e mais violência.

Ao menos duas pessoas foram mortas, de acordo com o Pentágono, por se aproximarem armadas de barreiras com soldados americanos.

“Forças militares americanas estão trabalhando junto a tropas turcas e de outros países para esvaziar a área. Não sabemos quanto tempo isso levará”, afirmou John Kirby, porta-voz do Departamento de Defesa americano.

Além disso, os EUA recomendaram que empresas aéreas evitem voar também sobre o Afeganistão. Desde domingo, isso foi acatado por United Airlines, British Airways e Virgin Atlantic.

Na segunda, foi a vez de Qatar Airways, Singapore Airlines, Taiwan’s China Airlines, Air France, KLM e a Lufthansa.

Até aqui, o Taleban tem cumprido sua promessa de não impedir a saída de pessoal ocidental do Afeganistão.

É incerto, contudo, o que o grupo fundamentalista islâmico fará em relação a afegãos com a mesma ideia. Houve relatos de confusão em pontos fronteiriços com o Paquistão.

“Aqui na capital as coisas estão tranquilas agora. Há boatos de focos residuais de resistência e o comércio fechou em vários pontos”, disse, por meio de mensagem eletrônica, o funcionário público Salem.

Ele não quer ter seu sobrenome revelado, pois trabalhava para a chancelaria em Cabul. Agora, teme por sua vida.

“Não tinha condições de pagar pelos tíquetes da minha mulher e filhos”, afirmou.

No domingo, ele foi um dos milhares de cabulitas que correram aos bancos a fim de retirar o máximo de suas economias, temendo pelo pior.

lá fora

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Não houve registro de repetição disso na segunda, até porque a cidade já estava sendo patrulhada pelas picapes verdes da polícia adornadas com a bandeira branca do Taleban em um mastro à frente dos seus capôs, levando talebans aboletados na caçamba.

Cabul, que virou a Saigon de Biden, numa analogia com a humilhante retirada da capital sul-vietnamita após a derrota americana de 1975, tornou-se o outdoor político deste momento de confusão no país.

Imagens das cenas deprimentes na pista do aeroporto correram o mundo, sendo bastante exploradas pela imprensa na China e na Rússia.

Os dois países são candidatos a pegar o espólio americano no país, Pequim principalmente. Mas o interesse mais imediato é o de espicaçar Washington, sua rival comum.

Biden acusou esse golpe e fez questão de incluir os dois países na lista daqueles que teriam ajudado a desestabilizar o Afeganistão ao longo dos anos, principalmente com o fornecimento de armas.

Até aqui o Taleban tem buscado portar-se como um ator responsável. Um de seus porta-vozes, Suhail Shaheen, publicou no Twitter que “vida, propriedade e honra” dos afegãos seriam respeitadas.

Outros representantes do grupo, falando a redes de TV como a BBC e Al Jazeera, têm insistido que não haverá um retorno ao regime medieval imposto pelo grupo de 1996 até a queda de 2001.

Nele, mulheres eram entidades sem direitos, e a brutalidade imperava nas relações.

O Taleban acabara de ganhar uma guerra civil quando tomou o poder pela primeira vez, e manteve o ritmo violento ao exercê-lo, com execuções e perseguições a minorias.

O senso comum aponta que a necessidade do grupo de viabilizar-se como governo num mundo mais interconectado, especialmente com os interesses de investimentos chineses, pode moderar o Taleban.

O problema é confiar em previsibilidade de um grupo extremista que não é monolítico. Ao contrário, hoje o Taleban é mais um guarda-chuva de lideranças aliadas, muitas egressas de notórias redes terroristas, como a Haqqani.

O que leva à advertência de Biden acerca do risco de o Afeganistão virar de novo uma base para ataques contra o Ocidente, a exemplo do que aconteceu no começo de tudo.

O problema, para o americano, é acreditar que ele será ouvido de fato em Cabul.

Com Reuters e AFP

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