Descrição de chapéu Governo Biden

Apoio popular ao retorno das tropas escora Biden na saída do Afeganistão

Casa Branca vê com ceticismo possibilidade de fechar acordo de paz com o Taleban

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Washington

​Joe Biden fincou os dois pés no compromisso de retirar as tropas americanas do Afeganistão, mesmo com o rápido avanço do Taleban e a deterioração da segurança no país de maioria islâmica. "Não me arrependo da minha decisão", disse na terça-feira (10), enquanto o grupo extremista reconquistava áreas do território afegão antes controladas pelo governo de Ashraf Ghani, presidente eleito de forma democrática.

"Os líderes afegãos precisam se unir. Perdemos milhares de americanos [na guerra]. Eles [afegãos] têm que lutar por si mesmos, por sua nação", completou Biden, que ainda tenta negociar um acordo de paz com o Taleban, visto com ceticismo na Casa Branca.

Soldados americanos supervisionam treinamento de militares afegãos na província de Helmand, cuja capital, Lashkar Gah, foi tomada pelo Taleban
Soldados americanos supervisionam treinamento de militares afegãos na província de Helmand, cuja capital, Lashkar Gah, foi tomada pelo Taleban - Adam Ferguson - 22.mar.16/The New York Times

Os custos políticos que a escalada de violência no Afeganistão terão sobre Biden ainda são pouco claros, mas o presidente dos EUA se escora no maciço apoio popular à retirada das tropas —um dos poucos temas que une democratas e republicanos— para manter 31 de agosto como prazo final de retorno dos militares.

Na noite de quarta-feira (11), Biden recebeu de sua equipe de Segurança Nacional detalhes sobre a piora do cenário no Afeganistão e da necessidade de enviar 3.000 soldados para ajudar na retirada de 1.400 funcionários da embaixada dos EUA em Cabul. Autorizou então a operação de emergência, anunciada na quinta (12), e viu as críticas aumentarem de forma exponencial.

Parte da imprensa internacional, especialistas em política externa e alguns militares americanos classificaram o movimento de evacuação como desonroso, perigoso e humilhante para a maior potência mundial.

Seus assessores mais próximos, porém, não questionam a decisão de Biden de manter a retirada, de olho em uma tendência popular antiguerra que se cristaliza há anos no país.

Pesquisa divulgada pelo site The Hill mostra que 73% dos americanos apoiam a saída das tropas do território afegão, enquanto 27% se dizem contrários à medida.

O levantamento, realizado no início de julho, reforça o suprapartidarismo do tema: 81% dos democratas são favoráveis ao retorno dos militares aos EUA, enquanto 61% dos republicanos têm a mesma avaliação. Entre os eleitores que se dizem independentes, 77% apoiam a ordem de acabar com a mais longa guerra da história americana.

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Antes de Biden, foi Donald Trump quem surfou nessa percepção pública. Em setembro do ano passado, o republicano iniciou um acordo com o Taleban, apontando para a retirada das tropas americanas do Afeganistão neste ano.

Biden deu sequência às tratativas e, em 14 de abril, anunciou que colocaria fim à guerra sem fim até 11 de setembro, aniversário de 20 anos do ataque terrorista ao World Trade Center. Em seguida, antecipou o prazo para 31 de agosto, o que encorajou o Taleban a avançar rapidamente.

Há duas semanas, o grupo fundamentalista islâmico —que governou a maior parte do Afeganistão de 1996 até ser expulso do poder pela invasão dos EUA, em 2001— lançou sua mais forte ofensiva em anos. Na quinta, já dominava cerca de 80% do país, incluindo as duas maiores cidades depois de Cabul, com previsão de tomada da capital cada vez mais iminente.

Apesar da ofensiva do Taleban, integrantes do governo Biden seguem com o discurso oficial de que é possível firmar um acordo de paz que acabe com a violência e divida o poder no Afeganistão, mas, mesmo os mais otimistas já admitem que a situação hoje é muito difícil para que isso aconteça.

A retórica positiva é uma forma de tentar salvar parcialmente o fracassado projeto dos EUA no país, que durou quase 20 anos, com custo trilionário e de milhares de vidas de militares e civis. Além disso, abre um caminho em meio às críticas de que, ao sair em retirada, os EUA abandonaram aliados nas mãos do Taleban.

Na quinta, os secretários americanos de Estado, Antony Blinken, e de Defesa, Lloyd Austin, conversaram com o presidente do Afeganistão e, segundo comunicado do Departamento de Estado, disseram que os EUA continuam comprometidos em apoiar uma solução política para o conflito.

De acordo com a agência de notícias AFP, o governo afegão já propôs uma "distribuição de poder em troca do fim da violência", diante do agravamento do cenário no país. Mas, agora em vantagem, o Taleban, que antes poderia contemplar a proposta, deve rejeitá-la.

Ex-assessores do governo americano que acompanham o tema dizem que os EUA precisam admitir que o acordo de paz falhou e investir em sanções contra os principais líderes do Taleban, via ONU, em uma tentativa de negar a legitimidade internacional do grupo extremista.

Biden ainda não traçou uma estratégia de ação e contenção de danos a partir de 31 de agosto, mas sabe que autorizar uma nova ofensiva militar, por exemplo, já fora das fronteiras do Afeganistão, será uma medida cara e logisticamente difícil, sem contar o custo político.

Parte dos líderes republicanos já começa a ensaiar o discurso de que a remoção das tropas pode trazer um risco do ressurgimento de organizações terroristas e ameaçar a segurança dos EUA, em uma tentativa de alterar a temperatura social —depois de 20 anos em que o terrorismo dominou a política americana, as pessoas estão cada vez menos interessadas e envolvidas nesse tipo de debate no país.

Da Casa Branca, Biden tomou suas decisões na expectativa de ganhar créditos por acabar com uma das guerras eternas, que tinha cada vez menos aderência dos americanos, mas sabe que a opinião pública é volátil e que não deve perder o pulso dos riscos políticos que podem se desenhar mais à frente.

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