Os erros da retirada dos militares dos EUA do Afeganistão começaram na escolha da data: deveria ter sido feita durante o inverno local, quando a neve dificulta a circulação pelas montanhas, e não no verão, como acabou acontecendo, analisa Michael Rubin, ex-conselheiro do Pentágono para o Oriente Médio.
Rubin, que trabalhou na gestão do presidente republicano George W. Bush entre 2002 e 2004, faz críticas ao atual líder americano, Joe Biden, pelas falhas no Afeganistão e avalia que os erros na saída devem prejudicar o mandato do democrata. “Da noite para o dia, sua imagem passou da de um especialista em relações exteriores para a de um homem cuja incompetência levanta questões sobre sua aptidão.”
Hoje pesquisador do think tank American Enterprise Institute, Rubin atuou no Afeganistão e no Iraque e escreveu diversos livros sobre a política externa na região.
O que os EUA e os outros países podem fazer agora para ajudar a população afegã a não perder direitos? Há um conceito entre muitos formuladores de políticas de que sempre é possível evitar as consequências de suas decisões. Mas quando você joga um carro ribanceira abaixo é muito tarde para dizer “o que vamos fazer para resgatar as pessoas dentro?”. Isso foi o que Joe Biden fez.
A melhor opção para a comunidade internacional agora é ajudar as mulheres afegãs a escapar e a se reassentar em outros lugares, porque se elas permanecerem no país o destino delas estará selado. E a melhor forma de entender o Taleban é considerar o regime do Khmer Vermelho, que matou 1 milhão de pessoas após tomar o controle do Camboja em 1975. Eles priorizaram a ideologia em vez do pragmatismo e não se importavam se suas ações fariam com que outros os considerassem um regime pária.
O Taleban conseguirá formar um governo e obter reconhecimento internacional? Entre 1996 e 2001, só três países reconheceram o Taleban: Paquistão, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. O Paquistão sempre os apoiou, mesmo quando eram um grupo insurgente, mas agora a China também disse que irá reconhecer um governo taleban. Isso abre as comportas para outros fazerem o mesmo.
Dito isso, o vice-presidente Amrullah Saleh permanece em Panjshir, dentro do Afeganistão, e buscará unir as forças afegãs contra o Taleban. Antes de 2001, o líder Ahmad Shah Massoud fez algo similar e conseguiu evitar que o Taleban controlasse o país todo. Espera-se que a história se repita.
Há chance de a população afegã contrária ao Taleban conseguir removê-los do poder sem ajuda exterior? Improvável, principalmente porque os serviços de inteligência do Paquistão estão dispostos a dar ao Taleban toda a ajuda que eles precisarem.
Havia algum jeito de fazer essa retirada de uma maneira melhor? Sim. Primeiro, Biden deveria ter agendado a saída para o inverno, quando a neve atinge as rotas pelas montanhas, o que dificultaria tanto a luta do Taleban quanto o envio de suprimentos vindos do Paquistão. Segundo, os EUA deveriam ter mantido o controle da base aérea de Bagram, que tem várias pistas de decolagem e um melhor perímetro de defesa em vez de se instalarem no aeroporto de Cabul, que tem só uma pista e fica no meio da cidade.
A retirada simboliza uma perda do poder e da influência americana no mundo e um avanço da China e da Rússia nesse sentido? Com certeza. A covardia da retirada de Biden representa um erro geracional. A curto prazo, ele empodera não só a Rússia e a China, mas também encoraja potências menores a tentarem ações contra os Estados Unidos.
Haverá impactos na política interna americana, como nas eleições de meio de mandato, em 2022? Os democratas já teriam uma disputa dura. Nas últimas eleições, muitos independentes e também alguns republicanos votaram mais contra Trump do que a favor de Biden.
O apoio dos democratas aos sindicatos de professores, que defenderam as escolas fechadas durante a pandemia, fez com que os independentes já estivessem os abandonando aos poucos. Essa saída a conta-gotas pode se tornar uma inundação em razão da incompetência de Biden. Mesmo aqueles que defendiam a saída do Afeganistão estão em choque pela forma como Biden a executou. Da noite para o dia, sua imagem passou da de um especialista experiente em relações exteriores para a de um homem cuja incompetência levanta questões sobre sua aptidão para permanecer no cargo.
Raio-x
Michael Rubin, 50
Nascido na Filadélfia, formou-se em biologia e história em Yale. Deu aulas em universidades em Israel e no Iraque e em cursos de formação para militares americanos. De 2002 a 2004, foi conselheiro do Pentágono para o Oriente Médio. Depois, foi editor da Middle East Quartely e se tornou pesquisador do American Enterprise Institute.
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