Como um homem-bomba se aproximou enquanto soldados dos EUA revistavam afegãos

Ataque reivindicado pelo Estado Islâmico em aeroporto de Cabul deixou mais de 180 mortos

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Helene Cooper Eric Schmitt Thomas Gibbons Neff
Washington | The New York Times

O homem-bomba esperou até o último momento possível, disseram autoridades americanas. A multidão que se espremia para entrar no Aeroporto Internacional Hamid Karzai estava concentrada no Portão da Abadia, uma entrada principal vigiada por fuzileiros navais e outros militares.

As tropas sabiam que poderiam ser alvo de um ataque; na véspera, o Departamento de Estado tinha avisado sobre uma ameaça "verossímil" em três portões do aeroporto, onde mais de 5.000 militares ajudaram a evacuar mais de 100 mil pessoas em menos de duas semanas. O Portão da Abadia estava na lista.

A segurança do aeroporto tinha fechado dois portões, mas decidiu deixar este aberto, segundo autoridades dos EUA. Elas também disseram acreditar que, mais cedo naquele dia, comandantes e combatentes talibãs que vigiavam postos de controle na estrada para o aeroporto tinham frustrado duas possíveis tentativas de militantes chegarem ao aeroporto.

Mas o terceiro conseguiu passar.

Às 17h48, o homem-bomba, usando um colete com mais de 11 quilos de explosivos embaixo das roupas, aproximou-se do grupo de americanos que revistavam as pessoas que pretendiam entrar no complexo.

People are sent away from the scene of a bomb blast outside the Hamid Karzai International Airport in Kabul, Afghanistan on Thursday, Aug. 26, 2021. Pentagon officials said they were still piecing together the chain of events that took place at Abbey Gate on Thursday. (Jim Huylebroek/The New York Times)
Movimentação perto de onde ocorreu a explosão no aerorporto de Cabul - Jim Huylebroek - 26.ago.2021/The New York Times

Ele esperou, disseram autoridades, até pouco antes de ser checado pelos soldados americanos. Então detonou a bomba, que era incomumente grande para um colete suicida, matando a si próprio e desencadeando um ataque que deixaria dezenas de mortos, incluindo 13 militares americanos.

"Isso é guerra de proximidade —você sente o hálito da pessoa que está revistando", disse o general Kenneth McKenzie, chefe do Comando Central dos EUA, na quinta-feira (26), depois do ataque, descrevendo o contato cara a cara entre os fuzileiros no portão do aeroporto e os afegãos que eles deviam revistar antes de permitir sua entrada.

Autoridades do Pentágono disseram que ainda estavam remontando a série de acontecimentos que ocorreram no Portão da Abadia na quinta. Haverá revisões e desenhos quadro a quadro com listas detalhadas do que levou àquele momento. Haverá perguntas: por que tantos militares estavam agrupados tão perto uns dos outros? Como o homem-bomba escapou dos postos de checagem talibãs? Alguém o deixou passar?

Conforme o alcance dos danos ficava mais claro, autoridades de saúde em Cabul levantaram o número de baixas, dizendo que pelo menos 170 pessoas tinham morrido. Afegãos que tentam escapar do regime talibã continuavam chegando ao aeroporto na sexta-feira (27), mas o tamanho da multidão foi estimado em centenas, contra os milhares que estavam lá quando houve a explosão. O aeroporto seguia praticamente fechado, embora os voos de evacuação continuassem.

Pouco depois das 14h de sexta, enquanto mais uma aeronave cinza dos EUA decolava do aeroporto carregando os caixões envoltos em bandeiras dos 13 soldados americanos, a angústia do atentado de quinta se espalhava de Cabul para os EUA. No necrotério da Base Aérea de Dover, em Delaware, militares iniciariam o ritual de vestir e preparar mais um grupo de soldados mortos no Afeganistão.

lá fora

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"Nunca fui de política e não vou começar agora", disse em um post no Instagram Marilyn Soviak, irmã de Maxton Soviak, soldado de Ohio que estava entre os mortos. "O que eu direi é que meu lindo, inteligente, independente, chato, encantador irmão-bebê foi morto ontem ajudando a salvar vidas."

Pouco depois da explosão da bomba, segundo autoridades do Departamento de Defesa, os combatentes próximos começaram a atirar. As autoridades disseram que alguns dos americanos e afegãos no Portão da Abadia podem ter sido atingidos pelo tiroteio.

Houve tanta confusão depois da explosão que os militares relataram inicialmente que tinha ocorrido uma segunda explosão de homem-bomba no Hotel Baron, ali perto. Isso veio a se mostrar falso, segundo o major-general Hank Taylor, vice-diretor de operações regionais do Comando Conjunto.

Com mais de 11 quilos, o colete usado pelo homem-bomba causou danos incalculáveis. Segundo manuais do Exército, os homens-bomba geralmente usam um cinto contendo 5 quilos ou menos de explosivos, ou um colete com 5 a 10 quilos. Com esse colete maior, que incluía pedaços de metal que funcionam como estilhaços mortais, o suicida também feriu dezenas de afegãos, assim como outros 14 soldados americanos, que foram removidos para o centro médico de Landstuhl, perto da Base Aérea de Ramstein, na Alemanha.

Não demorou muito para que o Aeroporto Internacional Hamid Karzai se transformasse de um polo comercial em uma posição defensiva final para os militares americanos, que anteriormente enviaram dezenas de milhares de soldados a pontos distantes do Afeganistão. Helicópteros Apache circulavam acima, e forças de reação rápida dos fuzileiros navais rondavam o perímetro. No centro de comando, informações de drones e câmeras de vigilância enviavam imagens em infravermelho de multidões amontoadas nos portões.

Os fuzileiros que cuidavam do Portão da Abadia na quinta tinham chegado a Cabul cerca de uma semana antes. Eles estavam renovados e com um objetivo em mente: fazer passar o maior número possível de pessoas. Isso significava usar um intérprete e um alto-falante para convencer a multidão a recuar, tarefa dolorosa que permitiu que os fuzileiros abrissem dois pontos de entrada.

A queda de Cabul tinha desencadeado um tsunâmi de telefonemas, e-mails e mensagens desesperadas de organizações estrangeiras que trabalharam no Afeganistão nos últimos 20 anos, todas implorando ao Pentágono ajuda para retirar seus funcionários e aliados do país.

Outras pessoas que trabalharam com afegãos, inclusive professores que visitaram escolas no país, uniram-se a senadores americanos, diretores de empresas de mídia e chefes de organizações globais pedindo ajuda para seus ex-parceiros, que correm perigo de sofrer represálias dos talibãs.

Os pedidos chegaram às tropas americanas no aeroporto de Cabul. "Os fuzileiros que morreram foram os que auxiliaram nossa equipe", disse Cori Shepherd, cineasta que já ajudou meninas afegãs a irem para escolas nos EUA. "Esses homens estavam literalmente entrando na massa e retirando nossas mulheres em segurança, coordenados com nosso homem para encontrá-las. Os homens que trabalhavam no Portão da Abadia foram extremamente corajosos."

O almirante aposentado Peter Vasely, ex-membro dos SEALs da Marinha, que conduzem a operação no aeroporto, pediu que os comandantes talibãs verifiquem melhor as pessoas que seguem para o Portão da Abadia, disseram autoridades.

Os talibãs podem ter frustrado outras tentativas, disse McKenzie a repórteres na quinta. Mas afinal "não há substituto para um rapaz ou uma moça —um jovem americano— parado ali conduzindo uma revista da pessoa antes de deixá-la entrar", disse o militar. O esforço para retirar pessoas vulneráveis do Afeganistão vai continuar, disse ele. "É por isso que estamos lá."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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