Descrição de chapéu Governo Biden

Crise no Afeganistão amplia reprovação de Biden e abala imagem de político experiente

Pesquisas apontam que americanos se preocupam mais com saúde e economia do que com guerra

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Washington

Os planos de Joe Biden para este mês incluíam uns dias de férias longe da Casa Branca. O descanso, porém, teve de ser adiado e deu lugar a trabalho extra, para tentar reverter os piores momentos do governo até aqui e um abalo em sua imagem. E agosto ainda não acabou.

O caos na saída do Afeganistão fez com que, pela primeira vez, sua taxa de rejeição entre os americanos superasse a de aprovação. Hoje, 48,4% desaprovam a gestão do democrata, contra 47,4% que o apoiam, segundo o site Real Clear Politics, que compila dados de várias pesquisas.

Presidente dos EUA, Joe Biden, aguarda para discurso sobre situação da pandemia no país
Presidente dos EUA, Joe Biden, aguarda para discurso sobre situação da pandemia no país - Jim Watson - 23.ago.21/AFP

O impacto a longo prazo da crise atual ainda é incerto. Levantamento Reuters/Ipsos mostrou que a saúde pública e a economia são as principais preocupações dos americanos (16% e 15%, respectivamente), seguidas por ambiente e imigração. Terrorismo e guerras estão no fim da lista: só 4% consideram esses um tema central —a taxa é baixa mesmo entre republicanos. E em torno de 60% dos americanos apoiam a retirada do Afeganistão.

Biden vinha mantendo boa aprovação desde a posse, em janeiro, graças à melhora na gestão da pandemia e a avanços na economia. No período, houve queda no desemprego —atualmente em 5,4%— e aumento do PIB. No segundo trimestre, o crescimento foi de 6,5% na comparação com o mesmo período de 2020, e a economia americana superou o tamanho que tinha antes da pandemia.

A sorte do presidente começou a mudar em julho, com uma nova alta de casos de Covid, alimentada pelo avanço da variante delta e pela resistência de parte dos americanos em se vacinar contra o coronavírus. O número de novos casos diários voltou a superar os 150 mil (como não ocorria desde janeiro), e as mortes estão no patamar de 1.200 por dia —um quarto do que chegou a ser visto nos piores momentos, mas bem acima dos 300 óbitos diários de dois meses atrás.

A crise no Afeganistão estourou em 15 de agosto, quando, ao triunfar em Cabul, o Talibã retomou o controle do país, algo que, semanas antes, Biden havia dito que tinha chances mínimas de ocorrer. A conquista se deu antes que os americanos concluíssem a retirada de suas tropas, marcada para terça (31), e foi seguida por cenas de caos no aeroporto de Cabul. Entre os milhares de afegãos tentando fugir, houve quem tentasse se agarrar a aviões durante a decolagem.

Nos últimos dias, a situação piorou. Na quinta (26), um atentado matou mais de 180 pessoas perto do aeroporto, em um ataque reivindicado pelo EI-K, braço afegão do Estado Islâmico. O grupo terrorista, em baixa desde que fora expulso dos territórios que ocupou na Síria e no Iraque, mostrou ainda ser capaz de gerar destruição —o revide americano veio na madrugada de sábado (28), ainda noite de sexta no Brasil, com um ataque de drone mirando um "organizador" de atentados.

Biden, que na campanha eleitoral ressaltou a experiência em diplomacia internacional e prometeu reaproximar os EUA do mundo, veio a público ao menos seis vezes ao longo de duas semanas para falar sobre a crise. Em todas, manteve a decisão da retirada, mas foi passando a parecer mais incomodado com as consequências dela.

Um dia após a vitória talibã, tentando adotar uma postura firme, ele lavou as mãos, culpando os afegãos: "Demos equipamentos, mas não podemos dar a eles vontade de lutar".

Depois, admitiu que o governo havia sido pego de surpresa, mas insistiu que não faria sentido estender a missão americana. Ressaltou que seria impossível fazer a retirada "sem caos". Prometeu ajudar o máximo de aliados possível, mas disse que não poderia garantir o resultado final da operação.

Na última quinta, após as explosões, o democrata apareceu com semblante triste e disse entender a dor das famílias das vítimas, pois também perdeu um filho, Beau —que serviu no Iraque e morreu de câncer aos 46 anos. Exaltou o heroísmo dos americanos, prometeu vingança e, ao final, após parecer atônito em alguns momentos, questionou os repórteres se eles tomariam a decisão de arriscar mais vidas americanas no exterior.

Poucos parlamentares democratas vieram a público defender o presidente. A maioria preferiu se solidarizar com o povo afegão. E os republicanos não perderam a chance de atacá-lo.

A saída "foi talvez o movimento mais idiota já feito na história do nosso país", segundo o ex-presidente Donald Trump, que assinou o acordo de retirada com o Talibã em 2020. "Não havia razão para correr. E eles 'esqueceram' lá os melhores equipamentos militares do mundo. É difícil de acreditar, porque até uma criança teria entendido [esse erro]", alfinetou, em entrevista à Fox News.

Os opositores tentam usar a crise atual para convencer o público de que Biden não sabe o que está fazendo. "Há um cinismo político por parte de alguns republicanos. Eles atacam Biden por coisas que, se Trump tivesse feito, jamais o criticariam", diz Jonathan Hanson, professor de ciência política na Universidade de Michigan.

"Praticamente ninguém tinha um grande desejo de manter as tropas no Afeganistão por muito mais tempo."

O grande objetivo da oposição é recuperar o controle do Congresso nas eleições de meio de mandato, em novembro de 2022. Os democratas possuem maioria estreita na Câmara e no Senado, e a perda de algumas cadeiras pode levar à troca de comando. Biden vem perdendo apoio dos eleitores independentes, que podem ser decisivos. No levantamento Reuters/Ipsos, 46% aprovam sua gestão, e 46% a criticam; há dois meses, a aprovação era de 52%.

Apesar dos sinais de alerta, cientistas políticos apontam que ainda é cedo para saber como a crise atual será lembrada. "Na política externa, uma série de coisas acontecem e se sucedem muito rapidamente, e o eleitor comum muitas vezes não as leva em consideração. Em eleições legislativas, questões internas costumam ter mais peso", diz Williams Gonçalves, professor de relações internacionais da UERJ.

Nesta semana, a liderança democrata na Câmara conseguiu um acordo com a bancada para abrir caminho para votar um pacote de programas sociais proposto por Biden, de US$ 3,5 trilhões, e outro de infraestrutura, de US$ 1 trilhão. Também costurou para usar uma manobra legislativa que impeça republicanos de bloquearem a aprovação.

No entanto, ainda há debates mesmo entre democratas sobre o tamanho adequado desse pacote social e as maneiras de custeá-lo. A expectativa é a de que a votação ocorra até setembro.

"Os democratas têm conseguido bons resultados no Congresso e podem terminar o ano com várias coisas a comemorar", avalia Hanson. "Mas outros fatores, como a Covid, que parece que veio para ficar, e a economia, que alterna dados bons e não tão bons, geram incertezas."

Já na Suprema Corte, com maioria de viés conservador, Biden teve duas derrotas: os juízes determinaram o fim do veto federal a despejos de inquilinos inadimplentes durante a pandemia e decidiram pela permanência de um programa que faz com que imigrantes que buscam asilo tenham de esperar a resposta no México. O número de pessoas que tentam entrar de forma irregular por lá tem batido recorde.

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"Biden vai depender muito dos outros Poderes para avançar com sua agenda. Seus projetos incluem temas sensíveis, como mudanças tributárias, assistencialismo e tamanho do Estado, que poderão trazer grandes mudanças. Mas os republicanos vão tentar impedir que ele deixe um legado", analisa Fernanda Magnotta, pesquisadora do Núcleo EUA do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais). "A pior coisa que pode acontecer a ele é perder o controle do Congresso no ano que vem."

Antes de pensar no futuro, Biden precisa resolver o fim da retirada do Afeganistão. O prazo vence na terça (31), e ele vem dizendo que não irá estendê-lo, mesmo sob apelos de outros países. A própria Casa Branca alerta sobre o risco de novos atentados em Cabul. A agonia do presidente tem grande risco de se estender por setembro.

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